domingo, 31 de julho de 2011

NO CORAÇÃO DA DELL

   Ressuscito o blog com um post escrito há cerca de um ano atrás, em 23 de Julho de 2010.


   Até que o convite para passar alguns dias na matriz da Dell, em Round Rock, nos EUA, não foi algo tão surpeendente assim. Minha chefe, a Shannon, já havia comentado que queria fazer isso cedo ou tarde para que o resto da minha equipe me conhecesse, já que sou o único brasileiro lá. O que eu não esperava era, aos 23 anos,  já receber tamanha oportunidade. Na agenda pra minha semana lá, além da integração com a equipe americana e minha colega da Malásia, tinha reunião que não acabava mais, almoço com altos executivos e até trabalho voluntário.
   Com um suado visto de negócios em mãos, me mandei pro Texas numa fria tarde de inverno portoalegrense. Vegetei umas longas horas em São Paulo e dormi muito até Houston e depois Austin – que é colada a Round Rock.

PRIMEIROS DESAFIOS
   O primeiro grande desafio estava pra começar – e não tinha necessariamente a ver com meu cargo de Analista de Projetos. Meu primeiro teste em solo americano era pegar o carro que eu tinha reservado e chegar até o meu hotel. No balcão da empresa, a primeira supresa: taxa extra diária por eu ter menos de 25 anos. A segunda, foi a atendente não saber me explicar como funcionava o GPS que, ao menos teoricamente, ia ser meu melhor amigo nos próximos dias. A terceira e última foi quando me ofereceram um Mustang por apenas 20 dólares a mais por dia. A tentação foi grande, mas o fato é que se eu batesse meu carro, eu estaria batendo um Mustang. Se eu pegasse o carro antes reservado, um menor e mais barato, seria um “mísero” Versa, da Nissan. Fui conservador e economizei a grana.
   Eu já tinha tomado umas aulas de como dirigir um carro automático com meu pai antes de sair do Brasil, então este choque cultural foi fácil de superar. Difícil foi me acostumar a andar à, no mínimo, 90 km/h nas auto-estradas. Aliás, se tu anda nessa velocidade, é bom tu ficar na pista da direita. Americanos vão até 140 km/h sem titubear. Com o passar dos dias, até cheguei nuns  110 km/h, mas nada além. Pra mim, um mero mortal, é difícil dirigir naquela velocidade, cuidar todos os carros que passam voando pelos retrovisores, tentar admirar a paisagem de concreto e sem-graça da cidade e ouvir as direções furadas que o GPS dava.
   Pra minha surpresa, não errei o caminho nenhuma vez e, sem muito esforço, achei meu pra-lá-de-confortável hotel. Eu não esperava tanto pra um funcionário terceirizado. Nem na minha casa tem uma tevê tão balaqueira e cama tão fofinha.

Apartamento digno

   Depois de um merecido banho, fui atrás dos famosos outlets das redondezas (todos brasileiros recomendam este lugar). Meu GPS até que me levou até lá direitinho. Almocei na hora do lanche, olhei as lojas, achei tudo muito caro e, umas duas horas depois, já estava voltando pro hotel, pensando na hora que iria dormir pra recuperar minha noite anterior que passei no avião. Foi aí que o meu GPS resolveu avacalhar comigo. Não sei por que cargas da água, o maldito me mandou pegar uma saída depois da que eu deveria, de fato, ter pego. Resumo da história: entrei em um daqueles elevados monumentais que se vê nos filmes, há uns 40 metros de altura, sem lugar pra encostar o carro ou fazer retorno e andei por ele por algumas milhas; saí da cidade, paguei pedágio, pedi informação (furada) e, depois de uns 20 minutos, consegui começar a retornar. Acabava ali a minha relação de confiança com meu GPS.
   Muitos palavrões depois, cansado e de pança cheia do meu almoço-lanche (e agora também janta), vi meus seriados favoritos (em inglês!) até o sono vir de vez. Meu outro dia começaria cedo e sabe lá quanto tempo eu ia levar até conseguir chegar no trabalho com aquele GPS.

COMO GENTE GRANDE
   Amanheceu uma bela manhã de 28 graus. Tomei meu café em meio ao staff mexicano do hotel e, dando uma última chance pro GPS, fui em busca da Dell. Tinha de ser fácil, eu já tinha passado por ela antes, em meio às minhas perdições. As primeiras dicas do GPS fizeram sentido e fui indo. Eis que quando meu GPS disse “Siga duas milhas”, eu vi a Dell bem à minha direita. Shit! Resolvi ignorá-lo e seguir as placas dali em diante. Logo estava onde deveria estar.
   A matriz da Dell é tão grande que é chamada de campus. Além dos prédios e estacionamentos gigantescos, tem praça, quadra de vôlei e basquete, laguinho, restaurantes e etc. Enfim, é uma cidadela dentro de Round Rock.
   Conseguir autorização pra entrar no prédio foi meio chato. Por eu ser terceirizado, tive de conseguir autorizações e só podia andar acompanhado por algum funcionário da Dell. Isso no primeiro dia. Depois fiquei tão brother da tia da portaria que ela já tava me esperando com meu crachá de visitante e a porta aberta.

