quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 16: LYON)


O destino de uma pessoa nunca é um lugar, mas um jeito novo de ver as coisas. (Henry Miller)

   Como minha ida ao centro naquele belo fim de tarde não deu muito certo (leia mais sobre meu drama na sessão É BOM TU SABER), novamente azedo, voltei pra casa. Até que valeu a pena: coloquei meu diário de viagem em dia,  fiz a barba, passei numa lan-house pra mandar notícias pra casa e tentei, sem sucesso, comprar minha passagem pra Barcelona. Claro que meu humor piorou mais um pouquinho com isso. Jantei com a Marie numa pizzaria do bairro. O dono era um velhinho português muito legal – aliás, tão legal que cobrou 5 euros nossa pizza grande e deliciosa.
   A Marie tinha dois empregos. Trabalhava seis horas como secretária e também fazia faxinas esporadicamente pra complementar sua renda. Pra sua sorte, a clientela deste segundo emprego estava crescendo e, desta forma, ela não pode me mostrar a cidade naquele dia. Em todo caso, gentilmente, me cedeu uma cópia da chave do apartamento dela (essa confiança em desconhecidos  não é fantástica?!) e um mapa da cidade. O resto era comigo.

   Só cheguei à Lyon no meio da tarde. A Marie, minhas hostess do CouchSurfing, já estava na estação me esperando e, sendo assim, fomos direto pro apartamento dela – que ficava, na verdade, em Villeurbanne, uma cidade grudada à Lyon. Eu precisava largar minhas tralhas e tomar bom um banho, pois as últimas 15 horas tinham sido bastante sofridas. Talvez depois de um bom banho, o meu (raro) péssimo humor passasse.

LYON INTESAMENTE
   Na minha primeira manhã em Lyon, fui primeiro tratar de resolver a história da minha passagem pra Barcelona. Perdi umas duas horas nisso pra descobrir que não havia mais passagens. Resolvi confiar na minha sorte e deixar pra resolver tudo em cima da hora no dia seguinte, quando fosse embora de Lyon. Eu já estava perdendo tempo demais com esta situação.
   De metrô, fui até a estação Foch, à beira do rio Rhône, e de lá desbravei a cidade a pé. A população de lá curte muito um passeio pelos arredores do rio, que é cercado por bares, restaurantes, ciclovias e pistas de patins e skate. Conta a Marie que antigamente as cercanias eram marginalizadas e sujas, mas um projeto de revitalização iniciado há alguns anos transformou o lugar, que hoje pulsa dia e noite.

  Rhône e a cidade


   Depois fui ver as belas igrejas da cidade. Comecei pela Saint Bonaventure e depois, já perto do rio Saône, a Catedral de São João Batista. Nesta, quando cheguei, havia polícia, autoridades e a imprensa. Depois, conversando com uma jornalista francesa de cabelos negros e bigode descolorido (sim, bigode!), descobri que um ex-prefeito tinha morrido. Assim, quando o defunto saiu pela porta principal, entrei na igreja por uma porta lateral e fiquei lá dentro por uns cinco minutos, quando muito, até me tocarem de lá.

Movimento ao redor da Catedral de São João Batista

Círculo laranja: a bigoduda. Círculo amarelo: o provável próximo velado.


   Almocei um cachorro-quente genuinamente de Lyon na Praça Bellecour, onde também fica o melhor centro de atendimento ao turista de lá, e depois fui dar umas voltas na parte mais charmosa da cidade, o bairro Vieux Lyon (Velha Lyon).

 Praça Bellecour, com a Basílica e a Torre ao fundo
  
   Dá gosto de andar por aquele bairro. As ruas estreitas revelam surpresas a cada novo olhar. Os cafés, restaurantes, ambulantes e lojinhas se empilham por todos os cantos. Os artistas de rua também marcam presença. Fiquei um tempão apreciando três australianos tocando clássicos dos anos 80, com destaque pra Sweet Dreams.
   Neste bairro as coisas modernas se confundem com as antigas, especialmente o que restou do Império Romano que deixou fortes marcas por lá. Aliado à isso, há os traboules, que são atalhos (quase todos túneis) construídos há muitos séculos atrás pra facilitar no transporte da seda – e que na Segunda Guerra Mundial viraram alternativa de fuga para muitos.



Esquinas de Lyon

A MAIOR JÓIA DA CIDADE

   Subindo o morro Fourvière de funicular, está uma das igrejas mais massas que eu já vi na vida, a Basílica Notre-Dame de Fourvière. Esta magnífica construção foi erguida em homenagem à Virgem Maria, em agradecimento à proteção ao povo de Lyon durante a Guerra Franco-Prussiana. Conflitos aparte, o esforço para erguer a Basílica valeu a pena. As esculturas e, principalmente, as paredes em mosaico e muito ouro são de deixar qualquer um babando.



Sim, é ouro e é foda!

