domingo, 8 de novembro de 2009

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 7: ODENSE)

“Havia por ali um tipo de sorriso também diferente. Parecia imotivado, não era fruto de alguma conquista ou superação, era um fruir permanente da alegria de estar ali, vivo, existindo.” (Paulo Lima, editor da revista Trip, relatando sua primeira viagem à Indonésia)

   Quanto mais se vai ao norte da Alemanha, mais rural vai ficando a paisagem. Ao cruzar a fronteira com a Dinamarca, os campos tomam conta de vez, apenas dividindo a paisagem com os cata-ventos de energia eólica e com o mar, uma que outra vez, quando se vai de uma ilha pra outra.
   Apenas resolvi ir para Odense porque não tinha arranjado quem me hospedasse também no sábado em Copenhague. Assim, ia passar um dia nessa que é a terceira maior cidade da Dinamarca e no domingo ia pra capital. Três jovens ficaram de me hospedar. Segundo o perfil deles no CouchSurfing, eles moravam juntos desde pequenos – mas os detalhes que eu tinha sobre os três acabavam aí. Na véspera da minha viagem, eles me avisaram que eu teria de pegar um trem regional até a casa deles, pois eles moravam fora da cidade. Eu sabia que tinha alguma surpresa me esperando.


VIVA A SOCIEDADE ALTERNATIVA!

   Não deu outra. Desci numa estação de trem no meio do nada. Estavam lá apenas a Lea (uma das três pessoas com quem fiz contato no CouchSurfing), uma amiga dela, um carro velho e uma ventania digna de Dinamarca. Em dois minutos já estávamos na “casa” onde “eles” moravam. Na verdade, a “casa” é um sítio e “eles” são integrantes de uma comunidade alternativa.
   Segundo o fundador da comunidade (que eu fiz a bobagem de não anotar o nome), a comunidade começou com ele e sua esposa há mais ou menos vinte anos atrás. Eles eram do interior, porém como ela teve um câncer, eles tiveram que ir pra Odense tratar a doença dela. Assim, alugaram uma casinha fora da cidade para ter uma vida mais tranqüila e parecida com a que levavam até então. No hospital, eles conheceram outras pessoas que também estavam sofrendo e começaram a convidar essa gente a passar uns dias na zona rural com eles. Um dia, uma das pessoas perguntou se não poderia morar com eles lá, pois se sentiam bem naquele lugar e com eles como companhia. Assim começou a comunidade que hoje tem mais de 50 membros de toda a Europa.
   A comunidade é parcialmente adepta ao budismo, mas pra entrar nela basta ter boa vontade. O que eles buscam mesmo é a paz interior e o autoconhecimento. Todos vivem de forma simples, dividindo quase tudo. Cada um ajuda na comunidade naquilo que faz de melhor (uns limpam, outros cozinham e etc.). Poucos trabalham na cidade ou meramente vão pra lá pra fazer voluntariado.


Hoje a comunidade tem até piscina e jardim de inverno


STRAWBERRY FIELDS FOREVER

   Depois de ter ouvido essa história que resumi acima, não tive dúvida de que eu precisava passar todo o meu tempo na comunidade, conhecendo essa gente, sua cultura e aprendendo o máximo possível nas menos de 24 horas que iríamos dividir. E como valeu a pena!
   Além de mim, haviam várias outras pessoas hospedadas na comunidade. Muita gente de países vizinhos vai passar as férias na comunidade para relaxar e meditar. Cada uma delas, ao hospedar-se, fica em um “quarto de visitas”, que na verdade é uma espécie de container individual no meio do mato. Dentro dele, apenas o mínimo necessário: uma cama, um armário, uma cadeira e uma luminária. Todos, visitantes ou não, têm apenas isso nos quartos. O resto é de todos.


O meu quarto-container ficava no fim desta simpática calçada feita com pedrinhas de rio
 


Muito boa aquela cama!

   Tão logo larguei a minha mochila, me convidaram à colher os morangos, amoras e pitangas que iriam virar a geléia do dia seguinte. Bá, como essa atividade simples foi relaxante. Eu estava precisando disso mesmo. Depois fomos tomar café com outros integrantes da comunidade e ouvi a história de muitos deles – gente da Suécia, Alemanha, Itália e muito mais.


Morangos!
 
   Às 17:30, fui convidado por outros membros da comunidade a meditar com eles. Eu nunca tinha feito isso, porém fiquei tri afim de aprender. Ia ser uma meditada light, de vinte minutos ao todo. Depois de ter recebido umas breves instruções de uma senhora austríaca que estava ao meu lado, fechei os meus olhos e comecei minhas tentativas. Dois minutos e nada de eu esvaziar minha mente. Abri meus olhos e todos estavam na mais absoluta concentração, sem mover um músculo sequer. Minha vontade inicial foi gritar "Ronaldo!" com todas minhas forças, mas me controlei e voltei às minhas tentativas. Mais alguns instantes e quando estava chegando perto de algo que pudesse ser chamado de meditação, o chefe dos meditadores disse “Tá beleza! Vamos ver o vídeo agora”.
   O vídeo mostrava um guru jamaicano atendendo alguns fiéis na Índia. O cara era muito fodão. Ele nunca respondia as perguntas dos fiéis, mas fazia outras perguntas até que o próprio fiel descobrisse as suas próprias respostas. Quando eu crescer quero ser esperto como esse cara.
   Acabado o vídeo, veio o segundo tempo de meditação. Não sei se meditei, mas que eu, de alguma forma, esvaziei minha mente por uns instantes e a sensação foi muito legal.


