domingo, 9 de maio de 2010

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 14: FLORENÇA, PISA E LUCCA)

“Acordar um tanto quanto só numa cidade desconhecida é uma das sensações mais agradáveis do mundo." (Freya Stark, escritora inglesa)

   Amanheci em Florença, Itália. Todavia, meu trem não parava na estação principal – pelo contrário, parava numa estação há cerca de 3km dela e do centro da cidade. Refiz meus curativos nos pés detonados de tanto andar e, sem mapa, fui em busca do centro de Florença. O legal daquela estação estar longe do centro é que ela fica num bairro residencial e não turístico de Florença. Assim, tirando o estádio do Fiorentina, tudo era totalmente desconhecido. As construções antigas e os trabalhadores acordando pra ir pro seu trabalho davam a impressão de que eu estava numa cidade pequena e comum. E como eram 6:30 quando cheguei, fiquei um tempinho extra rodando por essa Florença desconhecida.
   Quando a cidade começou a funcionar, eu já tinha entrado numa igreja secundária, caminhado por praças desertas, tomado café-da-manhã, levado meu primeiro xingamento por não falar italiano, fotografado os Portões do Paraíso (que é onde a maioria dos turistas de amontoam pra ver uma porta e um teto de ouro) e entrado na fila da Catedral Santa Maria del Fiore.
   A Catedral é bem mais legal que os Portões, mas exige um pouco mais do cara. São centenas e centenas de degraus a serem escalados ao longo da visita. De qualquer forma, todos são válidos. As esculturas e pinturas sacras que estão por todos os cantos são lindas – especialmente a da cúpula. Dá pra passar o dia inteiro olhado cada detalhezinho. E quando se cansa de ficar com o pescoço inclinado pra cima, sobe-se mais outros tantos degraus e eis que se tem a vista mais bonita de Florença.

Catedral, foto via Wikipédia


Cúpula


Vista do topo da Catedral

   Visitar todos os museus de Florença é algo difícil (pra não dizer impossível) de ser feito em apenas um dia – ainda mais no de verão, quando a cidade está mais cheia de turistas ainda. Eu deveria ter feito reservas de entradas pros museus que preferia pela internet, mas, como não fiz, tive de pagar uns euros a mais pra manter meus planos em curso. Abri mão de ir na Accademia, onde tem aquela famosa estátua do David peladão, pois já havia visto uma réplica de bronze em Copenhague. Também tive de abrir mão de visitar o Palazzo Vecchio porque ele estava fechado aquele dia.


LINKS E IMAGINAÇÃO PARA SALVAR O POST

   Acabei por ir à Galleria degli Uffizi, que tem como quadro mais famoso O Nascimento de Vênus, do Botticelli – aliás, tem muitos quadros deste pintor lá. Infelizmente, era proibido fotografar lá dentro, portanto, raro leitor, contente-se com meu relato e os links deste post. Dá pra ficar, e eu fiquei, muitas horas dentro do museu vendo tudo que é pintura renascentista vinda de pintores menos famosos ou de todos aqueles que, mais tarde, viraram nomes das Tartarugas Ninjas: Leonardo (Da Vinci), Michaelangelo, Rafael (Sanzio) e Donatello.
   Almocei uma pizza italiana (que, diga-se de passagem, nem é tudo aquilo – apenas a massa é gostosa, os sabores são poucos) e segui batendo perna. Fui até a Ponte Vecchio (que, dizem, vai aparecer na próxima novela da Globo) e parei pra curtir a paisagem e descansar os pés. Acho que é a ponte mais charmosa que já vi.

Ponte Vecchio

Foto de cima da Ponte Vecchio

   Mais tarde visitei um museu não muito conhecido, chamado Bargello. Ele tem menos obras de arte e esculturas, mas tem um monte de louças de porcelana de séculos atrás que são uma mais linda que a outra. Pra deixar tudo mais interessante, a garrafa de água que vendem na frente dele custa só um euro (enquanto nas ruas mais movimentadas, há duas quadras dali, chega a custar quatro). Nos arredores também existem outras igrejinhas simpáticas e pouco freqüentadas, mas todas com restrições à fotos. Vão por mim, todas valem à pena!
   Nessas idas e vindas de um canto pra outro do centro histórico da cidade, passei inúmeras vezes pelas esculturas da Piazza Della Signoria (que fica bem no meio de tudo). Lá os turistas podem fotografar em paz e descansar (mas sem comer nada sentado nas escadas, senão os guardinhas te expulsam do teu concorrido degrau).