Cara de fé

   Lá em cima do morro ainda têm outras gratas surpresas, como a melhor herança dos romanos ao povo de Lyon: um teatro milenar e inteirinho e o resto do parque arqueológico a céu aberto e livre visitação. Até hoje rola um grande festival de música naquele lugar, que dura mais de mês. Por fim, além das intermináveis lombadas, há também a Torre Eiffel de Lyon e a melhor vista da cidade.

Ger vai ao teatro


UM MERGULHO PRA ACABAR BEM O DIA
   Depois de uma última volta pelo centro da cidade, voltei pra casa pra encontrar a Marie. Com ela e duas colegas dela de maratonas aquáticas, fomos ao parque Mirabel-Jonage. Elas treinaram na bela lagoa local, eu descansei em meio a desconhecidos e o sol das 20:00 . Por último, fomos ao centro ver a cidade à noite.
   Embora eu tenha dormido bem, o dia seguinte me deixava inseguro. Eu ia embora de Lyon e queria ir pra Barcelona. Porém, eu ainda não tinha lugar pra ficar e nem passagem pra chegar até lá. Uma longa jornada me aguardava, mas isso é assunto pro próximo post.

É BOM TU SABER
   Juro. Lyon é tão maneira quanto Paris – ou mais. Lyon talvez não tenha o mesmo charme, mas é menos populosa e visada por turistas. Dá pra interagir muito melhor com os locais. E outra: a cidade é compacta. Dá pra fazer muita coisa a pé por lá.
   Associado à tudo isso, repito: franceses são gente muito boa, os de Lyon especialmente. Tem muita gente que volta da França e me conta que não simpatizou com os franceses, mas eu discordo profundamente. Essa história de que eles se recusam falar inglês, sacaneiam os estrangeiros, não são amistosos e etc. é (até onde vi e vivi) mentira. Ao todo, fiquei uns sete dias na França e sempre fui muito bem tratado. Afinal, como tudo na vida, a comunicação com estranhos de um lugar desconhecido também é uma questão de jeito.
   Quando eu queria alguma direção pra algum lugar, nunca recebi um “não”. Quando viam eu batendo auto-retratos, seguidamente me perguntavam se eu queria que me fotografassem. E outra: ninguém reclamou do fato de eu não falar o idioma deles – até porque muitos franceses, especialmente os jovens, têm uma boa noção de inglês. Agora, o pior melhor episódio com franceses aconteceu em Lyon.
   Ainda meio azedo, no dia que cheguei à cidade, resolvi dar um passeio aleatório pelo centro da cidade ao entardecer – até porque só anoitece por volta das 22:00 em Lyon. A idéia era apenas relaxar um pouco. No metrô (muito limpo, veloz e organizado, aliás), comprei um passe diário numa maquininha (custou 4,50 euros, porém eu planejava andar bastante com ele ainda aquele dia). Qual foi a minha surpresa ao ter meu tíquete recém-comprado recusado pela catraca?! Bá, fiquei puto da cara. Eu passava o bilhetinho de tudo que era jeito por aquela lata estúpida e só recebia negativas dela. Tentei atravessar a rua, descer do outro lado da estação e pegar a linha que ia em direção oposta, só pra passar em outra catraca, mas a negativa (em francês, ao menos) permaneceu.
   Voltei pro lado da estação que me interessava pra tentar mais uma vez. Havia dois caras também descendo as escadarias. Eles, primeiramente, reconheceram que minha camisa era do time que projetou o Ronaldinho Gaúcho pro mundo e, em seguida, ouviram o drama por que eu passava naquele momento. Eles compraram seus tíquetes e passaram tranqüilamente pela catraca. Só eu que não. Eis que um deles perguntou: Por que tu não pula a catraca? Confesso que me senti tentado, mas tinham duas câmeras me filmando. O outro francês insistiu: Cara, isso aqui não é teu país. Eles não podem te prender por muito tempo. E outra: a culpa de tu estar pulando é deles. Pensei um pouco, mas não pulei. Hoje eu acho que deveria ter pulado - só pra ter mais uma história pra contar.

sábado, 18 de dezembro de 2010

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 15: ROMA E VATICANO)

“O mundo é um livro, e aqueles que não viajam lêem apenas uma página”. (Santo Agostinho)