NO WAY YOU'RE GERMANO!
   Conhecer toda minha equipe foi legal. Ver o espanto dos que ainda não me conheciam ao descobrir que eu tinha idade pra ser filho deles também. Observar a alegria da minha chefe depois de seis meses sem me ver foi outra coisa tri boa. Para que eu aprendesse e pudesse entender muito mais sobre o meu trabalho, minha chefe de cara já disse que faria questão que eu participasse de todas as reuniões possíveis ao longo da minha estada, por mais que eu às vezes não entendesse nada, só pra eu ir aprendendo não só coisas específicas da Governança Corporativa, mas principalmente de jogo de cintura e postura.
   Fazer reuniões pessoalmente é totalmente diferente do que via teleconferência, é bom destacar. Assim, pela primera vez, pude pegar aquelas conversas pré e pós-reunião (que são, muitas vezes, mais válidas) do meu time.  Sem contar que estar fisicamente ali, do lado deles, facilita muito na hora de tirar alguma dúvida ou pegar alguma informação que está faltando. Quando se faz isso por internet pode levar horas, dias até.

   Naquela noite, fui na melhor hamburgueria da cidade segundo todos da minha equipe – o GPS sabia como chegar lá!  A unaminidade fez sentido.  Hambúrgueres respeistáveis, ecologicamente corretos, feitos na hora e deliciosos, batata-frita crocante e refrigerante à vontade por dez dólares. Comi feito um condenado. Quando farto, veio o gerente do lugar me pedir pra responder um questionário sobre minha satisfação quanto aos serviços oferecidos. Ao final, ganhei meio litro de milk-shake de chocolate. Minha noite estava completa!


   Enquanto eu fotografava a comida, alguns americanos neuróticos pediram pra eu parar de bater fotos. Vai que eu era um fotógrafo-bomba...

DIA DE BASEBALL
   Hablé con mis muchachos del hotel mientras tomaba mi desayuno e fuí al trabajo. Os mexicanos adoraram quando contei que eu curtia Chaves e Chapolim, mas eles já estão ficando americanizados demais. O seriado que eles mais curtem é George Lopez, um seriado americano bem mais-ou-menos onde os personagens são filhos de imigrantes mexicanos.
   No trabalho, já estávamos mais entrosados. As brincadeiras já pareciam mais naturais e as perguntas sobre o futebol e meu país eram constantes. As reuniões também foram mais proveitosas pra mim e minha reunião cara-a-cara com minha chefe num fast-food mexicano não poderia ter sido melhor! Ao que parece, estou muito bem encaminhado.
   Ao entardecer, de carona com a Vino (minha colega malaia) e o marido dela (que também estava nos EUA à trabalho), fui ao encontro da minha chefe e sua família pra um jogo de baseball do time local – o Round Rock Express. O estádio é patrocinado pela Dell e tem de tudo. Tu nem precisa ir lá pra assistir ao jogo. Tu pode ficar vendo televisão no bar, levar as crianças brincar no parquinho ou até mesmo tomar banho de piscina (sim, tem uma piscina dentro do estádio). Quase peguei a bola de um home-run (aquele lance em que o jogador rebate a bola pra fora do campo, em direção à torcida), mas antes que eu pudesse chegar perto da bola, fui surpreendido por uma horda de crianças e seus pais famigerados. Sendo assim, preferi continuar vivo.


Fachada do Estádio 

BOAS NOTÍCIAS
   Quarta-feira era um dia especial, afinal, pela primeira vez, eu ia coordenar presencialmente uma reunião. Eu tinha que mostrar pra uma equipe de Planejamento e outra de Governança Corporativa, que está apenas começando, como que eu usava as informações provenientes da primeira e transformava desta nova equipe de Governança terá de fazer daqui em diante. Eu suava frio. Havia umas quinze pessoais na sala, todos eram mais experientes do que eu e todos os olhares estavam voltados para mim. Mas meu nervosismo durou só até eu começar a falar. Eu gosto de falar em público e, depois de nove meses fazendo a mesma coisa na empresa, eu dominava tudo aquilo – até porque aqueles relatórios foram criados por mim. Pra tornar tudo mais fácil, a minha gerente fez questão de me auxiliar sempre que necessário. As perguntas que foram feitas não me complicaram e, depois que a reunião acabou, o gerente daquela equipe de  planejamento ainda veio sugerir que combinássemos uma outra reunião, pois ele queria mais detalhes sobre como eu usava as informações provenientes do time dele na nossa organização. Saí de lá feliz da vida!
   No fim do dia, a Shannon ainda reuniu todo mundo pra distribuir “prêmios” (bem-humorados) de como ela via cada um de nós. Teve quem ganhou como a “pessoa mais sincera”, “mais paciente”, “melhor senso de humor”, etc. O meu, como não poderia ser diferente, curioso que sou, ganhei o prêmio de “melhores perguntas” J. Também aproveitamos o momento para fazer o registro oficial do nosso time.

