sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 8: COPENHAGUE)

"A verdadeira viagem de descobertas consiste não em ver novas paisagens, mas em ter novos olhos." (Marcel Proust)

   De alma lavada, deixei a comunidade alternativa de Odense pra trás e tomei um trem pra Copenhague. A viagem foi tri legal. Não apenas pela paisagem fantástica que passava pela minha janela (destaque todo especial pra quando o trem ia de uma ilha dinamarquesa pra outra), mas também pra uma senhora norueguesa que conheci. Fã do Paulo Coelho, ela achou o máximo falar com um brasileiro pela primeira vez. Embora eu tenha a frustrado um pouco ao dizer que nunca havia lido nada do autor, o encanto por falar com alguém da mesma terra do “imortal” foi quase o nirvana pra aquela arquiteta. Enquanto trocávamos relatos de nossas respectivas nações, foi impossível não reparar no estilo “naturista” dela. A mulher tinha um baita de um bigode e pernas peludas (e eu juro que era mulher!). Voltando ao que interessa, e isso é muito interessante, ela me contou que todo ano ganhava dois meses de férias da empresa dela, pois como ela mora numa cidade pequena, todos viajam nas férias. Desta forma, não havia clientes e, logo, todos da empresa também eram liberados. Vida boa essa da norueguesa!
   Cheguei à capital dinamarquesa perto do meio-dia, sob uma leve garoa e um vento gelado. A sensação térmica devia ser uns 13 graus. De alguma forma, consegui me segurar e não fui no Tivoli Gardens, o segundo parque de diversões mais velho do mundo. Dei preferência pro resto da cidade e não me arrependi. Comecei meu passeio pelo lugar mais turístico possível: um palácio. O Christiansborg Slot (Palácio de Christiansborg) é onde fica o parlamento, o primeiro-ministro e também onde a rainha da Dinamarca recebe outras autoridades e toma chá esperando a morte chegar. O lugar é monumental, mas a visita interna é paga e eu tinha mais o que fazer.


Christiansborg Slot


SIM, ISTO É ESCANDINÁVIA

   Dando umas bandas pela cidade, achei coisas mais interessantes que frescuras reais. Por exemplo, a biblioteca municipal. Tava louco pra entrar nela, mas me barraram porque estava acontecendo uma conferência qualquer lá dentro. Depois de andar um pouco, me vi num belo jardim com algumas figuras ilustres. Fotografei o meu favorito. Por fim, antes de eu tomar um rumo mais objetivo novamente, numas ruas quaisquer, comecei a ver que estava mesmo na Escandinávia. Vejam vocês mesmos:


Meu amigo Kierkegaard



Canal Frederiksholm

 

Casa típica

 

Børsen (Bolsa de Valores)


   Como a fome começava a se manifestar de forma mais intensa, fui em busca dos não tão famosos cachorros-quentes dinamarqueses. De fato são meio bizarros, com cebola crocante em cima do ketchup, mas nada que se compare ao Cachorrão do Claudião ainda :)
   Aquele era um domingo tranqüilo e a cidade estava cheia. Naquele fim-de-semana estava acontecendo um festival de jazz. Em cada canto da cidade tinha um saxofonista solitário ou uma banda inteira mandando ver. Foi uma delícia passear pela famosa e bela Nyhavn. Lá as pessoas se aglomeravam em barzinhos coloridos e curtiam o jazz fluindo ao sabor do vento.


Nyhavn

   Resolvi andar pela beira do rio pra ver onde eu ia parar. Passei pela Frederiks Kirke (Igreja de Mármore), mais uns três ou quatro palácios, outras igrejas mais simpáticas, ajudei uns indianos perdidos (que me agradeceram enormemente a ajuda como se eu tivesse doado um milhão de euros pra eles) e quando vi já estava na tal Pequena Sereia (que teria inspirado o Walt Disney). Mas ela nem vale uma foto neste blog. Achei as japonesas dormindo com guias turísticos na cara mais interessante.


Quando voltei do passeio, elas continuavam lá.