   Dormi umas boas dez horas, me despedi dos colegas de albergue de Florença e tomei meu AVI pra Roma. Diferentemente dos trens normais italianos, estes, que são mais caros, são pontuais e tri confortáveis. Às 12:59, como prometido, desembarquei na estação romana e fui tratar de conseguir um albergue para as próximas noites.
   Há umas duas ou três quadras da estação principal de Roma existe um lugar de gente muito boa chamado Enjoy Rome. Lá eles marcam passeios turísticos normais e alternativos, ajudam a comprar passagens, dão dicas de restaurantes baratos e também auxiliam na procura de albergues bons e baratos. Cheguei lá quando estavam passando o cadeado na porta. Porém ainda existem pessoas com coração neste mundo. A italiana gentil reabriu o lugar pra me atender e ainda conseguiu um albergue pra mim há duas quadras dali, a Pensione Fawlty Towers - que, embora seja meio velha, é bem aceitável.
   Meu farto almoço nos arredores da estação de trem, o baile que levei para conseguir passagem pra Lyon, o calor absurdo da cidade e minhas bolhas e feridas nos pés me motivaram a descansar um pouco no albergue. Deitei na cama e pisquei os olhos: eram 19:00. Eu tinha dormido umas três horas. Resolvi que ia ficar por lá mesmo até a manhã seguinte, trocando uma idéia com um alemão e um colombiano que eram meus colegas de quarto. Aprendi altas coisas sobre como o governo local conseguiu restabelecer a ordem nas favelas e reorganizar a vida das metrópoles, especialmente Medelín, cidade do meu amigo.


IMPOSSÍVEL DE SE ESCONDER

   Era domingo e o Papa ia rezar sua missa tradicional. Obviamente, optei por não ir ao Vaticano naquele dia com todos os outros turistas na cidade e trocar tapas por um lugar numa fila quilométrica. Fui pro
Coliseu, mas sem antes chegar a uma conclusão que dificilmente mudarei na minha vida: não importa aonde o cara vá, sempre haverá um (carazinhense) conhecido. No caso, quatro. Sim, numa esquina qualquer perto do meu albergue, encontrei uma amiga e seus familiares. Passadas aquelas conversas tradicionais do tipo Tu aqui? Mochilão?! Que loucura! Tua mãe deixou?, tomei meu rumo.
   Chegar na maioria dos pontos turísticos de Roma é fácil. O metrô quase sempre chega – e se não chega, pára perto. Contudo, só há duas linhas de metrô. O problema, me explicaram os italianos, é que cada vez que se cava pra construir qualquer coisa lá, sempre se encontra alguma relíquia histórica e daí é preciso chamar arqueólogos e blábláblá.
   Confesso que até aquele momento eu estava achando Roma uma cidade normal. Porém, quando saí do metrô e me deparei com o objeto da minha visita, tive que admitir: Roma é demais e o carinha que projetou isso era foda!


Fodástico, não?
 
   Paga-se uns dez, doze euros pra visitar o Coliseu e também a Cidade Antiga - que é tão ou mais impressionante. Como eu esperava, quase não tinha fila. Bati muita perna lá dentro, entre algumas esculturas e muita história. É difícil imaginar como aquilo tudo foi construído há muitos e muitos séculos atrás. E emocionante é imaginar este lugar com 50 mil pessoas, tremendo, e os gladiadores lutando entre si e com as mais temíveis feras.  
  Pode-se andar por toda a “arquibancada” do Coliseu, encostar nas paredes milenares, bater foto até cansar e até mesmo pegar carona nas excursões guiadas que rolam lá. Pena que não se pode ir nas galerias subterrâneas sob o chão onde aconteciam as batalhas – sim, pra minha surpresa, o chão foi removido para que fosse possível enxergar os “vestiários” e o labirinto por onde levavam as bestas até suas batalhas.


Bem maior que o Paulo Coutinho
 
 
   Do outro lado da rua está a Cidade Antiga. Admito que gostei mais dela que do Coliseu, pois ali o turista pode perambular sem a mínima limitação por uma cidade que começou a ser construída há dois mil anos atrás. Gastei umas três ou quatro horas caminhando e me desidratando por lá – ainda que houvesse várias fontes de água gratuita e limpa pelo monte Palatino, onde fica a Cidade.
   Ali tem muita coisa maneira. Desde estátuas dos Césares de todos os tamanhos (com ou sem cabeça), o Circo Máximo, o Estádio o Fórum Romano, o Arco de Tito e até mesmo o lugar onde teria sido a casa de Rômulo e Remo.

Cidade Antiga e Coliseu ao Fundo
 
Casa de Rômulo e Remo e, lá no fundão, a Basílica de São Pedro

 
   Antes de ir pro albergue, ainda visitei o Altar da Pátria - que é, na verdade, um museu. Ele é mais bonito por fora que por dentro, mas, como é de graça, vale a visita.
   Cansado e desidratado como poucas vezes havia me visto, capotei por outras três horas na cama do albergue. Apenas me acordei quando meu novo colega de quarto, uma iraniano, chegou. Também ouvi coisas muito interessantes do amigo, que contou, entre outras coisas, dos absurdos do regime ditatorial de seu país. Depois do meu terceiro banho naquele dia, dormi novamente.


VATICANO SEM MISSA
 
   Visitar o Vaticano na segunda-feira foi a melhor decisão que eu poderia ter tomado. Naturalmente, o lugar estava cheio de gente, mas nada que gerasse fila mais demorada que dez minutos. O calor, novamente, era insuportável, mas dentro das igrejas e museus era fresquinho. Entrei pela Praça de São Pedro, que é linda e enorme. Também é estranho pensar que há 24 horas havia milhares e milhares de pessoas amontoadas ali.

