sábado, 24 de abril de 2010

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 13: ZURIQUE E LUCERNA)

Daqui há vinte anos você vai estar mais desapontado com as coisas que deixou de fazer do que com as que você fez. Portanto livre-se das bolinas e saia do porto seguro. Pegue os ventos alísios nas suas navegações. Explore. Sonhe. Descubra. (Mark Twain)
  
   Cheguei à Zurique perto das onze da manhã, cheio de dúvidas. Eu não tinha muita noção de quanto valia o franco suíço, apenas sabia que tudo no país era caro. Também estava um pouco temeroso com os dois dias que tinha reservado pra conhecer a cidade, uma vez que todo mundo que conheci na Europa dizia que Zurique era chata. Por fim, eu não sabia se o David, meu CouchSurfing host, teria cumprido tudo o que havia me prometido.
   Enfim, fui por partes. Trocar grana foi fácil e dolorido ao bolso. O franco suíço é caro, mas ao menos é bonitinho (vide foto ao lado tirada do blog Zito´s Loko). Marcar minha passagem pra dali dois dias à Florença, na Itália, também. Almocei numa feirinha que se arma dentro da estação de trem todo meio-dia e, saciado, fui largar minha mochila na casa do David.
   É muito fácil de guiar por Zurique. Todas as ruas são bem sinalizadas e o trânsito é organizado. O cara pode escolher pegar ônibus ou bonde pra andar no centro da cidade e arredores, mas como tudo é muito pequeno, não custa nada gastar um pouco mais as solas dos sapatos e aumentar um pouco as bolhas dos pés. Sem muito esforço, encontrei a chave no lugar que o David tinha prometido, larguei minhas tralhas no apartamento dele e voltei pro centrão com sete quilos a menos pra carregar.
   Zurique é a maior cidade da Suíça e nem por isso é grande, como já disse acima. A população beira os 375 mil habitantes e todos vivem muito bem – tanto que a cidade é uma das de melhor qualidade de vida do mundo. Tudo é caro, é verdade. Mas pra quem mora lá, não é. Pra um mochileiro, as coisas são um pouco diferentes... Em todo caso, vale muito a pena caminhar pela avenida principal de lá, a Bahnhofstrasse, entrar nas lojas caras, nas megalojas (que tem até sessão pra emos – no subsolo, é claro) e olhar ricaços desfilando carrões e pagando o equivalente a vinte reais por um cafezinho numa calçada qualquer.


BEM MAIS OU MENOS

   Ainda assim, existem atrações “pagáveis” para meros viajantes mortais. Por cerca de dez reais, fiz um passeio de barco de uma hora e meia pelo Lago de Zurique, por exemplo. Ao longo do passeio, passa-se por outras vizinhanças da cidade, praias artificiais, mansões e lanchas luxuosas. Porém nada disso é tão legal quanto os Alpes que ficam lá no horizonte.

"Praia" de Zurique

Estacionamento: em cima os carros, em baixo os barcos

Alpes

   De volta à terra firme, fui conhecer o centro antigo, as igrejinhas e afins. Eu estava tão mal acostumado com as igrejas fantásticas de Praga que anotei o seguinte no meu diário de viagem sobre a Grossmünster: “a igreja é feia – ainda bem que era proibido fotografar”. Na verdade, ela não era feia. Ela só era bem burocratizada, assim como a cidade. Tudo certinho, perfeito. Quase sem sal.

Grossmünster

   Mesmo assim o centro antigo tem coisas legais pra se ver, especialmente no que tange a arquitetura dos prédios e as ladeiras estreitas que levam a novas ladeiras estreitas. Havia também museus de artes e estátuas pra serem vistas, mas eu estava a fim de ficar uns dias sem isso, pra dar uma desintoxicada. No fim das contas, andei muito tempo por lá, contornando o rio Limmat. Algumas das minhas melhores fotos na Suíça acabaram sendo ali mesmo.

Centro Antigo de Zurique

Ladeiras

Detalhe na sacada do prédio no centro da foto

   Lá pelas oito da noite, estava a caminho da casa do David novamente. Ele mora num bairro de imigrantes, assim como ele – que veio de Israel. Nem por isso o bairro é perigoso. Aliás, nada em Zurique mete medo, a não ser o excesso de tranqüilidade. Mais tarde chegou uma viajante japonesa que também estava hospedada no David e um pouco depois, finalmente, o dono da casa. Viramos a noite falando de nossas vidas e experiências de migrar de um lugar pra outro – a japonesa também já vivera em Singapura. Aprendi horrores sobre Israel com o David, sobre a imagem errada de violência que a mídia vende do seu país e ainda testemunhei todo o amor que ele tem por tudo que deixou pra trás pra conseguir o doutorado em Matemática dele na Europa.