Sala de Meditação
 
   Todos jantam juntos na comunidade e dividem três mesas gigantes. Eles conversam os mesmos assuntos que qualquer outra pessoa conversa, mas sempre tem algo diferente no ar. Eles (todos eles!) têm uma pureza e uma sinceridade naquilo que falam. Nada vem da boca pra fora. O sorriso está sempre estampado no rosto de cada um deles e eles sempre conseguem ver algo de positivo em toda situação que é abordada à mesa. Eu não sei se eu era digno de estar no meio de gente tão boa, mas me orgulho de ter vivido aquilo.
   Depois daquele inesquecível jantar, que foi bem tradicional com salsichas, pão integral, batatas e muita salada, fomos assistir um filme – é a Sessão de Sábado deles. Ninguém é obrigado a ir a nenhuma atividade da comunidade, mas todos fazem questão de estar presentes. Dá gosto de estar na companhia deles. O filme era uma comédia bobinha americana, só pra relaxar mesmo.


HIPPIE, PUNK, RAJNEESH

   Pra acabar bem a noite – muito embora estivesse recém anoitecendo, e já eram 23:00 – fui tomar um chá com o pessoal mais da minha faixa etária da comunidade. Eles são, ao todo, cinco. Os jovens estudam lá mesmo e para entrar na faculdade precisam fazer uma prova de validação de conhecimento. Dizem que o pessoal da comunidade tem uma das melhores médias dinamarquesas.
   Além de mim e dos jovens da comunidade, tinha uma sueca e um alemão passando uns tempos lá, então o grupo era bem multicultural e as conversas pra lá de divertidas. Eles me indicaram muitas bandas legais. Selecionei as duas que mais curti abaixo: a Nephew e a Gob Squad, ambas da Dinamarca.








   Quando o povo vai dormir, o silêncio impera de vez. A única coisa que quebra o silêncio é o vento frio (fazia uns 15 graus à noite, mais o vento) e o trem. Tirando isso, as quatro horas da mais completa escuridão que os dinamarqueses conseguem no verão são de pura paz. Sim, quatro horas. No inverno, são apenas quatro horas de dia.
   No dia seguinte, acordei cedo pra vagar pela comunidade sozinho. Explorei cada canto daquele simples paraíso. Antes de partir, comi croissants com a geléia feita das frutas que havia colhido no dia anterior. Aquilo também teve um gosto especial. Depois dei uns 50 abraços de despedida em todo o povo da comunidade, que insistiu pra eu passar lá de novo um dia, e peguei meu trem pra Copenhague.



Bucolismo escandinavo


É BOM TU SABER

   Um mochilão não precisa ter tudo planejado. Acabei me decidindo por Odense uns dias antes de viajar. A flexibilidade que esse modo de viagem te permite não é apenas algo encantador pela sua própria essência de liberdade como também pode te propiciar experiências jamais imaginadas. Quem diria que um dia eu iria me sentir tão integrado à uma sociedade alternativa semi-budista na zona rural da Dinamarca?! Hoje acredito que minha viagem não teria sido completa sem esse tipo de vivência. Acho que comecei a me tornar um mochileiro de verdade naquele dia, quando decidi trocar a chance de visitar uma cidade para conhecer um pouco mais sobre mim mesmo.

 
Nota do Ger: Resolvi fazer meu relato da Dinamarca em duas partes pra poder colocar mais detalhes nos posts. O próximo, se tudo der certo, sai fim-de-semana que vem.

domingo, 18 de outubro de 2009

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 6: HAMBURGO)

“Como a maioria dos viajantes, eu vi mais do que eu lembro, e lembro mais do que eu vi.” (Benjamin Disraeli)

   Cheguei à estação de trem de Hamburgo tarde da noite e com vinte minutos de atraso. De lá, enfrentei outros vinte minutos de metrô e, enfim, cheguei na estação onde minha hostess estaria me esperando. Firme, sob um vento frio e uma fina garoa, lá estava a Antje (pronuncia-se “Ântîe”).
   Hamburgo é uma cidade com mais de 1,7 milhões de habitantes (contando a região metropolitana são mais de 4 milhões) e é assustadoramente extensa. São mais de 100km de metrô, que vai do centro da cidade até qualquer canto dela. A Antje morava quase no fim de uma das linhas, num bairro residencial pra lá de tranqüilo. Faminto e podre de cansado de tanto andar por Duisburgo horas atrás, entrei no carro (que devia ter a minha idade) e fomos pra casa.