 Ger já suado e grudento às 9h na Praça de São Pedro


    Feito o registro fotográfico, encarei uma breve fila pra entrar na Basílica de São Pedro. Que lugar mais massa! Ali dentro as obras de arte se empilham (destaque pra Pietà, de Michelangelo) e os turistas nem ligam pra escuridão que impossibilita fotos razoáveis. O poder da Igreja se nota também nos pequenos detalhes dos contornos em ouro de toda a igreja, no mármore espalhado por tudo e em qualquer outro lugar daquele imenso templo. Também visitei o Mausoléu dos Papas – e recomendo muito a visitação, apesar da proibição de fotografias. À exceção da Guarda Suíça, por razões óbvias, tudo impõe respeito e, ao mesmo tempo, inquieta.

Um dos altares da Basílica
 
   Contornando o Vaticano, chega-se ao Museu do Vaticano. Tem de tudo um pouco lá - a módicos oito euros pra estudantes. De tudo e por tudo, do chão ao teto! Múmias egípcias, os primeiros mapas da América de Colombo e, principalmente, obras de arte de todos os séculos. Pessoas do mundo inteiro se amontoam pelos estreitos corredores para viajar por toda a história da humanidade num só lugar.
   A Capela Sistina, ponto máximo da visitação, é, de fato, tão maravilhosa quanto se diz. Qualquer leigo em arte, como eu, consegue babar por muito tempo apreciando aquele tesouro que aquela galera do Renascimento deixou pra posteridade. A única coisa ruim de se visitar o local é aturar os seguranças, que ficam gritando para os outros se calarem e empurrando a multidão para fora da Capela, pois tem novos visitantes chegando.


Juízo Final, de Michelangelo

No centro, A Criação de Adão, também de Michelangelo


   Meu almoço foi perto das 15:00, ainda no Museu (que não tem preços abusivos). A última atração do lugar é a rampa de saída. Mais tarde, no albergue, tomei mais um banho e arrastei meu corpo pra estação de trem. Minha estada em Roma foi breve, mas a jornada pra Lyon já estava agendada – e eu mal sabia o que me aguardava.


É BOM TU SABER

   Do pouco que fiquei na Itália, dividiria os italianos em dois grupos: os que moram em cidades turísticas e os que não moram. Os que não moram são tranqüilos, amistosos entre si e adoram um estrangeiro. Os que moram, estão de saco cheio dos turistas e da vida. Pra piorar, os das cidades turísticas não falam (e/ou não fazem questão de falar) outro idioma. Com isso, tudo fica um pouco mais difícil.
   Quando fui reservar minha passagem pra Lyon, fui super mal-atendido. O carinha, que já tinha lá seus 50 anos de idade, embora falasse um inglês ruim, me ignorava completamente. Tentei falar português e também espanhol, mas não teve jeito. Parecia que eu falava com as paredes.
   Como meu leque de idiomas tinha acabado, fui obrigado a olhar na cara dele e dizer que eu não sairia dali sem minhas passagens. Eu só queria um atendimento digno. Depois de um longo suspiro do cara, com toda má-vontade do mundo, começamos então a tentar traçar meu rumo pra Lyon. O infeliz não fazia questão de simplificar as coisas e me colocou numa baldeação terrível, com trocas de trem em Milão e Chamberry, na França. Fiquei bravo, mas aceitei.
   Só que o cara jogou baixo comigo – e eu só descobri isso quando embarquei pra Milão. Como a viagem era noturna, eu tinha pedido uma cama (triliche). Porém minha cabine tinha dois bancos de três lugares cada. Assim, dividindo-a com outros cinco italianos, viajei sentado e com menos espaço que num avião com política de redução de custos. Impossível dormir. Pra piorar, o velhinho sentado do meu lado roncava muuuuito alto e às vezes caía com a cabeça no meu ombro (sem se acordar). Um inferno de sete horas de duração!
   Felizmente tudo acabou em Milão. De lá, peguei um trem humano até Chamberry e outro bem razoável até Lyon. E, claro, dormi durante todo o trajeto.

domingo, 9 de maio de 2010

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 14: FLORENÇA, PISA E LUCCA)

“Acordar um tanto quanto só numa cidade desconhecida é uma das sensações mais agradáveis do mundo." (Freya Stark, escritora inglesa)