Palazzo Vecchio na Piazza Della Signoria


Cara mau

   Andar sob um sol de 35 graus, com algumas dezenas de bolhas (e bolhas sobre bolhas) em cada pé é algo que cansa. Perto das 18:00, peguei minha mochila na estação de trem e fui atrás da casa da minha hostess, a Laura. Ela é uma canadense, de pais italianos, tri gente boa – tanto que se ofereceu pra me hospedar faltando dois dias pra eu chegar na cidade. A vida dela tem sido assim nos últimos anos: ela trabalha seis meses no Canadá, junta uma grana e a torra em seis meses na Itália. O apartamento que ela aluga é pequeno, mas no coração da cidade. Ela não se preocupa em falar italiano, já que mora numa cidade turística, no meio dos turistas, e sempre tem alguém que fale inglês. Vida tranqüila é ela que tem.


FIRENZE BY NIGHT

   A Laura me levou jantar num buffet bem legal, com massa italiana (que, de novo, não consegue superar a brasileira). De sobremesa, comemos um sorvete italiano – que, pra minha surpresa, não tem nada a ver com o “sorvete italiano” das máquinas de sorvete daqui. Aliás, se tem uma coisa que os italianos fazem bem é sorvete. Na minha opinião, só perdem pros belgas.
   Antes da noite acabar, ela fez questão de me mostrar Florença à noite. A cidade é muito melhor nessa hora. As ruas estão desertas novamente (pois todos turistas estão em seus hotéis), os italianos saem com seus filhos brincar nas praças, as luzes da cidade iluminam as paredes de pedra dos prédios antigos (ou seja: todos). Cruzamos a Ponte Vecchio novamente e fomos até o Palazzo Pitti.
   A Laura não ia poder me hospedar por uma segunda noite em Florença, então, despedidas e agradecimentos feitos, fui arrumar um albergue e definir o que faria da vida – uma vez que eu já tinha visto uns 80% do que havia planejado em Florença. O albergue foi fácil encontrar. Definir um plano até que também: abri meu mapa e olhei quais cidades eram ali perto. Como eu tinha que ir e voltar no mesmo dia, me mandei pra Pisa ver se aquela torre era torta mesmo.


PISA PRA TI!

   Peguei um trem regional. Ele tinha, com certeza, uns 50 anos de idade. Não tinha ar-condicionado, as janelas eram de madeira (e emperravam), as paredes eram cor azul-calcinha e o estofado das poltronas era rasgado. Ainda assim, o trem andava e em cerca de uma hora e meia cheguei ao meu destino.
   Pisa é pequena e pacata. Sua estação de trem não é maior que a rodoviária de Carazinho, pra se ter uma idéia. Ainda assim, ela está sempre lotada de turistas em busca de sua torre capenga. Mas antes de sai em busca dela, almocei uma pizza gigante com batata assada e refri na estação, por quatro euros, que altamente recomendo.
   É muito fácil chegar à Torre de Pisa, mas o legal é que não há apenas a torre e milhares de turistas batendo fotos como se a segurassem. A Torre localiza-se num campanário chamado Campo dei Miracoli (Campo de Milagres), que inclui também um batistério, muitos vendedores ambulantes e uma catedral.

Campo dei Miracoli

   A Torre impressiona mesmo, pois é muito torta. Para subir nela, deve-se fazer reservas e pagar. Abri mão disso. Pra entrar na catedral, tu tem duas opções: pagar e poder fotografar ou entrar de graça, por outra porta, e apenas rezar. Claro que eu apenas rezei, então, novamente, se contentem com os links. No batistério, nem entrei, pois a fila era grande demais.

Turistas bobinhos "seguram" a Torre de Pisa

   Contudo, Pisa não vai muito além do que citei nos parágrafos acima. Assim, de saco cheio do calor infernal e de sempre estar em lugares lotados, resolvi que ia procurar alguma cidade menos turística pra passar o resto do dia. Abri meu guia e Lucca de apresentou de forma interessante.
  