Ger e Antje


SHIT HAPPENS

   Toda gentil, a Antje deixou que eu assaltasse a geladeira dela e preparasse uma torrada de salame e cheddar. Até aí tudo bem, não fosse a minha imbecilidade misturada à minha exaustão. Os pães custaram a entrar na torradeira (que era daquelas que os pães saltam quando prontos). Acabei por socá-los torradeira adentro e esperei que eles saltassem de volta enquanto ficava de papo com a Antje. Passou um tempo e nada dos meus pães retornarem. Quando o cheiro de queimado começou, desliguei correndo a torradeira e tentei, sem sucesso, puxar a torrada de volta. Eu, boca-aberta, não suspeitei, em momento algum, que os pães deveriam ser torrados sem recheio algum, uma fatia do lado da outra – e não como um sanduíche, da mesma forma que costumo fazer no Brasil. Resultado: o pão ficou queimado e quebrado, o queijo se espalhou por toda parte interna da torradeira e tive de pescar pedaço por pedaço lá dentro com uma faca. É, merdas acontecem.
   Passado o fatídico acidente, entramos a madrugada nuns papos-cabeça. Como ela é terapeuta ocupacional, pude ouvir alguns casos de crianças e adolescentes hiperativos que já passaram por ela e entender um pouco mais alguns ex-alunos meus que sofriam desse mal, e algumas variações. Também adorei ouvir as aventuras do tempo que ela morou na Austrália e do mochilão que fez por lá antes de ir embora.
   Não sei exatamente que horas fui dormir, mas lembro que acordei às 9:00 do dia seguinte. Lá fora rolava água, a Antje tinha ido trabalhar de bicicleta e me deixado umas instruções pra eu conseguir chegar à estação de metrô mais próxima. Tentei me enrolar o máximo possível pra sair de casa, na esperança que a chuva passasse, mas não teve jeito, tive de encará-la.
   Depois de muito andar a pé e de metrô, cheguei à Rathaus (prefeitura). O lugar é tri imponente: são 647 aposentos e muita história naquele lugar. Dizem as más línguas que a prefeitura nunca foi destruída durante os bombardeios na Segunda Guerra Mundial porque até os inimigos a achavam maravilhosa – e que a única bomba que, “por acaso”, caiu lá milagrosamente não explodiu).


Hall da prefeitura


Chafariz no "quintal" da prefeitura
 
   Fiz uma visita guiada pelo local e, de fato, aquela prefeitura é de se tirar o chapéu. O luxo está por toda parte e não é difícil se perder lá dentro. Tanto andamos que uma hora resolvi sentar na única cadeira que tinha num aposento qualquer. Pensei: “Hum... Sou um cara de sorte: uma cadeira só pra mim. Ela tá velhinha, mas serve”. Larguei meu bundão naquela cadeira, me espreguicei e antes que eu terminasse meu doce bocejo, a guia, com os cabelos em pé, gritou:

- Não senta aí, guri!! Essa cadeira foi de Fulano de Tal e tem mais de 100 anos!

Mijado por uma mulher da idade da cadeira e morrendo de vergonha (mas ainda vivo), consegui acabar o meu passeio pela prefeitura sem ser expulso.


Um dos 647 aposentos da prefeitura
 


Guia (que quase me espancou) mostra outro aposento



Um dos primeiros vereadores de Hamburgo foi um poodle
 

   Ainda antes de sair da prefeitura, vi que havia umas fotos expostas num mural, no canto do salão principal da prefeitura. Fui averiguar. Os carinhas das fotos eram nada mais nada menos que terroristas procurados. Sim, igual nos filmes de faroeste, vejam vocês!


Wanted
 
   Almocei no Rathausmarkt (Mercado da Prefeitura), que, não por acaso, fica na frente da prefeitura. Ali só tem comida típica alemã para turistas bobos (ou famintos como eu) dispostos a torrar euros por comida quentinha. Foram (sangrentos) 7 euros por um típico cachorro-quente gigante e um copo de Coca-Cola. Mas tava bom!

7 euros!!
 


Rathausmarkt
 
   De lá, andei na beira do rio Elbe, que corta o centro da cidade, e vaguei por entre esquinas e igrejas que sobreviveram à guerra. Guerra que, aliás, ainda tem sutis marcas presentes no dia a dia dos hamburgers (sim, em alemão, quem nasce em Hamburgo é hamburger – não é o máximo?!). Vira e mexe, enquanto se está andando pelas ruas da cidade, aparece algum resquício da guerra, como meros monumentos em homenagem aos mortos ou estátuas semi-destruídas. Dentro das igrejas também o que mais se vê são imagens que remetem às barbáries de Hitler e seus massacres.


 
 
Marcas da Segunda Guerra
 



Centro de Hamburgo


LONG JOHN SILVER ALEMÃO


   Mais pro meio da tarde, fui conhecer o famoso Porto de Hamburgo, em St. Pauli (o bairro dos piratas). O porto é terceiro maior da Europa em tamanho e o segundo em movimentação de containeres. E o que impressiona lá, muito mais que o fluxo de barcos e as dimensões do lugar, são as pessoas com cara de mau e jeitão de pirata. Coisa mais massa! De meter medo mesmo!
   Eu tentei me segurar o máximo possível pra fotografar essas pessoas bêbadas, mal vestidas e de voz rouca. Consegui me controlar até passar por um boteco onde estava um sujeito com camisa rasgada e listrada em branco e vermelho, barba negra, boina e uma cara sinistra bebendo uma daquelas garrafinhas de uísque que vem com uma dose só. Pra ele ser um pirata completo só faltava o olho de vidro, a perna de pau e o papagaio no ombro. Eu tinha que fotografar aquilo. No que apontei a câmera pro meu pirata, ele agarrou aquela garrafinha e a arremessou na minha direção. A garrafa quebrou a uns dois metros antes dos meus pés e achei que era melhor não fotografar o infeliz que praguejava contra mim em alemão.