   Amanheci em Florença, Itália. Todavia, meu trem não parava na estação principal – pelo contrário, parava numa estação há cerca de 3km dela e do centro da cidade. Refiz meus curativos nos pés detonados de tanto andar e, sem mapa, fui em busca do centro de Florença. O legal daquela estação estar longe do centro é que ela fica num bairro residencial e não turístico de Florença. Assim, tirando o estádio do Fiorentina, tudo era totalmente desconhecido. As construções antigas e os trabalhadores acordando pra ir pro seu trabalho davam a impressão de que eu estava numa cidade pequena e comum. E como eram 6:30 quando cheguei, fiquei um tempinho extra rodando por essa Florença desconhecida.
   Quando a cidade começou a funcionar, eu já tinha entrado numa igreja secundária, caminhado por praças desertas, tomado café-da-manhã, levado meu primeiro xingamento por não falar italiano, fotografado os Portões do Paraíso (que é onde a maioria dos turistas de amontoam pra ver uma porta e um teto de ouro) e entrado na fila da Catedral Santa Maria del Fiore.
   A Catedral é bem mais legal que os Portões, mas exige um pouco mais do cara. São centenas e centenas de degraus a serem escalados ao longo da visita. De qualquer forma, todos são válidos. As esculturas e pinturas sacras que estão por todos os cantos são lindas – especialmente a da cúpula. Dá pra passar o dia inteiro olhado cada detalhezinho. E quando se cansa de ficar com o pescoço inclinado pra cima, sobe-se mais outros tantos degraus e eis que se tem a vista mais bonita de Florença.

Catedral, foto via Wikipédia


Cúpula


Vista do topo da Catedral

   Visitar todos os museus de Florença é algo difícil (pra não dizer impossível) de ser feito em apenas um dia – ainda mais no de verão, quando a cidade está mais cheia de turistas ainda. Eu deveria ter feito reservas de entradas pros museus que preferia pela internet, mas, como não fiz, tive de pagar uns euros a mais pra manter meus planos em curso. Abri mão de ir na Accademia, onde tem aquela famosa estátua do David peladão, pois já havia visto uma réplica de bronze em Copenhague. Também tive de abrir mão de visitar o Palazzo Vecchio porque ele estava fechado aquele dia.


LINKS E IMAGINAÇÃO PARA SALVAR O POST

   Acabei por ir à Galleria degli Uffizi, que tem como quadro mais famoso O Nascimento de Vênus, do Botticelli – aliás, tem muitos quadros deste pintor lá. Infelizmente, era proibido fotografar lá dentro, portanto, raro leitor, contente-se com meu relato e os links deste post. Dá pra ficar, e eu fiquei, muitas horas dentro do museu vendo tudo que é pintura renascentista vinda de pintores menos famosos ou de todos aqueles que, mais tarde, viraram nomes das Tartarugas Ninjas: Leonardo (Da Vinci), Michaelangelo, Rafael (Sanzio) e Donatello.
   Almocei uma pizza italiana (que, diga-se de passagem, nem é tudo aquilo – apenas a massa é gostosa, os sabores são poucos) e segui batendo perna. Fui até a Ponte Vecchio (que, dizem, vai aparecer na próxima novela da Globo) e parei pra curtir a paisagem e descansar os pés. Acho que é a ponte mais charmosa que já vi.

Ponte Vecchio

Foto de cima da Ponte Vecchio

   Mais tarde visitei um museu não muito conhecido, chamado Bargello. Ele tem menos obras de arte e esculturas, mas tem um monte de louças de porcelana de séculos atrás que são uma mais linda que a outra. Pra deixar tudo mais interessante, a garrafa de água que vendem na frente dele custa só um euro (enquanto nas ruas mais movimentadas, há duas quadras dali, chega a custar quatro). Nos arredores também existem outras igrejinhas simpáticas e pouco freqüentadas, mas todas com restrições à fotos. Vão por mim, todas valem à pena!
   Nessas idas e vindas de um canto pra outro do centro histórico da cidade, passei inúmeras vezes pelas esculturas da Piazza Della Signoria (que fica bem no meio de tudo). Lá os turistas podem fotografar em paz e descansar (mas sem comer nada sentado nas escadas, senão os guardinhas te expulsam do teu concorrido degrau).

Palazzo Vecchio na Piazza Della Signoria


Cara mau

   Andar sob um sol de 35 graus, com algumas dezenas de bolhas (e bolhas sobre bolhas) em cada pé é algo que cansa. Perto das 18:00, peguei minha mochila na estação de trem e fui atrás da casa da minha hostess, a Laura. Ela é uma canadense, de pais italianos, tri gente boa – tanto que se ofereceu pra me hospedar faltando dois dias pra eu chegar na cidade. A vida dela tem sido assim nos últimos anos: ela trabalha seis meses no Canadá, junta uma grana e a torra em seis meses na Itália. O apartamento que ela aluga é pequeno, mas no coração da cidade. Ela não se preocupa em falar italiano, já que mora numa cidade turística, no meio dos turistas, e sempre tem alguém que fale inglês. Vida tranqüila é ela que tem.