PEQUENOS E ETERNOS MOMENTOS

   Já era perto das cinco e pouco quando fui me deitar debaixo de uma árvore no King´s Park (principal parque da cidade) e dormir feito mochileiro que estava, enfim, me tornando. Muito bom saber que se pode dormir ao ar livre sem se preocupar com roubos e derivados. Foi uma soneca inesquecível de quinze minutos. Depois dei uma passada no Rosenborg Slot (Palácio Rosenborg), que fica dentro do parque. Num simples atravessar de rua, saí do parque e entrei no Jardim Botânico. Lá tu escolhe uma trilha e te mete no meio de um monte de plantas diferentes e coloridas. Tem uns bichos também, mas mosquitos não. Lá também tem um sorvete de chocolate fantástico - fica atrás da estufa de plantas.


Dinamarquesa lê um livro em cima de uma espécie de bonsai gigante no King´s Park

 

Rosenborg Slot

   No caminho de volta pra estação de trem, onde tinha deixado meu mochilão, dei uma volta pelo “centrão” de Copenhague e tive que parar pra apreciar os artistas de rua. Não que os daqui sejam ruins, mas os de lá são diferentes. Aqui, em qualquer capital, tu encontra dois nordestinos improvisando alguma música, umas estátuas prateadas e um velhinho fazendo embaixadinhas. Agora, em quantos lugares do mundo, tu encontra sujeitos tocando esses instrumentos?

Com a grana que eles ganharam aquele dia, eu podia mochilar mais um mês pela Europa.
 
   Pronto pra encarar quatro quilômetros de mochilão nas costas até a casa da Anna Sofie, me permiti mais uma parada estratégica. Sentei no cordão da calçada, devorei outros dois cachorros-quentes e assisti a outro show de jazz. Esses pequenos momentos valem ouro.


UM MUNDO QUE FUNCIONA

   Cheguei no alojamento estudantil da Faculdade de Medicina de Copenhague, onde minha hostess reside, podre de cansado. Meus pés estavam estourando em bolhas sobre bolhas, eu suava muito (pois o frio da manhã havia se ido há tempos) e eu ainda tinha de descobrir qual era o apartamento dela. Depois de algumas tentativas e umas conversas com alguns colegas de faculdade, consegui.
   A Anna é muito gente boa. Já viajou o mundo todo. Conhece desde o Brasil até a Indonésia, e neste momento deve de estar em algum lugar da África fazendo voluntariado pela faculdade. Conversamos de tudo um pouco, mas especialmente sobre o sistema político-econômico dinamarquês. Assim como em outros países europeus, os impostos são altíssimos, mas o retorno à população também. Ela, por exemplo, não paga pela faculdade de Medicina, nem pelo alojamento dela (que é um apartamento de um quarto, com sala e banheiro – só a cozinha é compartilhada). Ainda por cima, recebe uma bolsa equivalente a 500 euros do governo pra se manter e com essa grana ela se pagou a viagem e a estada na África.


Anna e Ger

   Dormi feito um anjo aquela noite. Poucas vezes bati tanta perna numa cidade como aquele dia em Copenhague, mas sabia que meu dia seguinte havia de ser parecido. Afinal, eu ia pro paraíso; digo, Suécia. Na manhã seguinte, despedidas feitas, calcei minhas havaianas – pois meus pés não suportariam mais um dia de tênis – e tomei meu rumo para Malmö.


É BOM TU SABER

   Jazz é muito massa! Demorei pra aprender, é verdade. Precisei ir pra Dinamarca pra dar razão à minha colega de faculdade que eu tanto contrariei no tempo que morei em Pittsburgh, EUA. Não tem como não se emocionar com solos de trompetes e saxofones e, especialmente, com a capacidade de improvisação dos artistas fodões. Se, num primeiro instante, ouvir este estilo musical (pai do rock n´roll) te parece “música de elevador”, certamente é porque tu nunca viu uma apresentação ao vivo. Jazz não é o tipo da música que tu tira o pé do chão e fica pronunciando ditongos e tritongos por intermináveis minutos; mas, ainda assim, o jazz te eleva. Eleva e a tua alma fica leve.