Seria um barco pirata?


Porto de Hamburgo

   Pra encerrar aquele dia, fui ao bairro Rotherbaum, pertinho do centro, onde fica o maior parque da cidade, as embaixadas e os ricaços. Por conta da chuva, ninguém estava lá. Eu era o dono do parque. Comigo, apenas os patos.


Dono do parque



Patos alinhados
 

NA BA-LA-DA

   À tardinha, a Antje me pegou na estação de metrô e fomos direto pra uma festa. Era aniversário de uma colega de trabalho dela e a festança, com comida e bebida liberada, começaria cedo, às 19:30.
   O que eu achei legal da festa é que todo mundo ajuda com alguma coisa. Além daquilo que a aniversariante ofereceu de comida e bebida, cada um levou um pouquinho de casa também. Outra coisa interessante é que quase todos, inclusive a Antje e eu, chegaram antes do horário oficial da festa pra ajudar com os preparativos.
   A festa em si foi mais ou menos. A comida era boa e típica (lingüiça, pão, salada de batata, salada normal e um pouco de massa). Pra beber, tinha desde cerveja até chá e café. Pra “animar”, tinha um protótipo de DJ que não agradou nem a aniversariante. O cara falou sozinho a festa inteira e colocava reggaeton pra tocar.
   Conversei com várias pessoas lá, mas foi difícil. Muitos tinham uma noção de inglês, mas aos poucos começavam a falar alemão e logo estavam simplesmente falando alemão – jurando estar falando inglês. Ainda assim, não pude deixar de tirar sarro de vários torcedores do Hamburgo, uma vez que o Grêmio foi campeão do mundo vencendo eles, em 1983. Acho que a minha conversa mais engraçada foi com o avô da aniversariante, que era meio gagá, deduzo.

Ger: Depois de Hamburgo eu vou pra Dinamarca. O senhor já foi pra lá?
Velhinho: A Dinamarca é legalzinha, mas linda é a Noruega. Já fui lá três vezes. A última viagem, há 12 anos, durou 2 meses e levei toda a família.
Ger: Bá, que tri! Dizem que a natureza de lá é fantástica mesmo...
Velhinho: Já fui três vezes pra lá.
Ger: Que lugares tu me indicaria?
Velhinho: Da última vez que fui pra lá, fiquei dois meses. Três vezes. Já fui três vezes pra Noruega.
Ger: ...
Velhinho: A Noruega é muito bonita.
Ger: ...
Velhinho: Já fui três pra Noruega. É muito bonito lá!

   A festa, pros padrões alemães, foi longe. Saímos à 1:00 e mais da metade dos convidados ainda estavam por lá. Ficamos um tempo considerável ainda acordados em casa. Dormi umas poucas horas e, na manhã seguinte, tomei meu rumo pra Dinamarca – e não pra Noruega.


É BOM TU SABER


   Os alemães são, de uma forma geral, muito respeitosos e reservados. Quando etilicamente alterados, parecem brasileiros sóbrios ou, no máximo, semi-despudorados. Mas, independentemente do seu nível de álcool no sangue, tem comportamento invejável. Durante todo o tempo em que andei no metrô em Hamburgo, por exemplo, nunca vi alguém sem passagem – muito embora não haja catraca para andar no mesmo – e os fiscais são raríssimos! Outra coisa, ainda sobre beber: nenhum dos que beberam na festa ia voltar dirigindo. As punições pra quem bebe e dirige lá não só são pesadas, como também funcionam.

sábado, 10 de outubro de 2009

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 5: AMSTERDÃ E DUISBURGO)

"A alegria da vida vem dos nossos encontros com novas experiências, e, portanto, não há maior alegria do que um horizonte em constante mudança, para cada dia ter um sol novo e diferente. Se você quer mais da sua vida (...) você deve perder sua inclinação à segurança monótona e adotar um estilo de vida tobogã, que num primeiro momento vai parecer maluco. Mas tão logo você se acostumar a tal modo de vida, verá o seu significado por inteiro e sua magnífica beleza". (Christopher J. McCandless, em carta enviada para seu amigo Ron. Esta história virou o filme Into the Wild (Na Natureza Selvagem), o qual altamente recomendo).

   Aquelas quarto horas de trem entre Bruges e Amsterdã foram as mais tristes da minha estada na Europa. Eu queria ter ficado mais tempo na Bélgica, mas já tinha arrumado lugar pra ficar em Amsterdã. Além do mais, eu não podia estacionar em um lugar e desviar do meu sonho. O mundo seguia girando e eu precisava me lembrar disso.

   Cheguei em Amsterdã sob chuva. A estação, assim como a cidade, fervia de turistas por todos os lados. As placas da cidade, como era de se presumir, eram em holandês e isso não facilita nem um pouco a vida dos turistas. Pior: muitas palavras holandesas são absurdamente compridas e parecidas, fato que confunde ainda mais os visitantes. A seguir, com o auxílio da Nastasia, demonstro o que quero dizer com o exemplo mais extremo possível: a maior palavra do holandês.