FIRENZE BY NIGHT

   A Laura me levou jantar num buffet bem legal, com massa italiana (que, de novo, não consegue superar a brasileira). De sobremesa, comemos um sorvete italiano – que, pra minha surpresa, não tem nada a ver com o “sorvete italiano” das máquinas de sorvete daqui. Aliás, se tem uma coisa que os italianos fazem bem é sorvete. Na minha opinião, só perdem pros belgas.
   Antes da noite acabar, ela fez questão de me mostrar Florença à noite. A cidade é muito melhor nessa hora. As ruas estão desertas novamente (pois todos turistas estão em seus hotéis), os italianos saem com seus filhos brincar nas praças, as luzes da cidade iluminam as paredes de pedra dos prédios antigos (ou seja: todos). Cruzamos a Ponte Vecchio novamente e fomos até o Palazzo Pitti.
   A Laura não ia poder me hospedar por uma segunda noite em Florença, então, despedidas e agradecimentos feitos, fui arrumar um albergue e definir o que faria da vida – uma vez que eu já tinha visto uns 80% do que havia planejado em Florença. O albergue foi fácil encontrar. Definir um plano até que também: abri meu mapa e olhei quais cidades eram ali perto. Como eu tinha que ir e voltar no mesmo dia, me mandei pra Pisa ver se aquela torre era torta mesmo.


PISA PRA TI!

   Peguei um trem regional. Ele tinha, com certeza, uns 50 anos de idade. Não tinha ar-condicionado, as janelas eram de madeira (e emperravam), as paredes eram cor azul-calcinha e o estofado das poltronas era rasgado. Ainda assim, o trem andava e em cerca de uma hora e meia cheguei ao meu destino.
   Pisa é pequena e pacata. Sua estação de trem não é maior que a rodoviária de Carazinho, pra se ter uma idéia. Ainda assim, ela está sempre lotada de turistas em busca de sua torre capenga. Mas antes de sai em busca dela, almocei uma pizza gigante com batata assada e refri na estação, por quatro euros, que altamente recomendo.
   É muito fácil chegar à Torre de Pisa, mas o legal é que não há apenas a torre e milhares de turistas batendo fotos como se a segurassem. A Torre localiza-se num campanário chamado Campo dei Miracoli (Campo de Milagres), que inclui também um batistério, muitos vendedores ambulantes e uma catedral.

Campo dei Miracoli

   A Torre impressiona mesmo, pois é muito torta. Para subir nela, deve-se fazer reservas e pagar. Abri mão disso. Pra entrar na catedral, tu tem duas opções: pagar e poder fotografar ou entrar de graça, por outra porta, e apenas rezar. Claro que eu apenas rezei, então, novamente, se contentem com os links. No batistério, nem entrei, pois a fila era grande demais.

Turistas bobinhos "seguram" a Torre de Pisa

   Contudo, Pisa não vai muito além do que citei nos parágrafos acima. Assim, de saco cheio do calor infernal e de sempre estar em lugares lotados, resolvi que ia procurar alguma cidade menos turística pra passar o resto do dia. Abri meu guia e Lucca de apresentou de forma interessante.
  

ITÁLIA, ENFIM

   Em menos de uma hora de trem, estava em Lucca. Eu tinha apenas quatro horas pra conhecer a cidade, mas, pra minha alegria, o centro de informações turísticas era na frente da estação de trem. Lá eu consegui um mapa legal e a umas dicas interessantes sobre o que eu não podia deixar de ver.
   Lucca tem cerca de 80 mil habitantes, mas menos da metade disso mora no centro da cidade, que é cercado por muros enormes. Ao passar por esses muros, a impressão que se tem é que se volta no tempo. Carros dão lugar a bicicletas, as ruas e calçadas ficam cada vez mais estreitas, velhinhas aparecem na janela pra ver quem passa, as pessoas não têm pressa e dá até pra escutar o barulho dos próprios passos.

As linhas vermelhas do mapa mostram o muro que circunda o centro da cidade

   Visitei a Catedral de São Martin, a Basílica de São Michele em Foro e a Basílica de São Frediano, que é a mais fantástica de todas. Digo isso sem medo de errar, pois lá dentro está o corpo de Santa Zita. Esta santa não só tem uma história fantástica (vide link), mas também arrepia pelo fato de ter morrido em 1272 e ter seu corpo ainda preservado.

Catedral de São Martin


Ruas tranqüilas de Lucca


Basílica de São Michele em Foro

   Segui perambulando pela cidade até o Anfiteatro de Lucca e também tomei um sorvete fenomenal pagando 25% do que paguei em Florença. No fim da tarde, tomei meu rumo pra estação de trem por cima do muro da cidade, feliz por ter, enfim, visto a Itália dos italianos.