PLANO B

   No dia seguinte, dei-me ao luxo de dormir até às nove – eu estava precisando disso. O David já tinha ido pra aula dele e a japa ia visitar o prédio da Fifa (uhuuull ¬¬). Lá fora caía uma chuva fina e eu não estava com a mínima vontade de passar o dia inteiro num museu pra não me molhar. Resolvi que era hora de mudar de planos e ir embora de Zurique mais cedo – embora eu tivesse que estar de volta naquela noite pra pegar meu próximo trem. Deixei um bilhete de despedida pro David e fui até a estação de trem escolher uma cidade aleatória pra visitar. Depois de uma breve olhada nos destinos próximos e uma consultada no meu guia de viagem, escolhi Lucerna. Antes de partir, ainda tive tempo de me atracar num fish n´chips bem gostoso, no estilo clássico, enrolado num “jornal”.
   Menos de uma hora depois, eu já estava na salinha de atendimento ao turista à procura de um mapa da cidade. O único mapa gratuito vinha num livrinho de umas 20 folhas. O mapa ocupava apenas uma página e as outras eram só propaganda. Encarnando meu espírito mochileiro/cara-de-pau, na frente de todo mundo, e pra espanto de vários, rasguei o que me interessava (o mapa, né!) e coloquei o resto no lixo seco, pra reciclagem.
   A grande atração de Lucerna é uma ponte de madeira, a Kapellbrücke. Ela tem mais de 600 anos, é cheia de pinturas bonitas e preservadas na parte de dentro e é a primeira coisa que se vê ao sair da estação de trem. Feitas as fotos, fui pro centro antigo da cidade – que, diga-se de passagem, até onde pude observar, não tem um centro moderno. O centrinho mistura prédios velhos, sorveterias fantásticas e lojas de shopping centers, como C&A e Zara.

Kapellbrücke

Centro Antigo de Lucerna

   Todavia, o mais legal de Lucerna fica no cantinho da cidade, em cima de uma colina. Lá em cima, depois de subir uma rua íngreme, ziguezaguear um jardim, desviar de um enxame de abelhas e escalar mais algumas centenas de degraus de pedra e de madeira, chega-se ao que sobrou dos muros que outrora cercaram a cidade. Lá em cima, subindo mais uns degraus, tem-se, finalmente, o topo – e a vista mais bonita da cidade e dos Alpes.

Lucerna

O que restou do muro

Bois suíços usam franjas (clique na foto e amplie-a)

   Mais tarde, me dei ao trabalho de andar por ruas não-turísticas da cidade e constatei o óbvio: lá só vão suíços. Assim, entrei numa padaria para suíços (com preços para suíços), fui a lojas normais e até passei por uma funerária. Todo mundo me perguntava se eu estava perdido, pois não tinha nada a ser visto naqueles lados na opinião deles, mas eu estava curtindo.
   Pra acabar o passeio, dei umas bandas na famosa ponte de madeira, na igreja principal da cidade e, por fim, fui bater uma foto com o Löwendenkmal. Ele nada mais é que uma estátua de leão colossal esculpida numa montanha, em homenagem aos soldados suíços massacrados durante a Revolução Francesa.

Mais morto que o leão
   Ao entardecer, voltei pra Zurique. Jantei alguma coisa que eu não lembro, calcei minhas Havaianas (que na Europa chegam a custar cerca de 70 reais) e esperei a hora e pegar meu trem noturno pra Florença. Dormi feito um anjo naquele balançar dos trilhos.

Feliz da vida no topo do de um dos treliches da minha cabine


É BOM TU SABER

   Fiquei apenas cerca de 24 horas em Zurique e, dessas, apenas umas três com o David, meu anfitrião na cidade. Porém, o tempo inteiro que interagi com ele, desde quando combinei que ia me hospedar na casa dele, ainda aqui no Brasil, tudo foi uma lição de vida pra mim.
   Nunca ninguém demonstrou tamanha confiança em mim sem jamais ter me conhecido. Primeiramente, ele aceitou meu auto-convite sem titubear. Depois, faltando uns três dias pra eu ir pra Zurique, recebi um email dele, com mil desculpas, dizendo que não ia mais poder me mostrar a cidade, pois teria uma série de reuniões naquele dia, – mas nem por isso iria abrir mão do compromisso que já havia assumido.
   Assim, (repito: sem nunca ter me visto na vida) o carinha aí ao lado deixou a chave de casa dele pra mim separada na caixinha do correio. Dentro do apartamento dele havia muitas coisas de valor, como dois computadores, seu passaporte israelense, lembranças do seu país e etc. E ele, nem por isso, hesitou em abrir o apartamento (e tudo o que isso simbolizava) pra mim. Ele simplesmente se permitiu, como ainda se permite, confiar nas pessoas – assim como ele também espera isso delas. Quem dera houvesse mais Davids por aí.

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