33 letras e nenhum significado
 

NÃO ME SEGUE QUE EU TÔ PERDIDO

   O meu roteiro por Amsterdã ia ser fácil, de acordo com o meu mapa. Logo achei as primeiras ruas que procurava e comecei minha saga. O problema é que o mapa do meu guia mostrava apenas as ruas principais da cidade, e Amsterdã é cheia de ruelas e becos. Não teve jeito, em dois toques eu estava perdido em algum lugar do Red Light District (o bairro onde as prostitutas posam nas vitrines e os maconheiros se reúnem). Um tanto quanto assustado, vaguei muito tempo por lá, em meio a muita gente chapada e ciclistas barbeiros.
   Cada vez que eu parava pra pedir informação, os holandeses (que até falam um inglês bem legal) me indicavam um caminho diferente. Sem querer, fui parar no meio da China Town holandesa, a parte mais suja e fedida da cidade. Andei mais um pouco e, por acaso, me achei: estava no Nieuwmarktrellen – que o meu guia dava como um dos lugares mais legais da cidade, mas que nada mais era que um conjunto de barzinhos e coffee shops (lugares onde se vende maconha). Em todo caso, como era um ponto turístico, resolvi que iria bater minhas primeiras fotografias na cidade. Pra completar minha maré de azar, minha câmera estava sem bateria ¬¬.


MURPHY IN LOCO

   Puto da cara, resolvi almoçar. Depois de ter visto aquelas coisas horrendas de China Town e botecos pra lá de suspeitos no Red Light District, achei que merecia um hambúrguer padronizado do Burger King. Ali, pra confirmar o meu dia errado, meu cartão de crédito não funcionou. O atendente era brasileiro, mas não falei português com ele. Eu estava muito azedo pra isso. Descobri que ele era do Brasil justo quando o meu cartão foi recusado:

- Cardi... O cardi no gudi. No gudi!

   Haja saco! Estava chovendo, meu cartão de crédito era rejeitado, meu mapa era limitado e eu, ironicamente, me encontrava perdido. Gastei algumas parcas notas de euro e afundei minhas mágoas num hambúrguer delicioso e em algumas das melhores batatas-fritas da minha vida – na Holanda, Alemanha e Áustria fazem as melhores batatinhas do mundo! Acabado o almoço, fui no banheiro. Adivinha? Cobravam cinqüenta centavos pelo banheiro. Paguei.
   Indignado, segui meu caminho para os outros lugares que queria conhecer. Novamente surgiram muitas ruas que não apareciam no mapa, recebi umas informações confusas e, quando dei por mim, estava perdido. Entrei numa igreja pra olhar meu mapa com mais calma e pedir uma luz divina (igrejas são os melhores lugares pra se mexer na carteira ou não dar tão na cara que tu é mochileiro, pois ninguém entra nelas!). A igreja Krijtberg era toda colorida por seus vitrais do século XVII. Um achado!
   Logo consegui me encontrar e, um pouco adiante, cheguei no Begijnhof, o lugar que eu tanto procurava. Befijnhof é um conjunto de casas tri antigas, bem bonitinhas, mas de acesso limitado depois das 17:00. Eram 17:15.
   Estava na hora de ir pra casa do casal que tinha ficado de me hospedar. Eles tinham parecido meio frios nos e-mails que trocamos. Sempre respondiam o necessário e nada além. Tentei ligar pra eles antes de ir até a casa deles, mas ninguém atendia meus telefonemas. Como achei que o problema era eu, peguei minha mochila na estação e fui até a casa deles, no meio do Red Light District. Eles moravam numa quadra residencial, à exceção do bordel que ficava na esquina. Toquei a campainha e nada. Bati na porta, falei com vizinhos e ninguém sabia dizer onde estava o casal. Esperei 40 minutos, até começar anoitecer. Daí a coisa começou a ficar sinistra... O bairro, reza a lenda, é controlado pela máfia e é cheio de batedores de carteira. Eu tinha comigo algumas centenas de euros, minha máquina fotográfica e a mochila. Nas ruas, seres suspeitos passavam a toda hora e eu não estava confortável com aquilo. Ainda me prestei a deixar um bilhete debaixo da porta da casa do casal e fui procurar um abrigo decente.
   Acabei ficando num hotel de um indiano (sempre eles!). Era o mesmo preço que os albergues, mas lá eu teria um quarto e um banheiro só pra mim. Ao checar meu e-mail, recebi uma mensagem do casal, dizendo que recém haviam lido meu bilhete e que não abriram a porta pra mim pois “estavam no banho”. Desiludido, enviei um e-mail revoltado pro Brasil, outro pra eles e fui dormir cedo.


AMANHÃ SERÁ UM LINDO DIA

   A princípio, eu só iria embora de Amsterdã para Hamburgo, na Alemanha, no meio da tarde. Porém, devido a minha maré de azar e revolta, resolvi antecipar a minha partida. Acordei às 8:30, tomei um café da manhã reforçado e antes das 10:00 peguei um trem pra Duisburgo, também na Alemanha. Foi a melhor decisão que eu poderia ter tomado.