Anfiteatro

Playground

Estação de Lucca


É BOM TU SABER

   Cenas de cinema, dignas de Cena Beatnik, do Nei Lisboa, ainda acontecem. Não costumo tornar esse tipo de assunto público, porém acredito que deva ser imortalizado.
   Quando achei que minhas aventuras tinham acabado, veio a melhor parte. O trem era outro daqueles caindo aos pedaços, mas com um extra: tocava música clássica no último volume. Daí surgiu a Federica – uma italiana de 19 anos, lindos olhos verdes e sorriso contido –, que sentou na minha frente. Incrivelmente mais tímida que eu, olhava de canto pra mim e pra minha mochila enquanto seu pé acompanhava o ritmo da música.
   Perguntei se ela curtia a música que estava tocando, ela fez que sim com a cabeça. Gaguejou um pouco e, envergonhada, se desculpou por só falar italiano. O trem começou a andar. Perguntei pra onde ia; ela iria visitar sua nonna no interior de Florença. Perguntou-me de onde era e pra onde eu ia, resumi minha história. Ela se encantou. Sempre sonhara viajar pelo mundo assim, livre, mas tinha medo. Disse que, por ela, iria comigo, só que não podia.
   Ela tinha aquela doce ingenuidade de quem não é da cidade grande, de quem confia facilmente nas pessoas. Antes da metade da viagem, eu, um estranho, já sabia de toda a vida dela, de como era difícil pra ela sair de onde morava pra um lugar maior, do seu sonho de ser uma soprano famosa. Um pouco mais além, já tinha visto boa parte das fotos que ela tinha no celular, ouvido sobre seus tenores favoritos e já tinha seu endereço anotado, pro caso de eu mudar de planos no meio da minha viagem.
   Eu ficava até sem jeito com aquele estranho encantamento que ela tinha por mim. Contudo, o fato é que naquele momento eu representava tudo aquilo que ela até então não tivera, mas sonhava. Aquele deslumbramento não era exatamente por mim, e eu tinha essa consciência.
   Mostrei algumas fotos pra ela também, mas a bateria da minha câmera logo acabou. Ela bateu uma foto nossa, porém se recusou a sorrir. Não gostava do seu sorriso e nem percebia como era bonita. Raramente olhava nos meus olhos ao falar e sempre ficava com o rosto corado.
   Ao se despedir, superando toda aquela sua timidez, me roubou um beijo e com um va bene se perdeu em meio à multidão. Um romance de estação de trem: pura cena de cinema.

sábado, 24 de abril de 2010

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 13: ZURIQUE E LUCERNA)

Daqui há vinte anos você vai estar mais desapontado com as coisas que deixou de fazer do que com as que você fez. Portanto livre-se das bolinas e saia do porto seguro. Pegue os ventos alísios nas suas navegações. Explore. Sonhe. Descubra. (Mark Twain)
  
   Cheguei à Zurique perto das onze da manhã, cheio de dúvidas. Eu não tinha muita noção de quanto valia o franco suíço, apenas sabia que tudo no país era caro. Também estava um pouco temeroso com os dois dias que tinha reservado pra conhecer a cidade, uma vez que todo mundo que conheci na Europa dizia que Zurique era chata. Por fim, eu não sabia se o David, meu CouchSurfing host, teria cumprido tudo o que havia me prometido.
   Enfim, fui por partes. Trocar grana foi fácil e dolorido ao bolso. O franco suíço é caro, mas ao menos é bonitinho (vide foto ao lado tirada do blog Zito´s Loko). Marcar minha passagem pra dali dois dias à Florença, na Itália, também. Almocei numa feirinha que se arma dentro da estação de trem todo meio-dia e, saciado, fui largar minha mochila na casa do David.
   É muito fácil de guiar por Zurique. Todas as ruas são bem sinalizadas e o trânsito é organizado. O cara pode escolher pegar ônibus ou bonde pra andar no centro da cidade e arredores, mas como tudo é muito pequeno, não custa nada gastar um pouco mais as solas dos sapatos e aumentar um pouco as bolhas dos pés. Sem muito esforço, encontrei a chave no lugar que o David tinha prometido, larguei minhas tralhas no apartamento dele e voltei pro centrão com sete quilos a menos pra carregar.
   Zurique é a maior cidade da Suíça e nem por isso é grande, como já disse acima. A população beira os 375 mil habitantes e todos vivem muito bem – tanto que a cidade é uma das de melhor qualidade de vida do mundo. Tudo é caro, é verdade. Mas pra quem mora lá, não é. Pra um mochileiro, as coisas são um pouco diferentes... Em todo caso, vale muito a pena caminhar pela avenida principal de lá, a Bahnhofstrasse, entrar nas lojas caras, nas megalojas (que tem até sessão pra emos – no subsolo, é claro) e olhar ricaços desfilando carrões e pagando o equivalente a vinte reais por um cafezinho numa calçada qualquer.


BEM MAIS OU MENOS

   Ainda assim, existem atrações “pagáveis” para meros viajantes mortais. Por cerca de dez reais, fiz um passeio de barco de uma hora e meia pelo Lago de Zurique, por exemplo. Ao longo do passeio, passa-se por outras vizinhanças da cidade, praias artificiais, mansões e lanchas luxuosas. Porém nada disso é tão legal quanto os Alpes que ficam lá no horizonte.

