quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 16: LYON)


O destino de uma pessoa nunca é um lugar, mas um jeito novo de ver as coisas. (Henry Miller)

   Como minha ida ao centro naquele belo fim de tarde não deu muito certo (leia mais sobre meu drama na sessão É BOM TU SABER), novamente azedo, voltei pra casa. Até que valeu a pena: coloquei meu diário de viagem em dia,  fiz a barba, passei numa lan-house pra mandar notícias pra casa e tentei, sem sucesso, comprar minha passagem pra Barcelona. Claro que meu humor piorou mais um pouquinho com isso. Jantei com a Marie numa pizzaria do bairro. O dono era um velhinho português muito legal – aliás, tão legal que cobrou 5 euros nossa pizza grande e deliciosa.
   A Marie tinha dois empregos. Trabalhava seis horas como secretária e também fazia faxinas esporadicamente pra complementar sua renda. Pra sua sorte, a clientela deste segundo emprego estava crescendo e, desta forma, ela não pode me mostrar a cidade naquele dia. Em todo caso, gentilmente, me cedeu uma cópia da chave do apartamento dela (essa confiança em desconhecidos  não é fantástica?!) e um mapa da cidade. O resto era comigo.

   Só cheguei à Lyon no meio da tarde. A Marie, minhas hostess do CouchSurfing, já estava na estação me esperando e, sendo assim, fomos direto pro apartamento dela – que ficava, na verdade, em Villeurbanne, uma cidade grudada à Lyon. Eu precisava largar minhas tralhas e tomar bom um banho, pois as últimas 15 horas tinham sido bastante sofridas. Talvez depois de um bom banho, o meu (raro) péssimo humor passasse.

LYON INTESAMENTE
   Na minha primeira manhã em Lyon, fui primeiro tratar de resolver a história da minha passagem pra Barcelona. Perdi umas duas horas nisso pra descobrir que não havia mais passagens. Resolvi confiar na minha sorte e deixar pra resolver tudo em cima da hora no dia seguinte, quando fosse embora de Lyon. Eu já estava perdendo tempo demais com esta situação.
   De metrô, fui até a estação Foch, à beira do rio Rhône, e de lá desbravei a cidade a pé. A população de lá curte muito um passeio pelos arredores do rio, que é cercado por bares, restaurantes, ciclovias e pistas de patins e skate. Conta a Marie que antigamente as cercanias eram marginalizadas e sujas, mas um projeto de revitalização iniciado há alguns anos transformou o lugar, que hoje pulsa dia e noite.

  Rhône e a cidade


   Depois fui ver as belas igrejas da cidade. Comecei pela Saint Bonaventure e depois, já perto do rio Saône, a Catedral de São João Batista. Nesta, quando cheguei, havia polícia, autoridades e a imprensa. Depois, conversando com uma jornalista francesa de cabelos negros e bigode descolorido (sim, bigode!), descobri que um ex-prefeito tinha morrido. Assim, quando o defunto saiu pela porta principal, entrei na igreja por uma porta lateral e fiquei lá dentro por uns cinco minutos, quando muito, até me tocarem de lá.

Movimento ao redor da Catedral de São João Batista

Círculo laranja: a bigoduda. Círculo amarelo: o provável próximo velado.


   Almocei um cachorro-quente genuinamente de Lyon na Praça Bellecour, onde também fica o melhor centro de atendimento ao turista de lá, e depois fui dar umas voltas na parte mais charmosa da cidade, o bairro Vieux Lyon (Velha Lyon).

 Praça Bellecour, com a Basílica e a Torre ao fundo
  
   Dá gosto de andar por aquele bairro. As ruas estreitas revelam surpresas a cada novo olhar. Os cafés, restaurantes, ambulantes e lojinhas se empilham por todos os cantos. Os artistas de rua também marcam presença. Fiquei um tempão apreciando três australianos tocando clássicos dos anos 80, com destaque pra Sweet Dreams.
   Neste bairro as coisas modernas se confundem com as antigas, especialmente o que restou do Império Romano que deixou fortes marcas por lá. Aliado à isso, há os traboules, que são atalhos (quase todos túneis) construídos há muitos séculos atrás pra facilitar no transporte da seda – e que na Segunda Guerra Mundial viraram alternativa de fuga para muitos.