Pra não acharem que eu não bati foto em Amsterdã

   Duisburgo fica na metade do caminho de trem pra Hamburgo. Eu nem sabia que a cidade existia, pra ser sincero. Ela não é turística, mas é muito bem preparada pra receber os turistas; logo do outro lado da rua da estação de trem existe um centro de informações turísticas muito moderno e com belas atendentes. A cidade, embora tenha quase meio milhão de habitantes, é pequena. Dá pra fazer tudo a pé. Grande parte da população trabalha em Düsseldorf ou Essen (que ficam a menos de uma hora de lá) e voltam pra casa no fim do dia.

   Como cheguei faminto, fui direto num dos dois imensos shoppings da cidade tirar a barriga da miséria. Comi um tal de Dönner-Teller muito bom! O prato se resume em alface, tomate, molho, batata frita hiper gostosa e carne – e foi o mesmo preço do Burger King do dia anterior. Todo mundo no restaurante achava o máximo eu não ser da Alemanha e queria conversar comigo. Virei atração entre os locais por alguns instantes.


Dönner-Teller

   Ainda antes de sair do shopping, fui no banheiro. Lá era “recomendado” que fosse “doado” 30 centavos de euro para quem limpava o lugar. Eu resolvi fazer um ato de caridade (pelo menos pra mim): livrei-me de todas as moedas quase sem valor que carregava. Dei 0,30 reais. 0,10 libras e 0,06 euros. Quando aquele monte de moedas tilintou, as mulheres da limpeza quase beijaram meus pés. Foi “Danke schön” pra tudo que era lado.
   O centro da cidade tem um calçadão onde carros são proibidos. Ali fica o único mendigo da cidade (que tem celular e sabe esmolar em inglês), as lojas populares, os shoppings e alguns dos monumentos mais recentes – pois quase todos os antigos foram destruídos na Segunda Guerra Mundial. Praticamente tudo foi reconstruído depois da guerra e tem brilho e cheirinho de novo.

Chafariz Oiseau Amoureux, no centro de Duisburgo



City Palais, um dos shoppings fodões da cidade
 
   O mapa que me forneceram da cidade era muito bom. Foi tri fácil me achar lá. Eu estava tão feliz que fui até conhecer a prefeitura. E valeu muito a pena! Descobri, ao acaso, o elevador mais esquisito e divertido do mundo! Ele é bastante rudimentar e, por isso, tem seu charme. Ele é de madeira, individual e contínuo, ou seja, tu tem de entrar e saltar fora na hora certa. Fiz um vídeo meia-boca que mostra como ele funciona.



   Mais tarde fui conhecer a Salvatorkirche (igreja enorme que sobreviveu à guerra) e a Karmelkirche (uma igreja toda moderninha com vitrais que parecem bolhas). Todo mundo me olhava com estranheza, como quem diz “O quê que esse mochileiro veio fazer aqui?!”. Eu tava adorando a cidade!


Salvatorkirche
 


Karmelkirche
 
   Andando na beira do rio Innenhafan, pode-se ver os modernos prédios comerciais e, contrastando com os mesmos, as ruínas de uma sinagoga que foi destruída na Segunda Guerra Mundial. A sensação de andar no meio dos destroços da sinagoga é esquisita e nada agradável. Felizmente, logo ao lado da sinagoga, construíram uma bela praça em homenagem aos judeus, dando vida ao local.


Ruínas da Sinagoga de Duisburgo
 

A inocência da criança e as paredes bombardeadas da sinagoga
 

   Antes de chegar ao Museu de Arte Moderna Küppersmühle, passei pela Legoland – parque de diversões da Lego. Ele não é muito grande, é frequentado por crianças e nerds e custa caro pra entrar. O museu, por sua vez, foi adaptado à uma antiga fábrica, na beira do rio. São três andares de quadros e esculturas muito interessantes. Por quatro euros, tu pode passar muitas horas naquele museu. Separei os quadros que mais me chamaram a atenção. Como eu não sabia o nome de nenhum deles, resolvi batizar alguns e comentar outros.

 

Sim, a girafa era de Lego e o meu sorriso foi forçado
 

Puro sangue


Tem quem se inspire com arte abstrata
 
 
Museu de Arte Moderna sem um quadro assim (leia-se um espelho) é incompleto
 


Peladões
 
   Perto das 18:00, peguei meu trem pra Hamburgo. Fiquei tri feliz de ter largado Amsterdã e ido pra Duisburgo. A cidade é encantadora, limpa e tem ares de cidade pequena. Dá gosto de andar por lá. Tudo funciona! As pessoas são tri receptivas e por mais que mal falem inglês tentam se comunicar contigo de alguma forma e te ajudar.
 

Trem pinga-pinga até Hamburgo. Entre um pingo e outro, viajávamos a 200km por hora
 

É BOM TU SABER (1)


   A Holanda não é um país ruim. Eu é que dei azar – muito azar! As ruas não são apenas dos maconheiros, mas também dos holandeses – inclusive, dizem que mais de 90% dos maconheiros de Amsterdã são turistas. Acho que se eu não tivesse tido experiências tão legais na Bélgica, não estivesse chovendo, meu mapa fosse melhor e eu não tivesse esquecido de carregar a bateria minha máquina fotográfica, eu teria amado Amsterdã.
   Também passei de trem por Roterdã e De Hague e ambas cidades me pareceram pra lá de interessantes. Enquanto Amsterdã é a capital do turismo, Roterdã, com seu gigantesco porto, é a capital financeira da Holanda , enquanto De Hague é a capital política do país – quem manda, está lá. Preciso voltar pra Holanda um dia desses.