 Award

 Traci, Germano, Ching, Shannon, Marie, Susan, Vino e Mitch

OFF-SITE (AND ROUTINE)
   Na quinta-feira, pude conhecer mais um diretor da nossa organização. Ele não costumava ser muito simpático comigo nos emails que trocávamos, mas, pra minha surpresa, foi muito gente-boa pessoalmente. Depois almocei com toda equipe, pela segunda vez consecutiva, num restaurante mexicano e depois fomos fazer o tão esperado trabalho voluntário.
   Fomos a uma ONG que recebe doações de computadores. Ela recicla 80% do que recebe e reaproveita e revende os outros 20%. Nossa missão era desmontar computadores. Primeiro ouvimos uma longa e chata explicação sobre a importância de tirar todos os parafusos das máquinas e como separar peça por peça e, enfim, pudemos colocar a mão na massa. Detalhe: com equipamentos de segurança. Sim, as luvas reforçadas eram obrigatórias. Óculos e protetores faciais era opcionais. Foram praticamente três horas abrindo (e quebrando) computadores. A nossa diversão era ver quem encontrava a coisa mais bizarra dentro dos equipamentos. Algumas merecem destaque: brinquedos, bolachas, canetas, saco com porcas e parafusos e, como não poderia faltar, uma barata (morta). 

Constatei que computadores são pesados por conta da quantidade de parafusos que contêm

   Jantei um stromboli de pepperoni magnífico e ainda achei uns moletons tri barato numa GAP. Mas, pro dia não acabar tão tranqüilo assim, meu GPS me mandou pro mato de novo. Fui ouví-lo e errei o caminho. Por pouco não dei uma volta na zona rural de Round Rock.

É HORA DE DAR TCHAU
   Era sexta-feira, meu último dia em Round Rock, e eu nem tinha visto a semana passar. Fiz meu checkout no hotel, me despedi da mexicanada toda e fui pra Dell. Não tinha quase ninguém lá. Os funcionários da Dell agora devem (eu disse devem!) trabalhar de casa, ao menos (eu disse ao menos!) três vezes por semana, salvo algumas raras exceções. Naturalmente, todos escolhem sexta-feira como um desses dias. Desta forma, meu dia foi muito calmo. A parte mais movimentada, na verdade, foi o meu almoço, que foi com duas colegas de equipe, mais um gerente e aquele diretor que eu jurava ser antipático. Fomos a um restaurante italiano e tivemos boas conversas enquanto eu devorava um frango à parmegianna delicioso.

   A outra e última aventura do meu dia foi devolver o carro inteirinho no aeroporto, onde, na madrugada seguinte, eu pegaria meu vôo pra Pittsburgh. Seria o início das minhas férias. E chegar ao aeroporto não foi fácil, pois agora além do GPS do carro não ter certeza pra onde estava me levando, ele também não falava mais. Como assim? Simples assim: ele se recusou a falar comigo. Ou seja, eu tinha que dirigir a 110 km/h, cuidar os outros carros que surgiam de todas as pistas possíveis, cuidar a sinalização e, ainda por cima, ler as letrinhas miúdas que apareciam na telinha do GPS. Sofri, mas cheguei e entreguei o carro inteirinho. Isso mereceu uma foto!
Missão cumprida

   Agora, com muito tempo sobrando, em pleno aeroporto de Austin, ao escrever sobre esta primeira etapa da minha viagem, instantaneamente, minha cabeça começa novamente a pulsar e girar em alta freqüência. Se por um lado os maiores desafios desta aventura já passaram e, portanto, não haveria razão pra eu estar assim, por outro lado, minha ficha começa, enfim, a cair. Embora eu tenha plena noção do quão felizardo sou por estar vivendo tudo isso (mais uma experiência internacional com todas as despesas pagas, contato de terceiro grau com altos executivos da Dell e respeitados mundo afora e amadurecimento e aprendizado diferenciado in loco aos 23 anos de idade), o que eu talvez não tivesse compreendido até então é que isto está sendo, efetivamente, a realização de mais um pedacinho de um macro-objetivo e sonho: a construção de uma carreira de sucesso. Estes poucos dias em solo americano significaram muito mais que várias horas em sala de aula ou mesmo algumas semanas pendurado em teleconferências em Porto Alegre. Não tenho dúvidas que esta viagem ainda vai repercutir muito na minha vida.