Esquinas de Lyon

A MAIOR JÓIA DA CIDADE

   Subindo o morro Fourvière de funicular, está uma das igrejas mais massas que eu já vi na vida, a Basílica Notre-Dame de Fourvière. Esta magnífica construção foi erguida em homenagem à Virgem Maria, em agradecimento à proteção ao povo de Lyon durante a Guerra Franco-Prussiana. Conflitos aparte, o esforço para erguer a Basílica valeu a pena. As esculturas e, principalmente, as paredes em mosaico e muito ouro são de deixar qualquer um babando.



Sim, é ouro e é foda!

Cara de fé

   Lá em cima do morro ainda têm outras gratas surpresas, como a melhor herança dos romanos ao povo de Lyon: um teatro milenar e inteirinho e o resto do parque arqueológico a céu aberto e livre visitação. Até hoje rola um grande festival de música naquele lugar, que dura mais de mês. Por fim, além das intermináveis lombadas, há também a Torre Eiffel de Lyon e a melhor vista da cidade.

Ger vai ao teatro


UM MERGULHO PRA ACABAR BEM O DIA
   Depois de uma última volta pelo centro da cidade, voltei pra casa pra encontrar a Marie. Com ela e duas colegas dela de maratonas aquáticas, fomos ao parque Mirabel-Jonage. Elas treinaram na bela lagoa local, eu descansei em meio a desconhecidos e o sol das 20:00 . Por último, fomos ao centro ver a cidade à noite.
   Embora eu tenha dormido bem, o dia seguinte me deixava inseguro. Eu ia embora de Lyon e queria ir pra Barcelona. Porém, eu ainda não tinha lugar pra ficar e nem passagem pra chegar até lá. Uma longa jornada me aguardava, mas isso é assunto pro próximo post.

É BOM TU SABER
   Juro. Lyon é tão maneira quanto Paris – ou mais. Lyon talvez não tenha o mesmo charme, mas é menos populosa e visada por turistas. Dá pra interagir muito melhor com os locais. E outra: a cidade é compacta. Dá pra fazer muita coisa a pé por lá.
   Associado à tudo isso, repito: franceses são gente muito boa, os de Lyon especialmente. Tem muita gente que volta da França e me conta que não simpatizou com os franceses, mas eu discordo profundamente. Essa história de que eles se recusam falar inglês, sacaneiam os estrangeiros, não são amistosos e etc. é (até onde vi e vivi) mentira. Ao todo, fiquei uns sete dias na França e sempre fui muito bem tratado. Afinal, como tudo na vida, a comunicação com estranhos de um lugar desconhecido também é uma questão de jeito.
   Quando eu queria alguma direção pra algum lugar, nunca recebi um “não”. Quando viam eu batendo auto-retratos, seguidamente me perguntavam se eu queria que me fotografassem. E outra: ninguém reclamou do fato de eu não falar o idioma deles – até porque muitos franceses, especialmente os jovens, têm uma boa noção de inglês. Agora, o pior melhor episódio com franceses aconteceu em Lyon.
   Ainda meio azedo, no dia que cheguei à cidade, resolvi dar um passeio aleatório pelo centro da cidade ao entardecer – até porque só anoitece por volta das 22:00 em Lyon. A idéia era apenas relaxar um pouco. No metrô (muito limpo, veloz e organizado, aliás), comprei um passe diário numa maquininha (custou 4,50 euros, porém eu planejava andar bastante com ele ainda aquele dia). Qual foi a minha surpresa ao ter meu tíquete recém-comprado recusado pela catraca?! Bá, fiquei puto da cara. Eu passava o bilhetinho de tudo que era jeito por aquela lata estúpida e só recebia negativas dela. Tentei atravessar a rua, descer do outro lado da estação e pegar a linha que ia em direção oposta, só pra passar em outra catraca, mas a negativa (em francês, ao menos) permaneceu.
   Voltei pro lado da estação que me interessava pra tentar mais uma vez. Havia dois caras também descendo as escadarias. Eles, primeiramente, reconheceram que minha camisa era do time que projetou o Ronaldinho Gaúcho pro mundo e, em seguida, ouviram o drama por que eu passava naquele momento. Eles compraram seus tíquetes e passaram tranqüilamente pela catraca. Só eu que não. Eis que um deles perguntou: Por que tu não pula a catraca? Confesso que me senti tentado, mas tinham duas câmeras me filmando. O outro francês insistiu: Cara, isso aqui não é teu país. Eles não podem te prender por muito tempo. E outra: a culpa de tu estar pulando é deles. Pensei um pouco, mas não pulei. Hoje eu acho que deveria ter pulado - só pra ter mais uma história pra contar.

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