É BOM TU SABER (2)



Einstein não morreu, só foi pra Duisburgo

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 4: BRUGES E DAMME)

“It has long been an axiom of mine that the little things are infinitely the most important.” (Sir Arthur Conan Doyle, (Sherlock Holmes) A Case of Identity, 1892)

   Foi fácil aprender a pegar trem. Viajar de trem é melhor ainda e o difícil é abrir mão deles quando se está de volta ao Brasil. Trens te levam a qualquer canto na Europa e, na imensa maioria das vezes, são eficientes e te proporcionam uma experiência, não apenas uma viagem. Depois de um trem que viajava a 300km/h de Paris à Bruxelas e outro que parava a cada quinze minutos, cheguei à pequena e charmosa Bruges.
   Ainda no Brasil, quando fui procurar alguém que me hospedasse em Bruges, logo dei de cara com o perfil da Nastasia e torci que ela aceitasse meu pedido. Ela se apresentava assim: “I'm weird and I'm proud of it!” (“Sou esquisita e tenho orgulho disso!”). Isso já me era motivo suficiente pra querer ir pra lá.
   A Nastasia estava me esperando na estação, como combinado. Levamos cerca de oito segundos para passarmos de conhecidos virtuais a amigos de longa data. Ela se propôs passar o tempo todo comigo, já que estava de férias, e a partir daquele momento tive meus dias mais faceiros em território europeu.
   Bruges, a primeira vista, parece uma cidade européia normal. Porém tudo muda quando se adentra no centro histórico da cidade. Parece que o cara retorna séculos no tempo. Os carros dão lugar às carroças e as bicicletas, os prédios mais novos são do tempo do meu bisavô e aquela sensação gostosa de nostalgia de um tempo que tu não viveu toma conta do teu ser.


Prefeitura de Bruges


   A cidade, com origens no Império Romano, tem uma vida pacata, mas não monótona – bem do jeito que eu gosto. Quando passamos pela antiga vizinhança da Nastasia, ela gritou o nome de um velhinho e ele surgiu na janela pra conversar. Sim, também nas pequenas cidades da Europa ainda se pára pra conversar. Essas coisas simples me encantam!


SIMPLESMENTE

   Paramos em uma ponte sobre o reitjes (não é rio nem canal, é reitjes!) para conversar uns instantes. É totalmente estranha a sensação de tu, aleatoriamente, conhecer uma pessoa que compartilhe de forma tão similar várias filosofias de vida. Quase não acreditei quando ouvi da boca da Nastasia que ela também era adepta da idéia de ser possível embriagar-se de virtude e poesia, e não apenas de vinho. Idéias como aquela e a ingenuidade associada à espontaneidade com que ela agia eram algo fora do comum.
   Aliás, aquela ponte ali nos oportunizou vários outros momentos inesquecíveis. Certo momento, passou um barco cheio de turistas sob a ponte...

Ger: Quer ver como tu não tem maldade alguma? Qual é a primeira coisa que te vem na cabeça quando tu vê esse barco passando debaixo da gente?
Nastasia: Eu penso em abanar pros turistas.
Ger: Viu! Brasileiro pensa em cuspir neles!



Ger, Nastasia e o reitjes

   Por fim, naquela mesma ponte, quase virei celebridade na Bélgica: fui entrevistado pela televisão local (e em inglês!). A repórter esperou tirarem uma fotografia nossa (vejam como ela estava decidida a falar especificamente comigo) e, enfim, perguntou o que o glamour significava pra mim. Eu simplesmente respondi que não significava nada. Rimos, mas a repórter quis uma resposta mais elaborada, daí falei um blábláblá tão horrível que duvido que me colocaram no ar.


O SEGREDO

   Minha tarde continuou maravilhosa. A Nastasia me levou pra vários lugares simples que não atraem muitos turistas. Destaco a biblioteca municipal (onde, além de livros, há CDs e filmes pra alugar de graça), um mosteiro com umas esculturas de querubins, as ruelas onde artistas alternativos se apresentam.






E o som era massa!


  Por fim, fomos na melhor sorveteria do mundo, a Da Vinci. Eu esperava tomar o sorvete lá mesmo, mas ela teve uma idéia melhor:

- Vou te mostrar um lugar secreto daqui de Bruges. Eu vou lá desde pequena. Tu vai gostar.

  Em dois minutos não estávamos mais no meio dos turistas que se empurram pelas estreitas ruas da cidade, mas numa praça modesta, pequenina e deserta. Dava até pra ouvir os passarinhos cantando. Foi o melhor sorvete da minha vida.
   À tardinha, fomos pra casa dela, que fica num bairro residencial, longe do centro. A Nastasia vive com a mãe, dois irmãos mais novos (o mais velho deles detona no violão!), três gatos, dois ratos e o Kazam, o labrador obediente. Fui tri bem recebido por todos e, durante todo o tempo que estive por lá, me senti parte da família. Jantamos no quintal na casa, num entardecer delicioso.


ENCHARCADOS. E DAÍ?