ITÁLIA, ENFIM

   Em menos de uma hora de trem, estava em Lucca. Eu tinha apenas quatro horas pra conhecer a cidade, mas, pra minha alegria, o centro de informações turísticas era na frente da estação de trem. Lá eu consegui um mapa legal e a umas dicas interessantes sobre o que eu não podia deixar de ver.
   Lucca tem cerca de 80 mil habitantes, mas menos da metade disso mora no centro da cidade, que é cercado por muros enormes. Ao passar por esses muros, a impressão que se tem é que se volta no tempo. Carros dão lugar a bicicletas, as ruas e calçadas ficam cada vez mais estreitas, velhinhas aparecem na janela pra ver quem passa, as pessoas não têm pressa e dá até pra escutar o barulho dos próprios passos.

As linhas vermelhas do mapa mostram o muro que circunda o centro da cidade

   Visitei a Catedral de São Martin, a Basílica de São Michele em Foro e a Basílica de São Frediano, que é a mais fantástica de todas. Digo isso sem medo de errar, pois lá dentro está o corpo de Santa Zita. Esta santa não só tem uma história fantástica (vide link), mas também arrepia pelo fato de ter morrido em 1272 e ter seu corpo ainda preservado.

Catedral de São Martin


Ruas tranqüilas de Lucca


Basílica de São Michele em Foro

   Segui perambulando pela cidade até o Anfiteatro de Lucca e também tomei um sorvete fenomenal pagando 25% do que paguei em Florença. No fim da tarde, tomei meu rumo pra estação de trem por cima do muro da cidade, feliz por ter, enfim, visto a Itália dos italianos.

Anfiteatro

Playground

Estação de Lucca


É BOM TU SABER

   Cenas de cinema, dignas de Cena Beatnik, do Nei Lisboa, ainda acontecem. Não costumo tornar esse tipo de assunto público, porém acredito que deva ser imortalizado.
   Quando achei que minhas aventuras tinham acabado, veio a melhor parte. O trem era outro daqueles caindo aos pedaços, mas com um extra: tocava música clássica no último volume. Daí surgiu a Federica – uma italiana de 19 anos, lindos olhos verdes e sorriso contido –, que sentou na minha frente. Incrivelmente mais tímida que eu, olhava de canto pra mim e pra minha mochila enquanto seu pé acompanhava o ritmo da música.
   Perguntei se ela curtia a música que estava tocando, ela fez que sim com a cabeça. Gaguejou um pouco e, envergonhada, se desculpou por só falar italiano. O trem começou a andar. Perguntei pra onde ia; ela iria visitar sua nonna no interior de Florença. Perguntou-me de onde era e pra onde eu ia, resumi minha história. Ela se encantou. Sempre sonhara viajar pelo mundo assim, livre, mas tinha medo. Disse que, por ela, iria comigo, só que não podia.
   Ela tinha aquela doce ingenuidade de quem não é da cidade grande, de quem confia facilmente nas pessoas. Antes da metade da viagem, eu, um estranho, já sabia de toda a vida dela, de como era difícil pra ela sair de onde morava pra um lugar maior, do seu sonho de ser uma soprano famosa. Um pouco mais além, já tinha visto boa parte das fotos que ela tinha no celular, ouvido sobre seus tenores favoritos e já tinha seu endereço anotado, pro caso de eu mudar de planos no meio da minha viagem.
   Eu ficava até sem jeito com aquele estranho encantamento que ela tinha por mim. Contudo, o fato é que naquele momento eu representava tudo aquilo que ela até então não tivera, mas sonhava. Aquele deslumbramento não era exatamente por mim, e eu tinha essa consciência.
   Mostrei algumas fotos pra ela também, mas a bateria da minha câmera logo acabou. Ela bateu uma foto nossa, porém se recusou a sorrir. Não gostava do seu sorriso e nem percebia como era bonita. Raramente olhava nos meus olhos ao falar e sempre ficava com o rosto corado.
   Ao se despedir, superando toda aquela sua timidez, me roubou um beijo e com um va bene se perdeu em meio à multidão. Um romance de estação de trem: pura cena de cinema.