   Começamos o dia seguinte pelos moinhos de vento que beiram o reitjes. Eles estão desativados, mas abertos para visitação. Depois andamos por ruas quase desertas até chegarmos às igrejas mais famosas da cidade (incluindo uma que tem o Sangue de Cristo, acredite se quiser).


Moinho de vento



Bruges é naturalmente bela


   Entre uma atração e outra, inevitavelmente tomávamos banho de chuva – as chuvas belgas são pra lá de traiçoeiras –, ao menos a Nastasia conhecia as melhores lojas de chocolate para nos abrigarmos. Ainda assim, tinham aqueles que não se importavam com a chuva.


Losers: turistas chegam a pagar 35 euros por hora pra andar nessas geringonças.


   Pertinho do meio dia, subimos o campanário de Bruges, o Belfort, para termos uma vista panorâmica da cidade, apesar da chuva. Valeu a pena escalar os 366 degraus! Não só pude ter uma noção da dimensão da cidade, como pude (e ainda posso) ouvir o sonoro badalar do meio-dia dos 47 sinos que lá existem.


Belfort



Vista panorâmica de Bruges


   Pegamos nosso almoço (já na hora do lanche da tarde) na, dita, famosa Barraquinha da Mulher Louca dos Waffles, mas fomos comer no “lugar secreto” de novo. Mais tarde fomos ao parque principal da cidade, onde quase apanhei da Nastasia por chamar os cisnes de patos. Não só quase apanhei por minha ignorância, porém também porque Gante, a cidade rival de Bruges, é famosa por seus patos, enquanto Bruges se orgulha por seus cisnes. Vai entender...



UNFORGETTABLE

   Depois do jantar, que é sempre servido cedinho, a mãe da Nastasia fez questão de nos levar à Damme, um distrito há seis quilômetros de Bruges. O lugar se resume a umas dez quadras, onde só vive gente rica. Como chegamos lá perto das oito da noite, não tinha quase ninguém na rua, éramos donos do lugar.
   Começamos o passeio visitando as ruínas de uma igreja e o seu cemitério, mas subitamente tivemos de mudar de planos devido a um enxame de abelhas. Acabamos então dando uma volta num bosque, cheio de coelhos e aves diferentes, que ficava ali perto. O lugar era muito lindo e tive que pedir que a Nastasia tirasse umas fotos minhas. Ali ela me ensinou sua técnica nada ortodoxa de fotos espontâneas. O resultado foi bem tri.


Espontâneo


   Voltamos a pé para casa, em meio a uma das paisagens mais bonitas que já estive. Cerca da metade do caminho que fizemos era uma estrada em linha reta, com alguns desenhos pitorescos, coberta por árvores entortadas pelo vento, fazendo com que um túnel se formasse. Além de nós, apenas as vacas na beira do caminho – vacas com as quais a Nastasia se comunicava com invejável fluência. Aliás, outra vaca muito legal que encontramos no caminho tinha um smile “estampado” no seu lombo.



Damme



Detalhe na atenção das vacas.
 


Smile naturalmente "estampado" no lombo da vaca.


   Levamos um tempão pra fazer os seis quilômetros. O lugar era muito lindo e merecia ser degustado com vagar. Ainda antes de chegarmos em casa, depois de mais um banho de chuva, consegui mais uma fita de isolamento pra minha coleção - para quem não sabe, coleciono fitas de isolamento e já tenho de vários países :). Acabei motivando a Nastasia a começar uma coleção alternativa também. 


Fora-da-lei


EVERY TIME I SAY GOOD-BYE


   A despedida no dia seguinte foi a mais difícil de todas. Eu tinha sido muito bem acolhido pela família. Eu nem queria ir embora, na verdade. Eles até insistiram que eu ficasse mais uns dias, mas a viagem tinha de prosseguir e Amsterdã me aguardava. Na estação de trem, meu abraço na Nastasia foi demorado e melancólico, embora tenha sido um definitivo "até breve".
   Uma das coisas mais maravilhosas de uma viagem é essa possibilidade de tu conhecer pessoas tão fantásticas como as que conheci. Jamais poderia imaginar que dentre todas as pessoas que poderiam ter me hospedado, eu acabaria por escolher uma que tivesse tanto a ver comigo. Na verdade, a Nastasia não era esquisita; ela era estranhamente autêntica – como todo mundo deveria ser. Se a minha viagem acabasse ali, já teria valido a pena.


É BOM TU SABER

   A Bélgica parece um país perfeito! Embora não seja muito famoso, é um dos que mais me identifiquei. A população é muito amistosa, prestativa e inteligente. Todos falam holandês ou francês (dependendo se moram no norte ou do sul do país, respectivamente) e têm ótimo conhecimento de inglês. Os mais jovens são fluentes no idioma. Os impostos são altíssimos, mas o retorno é na mesma proporção. Quase não existem diferenças sociais e eu não vi nenhum andarilho por lá. O crime mais freqüente em Bruges, por exemplo, é roubo de bicicleta – isso porque as pessoas as deixam do lado de fora de casa, e muitas vezes sem cadeado. Sustentabilidade e interdependência são conceitos banais entre os jovens e o governo dá incentivos fiscais a todas as pessoas que adotam meios alternativos de geração de energia (como colocar painéis solares nos tetos das casas). E aí, vamos de mudança pra Bélgica?
 

Bruges é tão tri que tem até van do Pink Floyd lá!