"Praia" de Zurique

Estacionamento: em cima os carros, em baixo os barcos

Alpes

   De volta à terra firme, fui conhecer o centro antigo, as igrejinhas e afins. Eu estava tão mal acostumado com as igrejas fantásticas de Praga que anotei o seguinte no meu diário de viagem sobre a Grossmünster: “a igreja é feia – ainda bem que era proibido fotografar”. Na verdade, ela não era feia. Ela só era bem burocratizada, assim como a cidade. Tudo certinho, perfeito. Quase sem sal.

Grossmünster

   Mesmo assim o centro antigo tem coisas legais pra se ver, especialmente no que tange a arquitetura dos prédios e as ladeiras estreitas que levam a novas ladeiras estreitas. Havia também museus de artes e estátuas pra serem vistas, mas eu estava a fim de ficar uns dias sem isso, pra dar uma desintoxicada. No fim das contas, andei muito tempo por lá, contornando o rio Limmat. Algumas das minhas melhores fotos na Suíça acabaram sendo ali mesmo.

Centro Antigo de Zurique

Ladeiras

Detalhe na sacada do prédio no centro da foto

   Lá pelas oito da noite, estava a caminho da casa do David novamente. Ele mora num bairro de imigrantes, assim como ele – que veio de Israel. Nem por isso o bairro é perigoso. Aliás, nada em Zurique mete medo, a não ser o excesso de tranqüilidade. Mais tarde chegou uma viajante japonesa que também estava hospedada no David e um pouco depois, finalmente, o dono da casa. Viramos a noite falando de nossas vidas e experiências de migrar de um lugar pra outro – a japonesa também já vivera em Singapura. Aprendi horrores sobre Israel com o David, sobre a imagem errada de violência que a mídia vende do seu país e ainda testemunhei todo o amor que ele tem por tudo que deixou pra trás pra conseguir o doutorado em Matemática dele na Europa.


PLANO B

   No dia seguinte, dei-me ao luxo de dormir até às nove – eu estava precisando disso. O David já tinha ido pra aula dele e a japa ia visitar o prédio da Fifa (uhuuull ¬¬). Lá fora caía uma chuva fina e eu não estava com a mínima vontade de passar o dia inteiro num museu pra não me molhar. Resolvi que era hora de mudar de planos e ir embora de Zurique mais cedo – embora eu tivesse que estar de volta naquela noite pra pegar meu próximo trem. Deixei um bilhete de despedida pro David e fui até a estação de trem escolher uma cidade aleatória pra visitar. Depois de uma breve olhada nos destinos próximos e uma consultada no meu guia de viagem, escolhi Lucerna. Antes de partir, ainda tive tempo de me atracar num fish n´chips bem gostoso, no estilo clássico, enrolado num “jornal”.
   Menos de uma hora depois, eu já estava na salinha de atendimento ao turista à procura de um mapa da cidade. O único mapa gratuito vinha num livrinho de umas 20 folhas. O mapa ocupava apenas uma página e as outras eram só propaganda. Encarnando meu espírito mochileiro/cara-de-pau, na frente de todo mundo, e pra espanto de vários, rasguei o que me interessava (o mapa, né!) e coloquei o resto no lixo seco, pra reciclagem.
   A grande atração de Lucerna é uma ponte de madeira, a Kapellbrücke. Ela tem mais de 600 anos, é cheia de pinturas bonitas e preservadas na parte de dentro e é a primeira coisa que se vê ao sair da estação de trem. Feitas as fotos, fui pro centro antigo da cidade – que, diga-se de passagem, até onde pude observar, não tem um centro moderno. O centrinho mistura prédios velhos, sorveterias fantásticas e lojas de shopping centers, como C&A e Zara.

Kapellbrücke

Centro Antigo de Lucerna

   Todavia, o mais legal de Lucerna fica no cantinho da cidade, em cima de uma colina. Lá em cima, depois de subir uma rua íngreme, ziguezaguear um jardim, desviar de um enxame de abelhas e escalar mais algumas centenas de degraus de pedra e de madeira, chega-se ao que sobrou dos muros que outrora cercaram a cidade. Lá em cima, subindo mais uns degraus, tem-se, finalmente, o topo – e a vista mais bonita da cidade e dos Alpes.

Lucerna

O que restou do muro

Bois suíços usam franjas (clique na foto e amplie-a)

   Mais tarde, me dei ao trabalho de andar por ruas não-turísticas da cidade e constatei o óbvio: lá só vão suíços. Assim, entrei numa padaria para suíços (com preços para suíços), fui a lojas normais e até passei por uma funerária. Todo mundo me perguntava se eu estava perdido, pois não tinha nada a ser visto naqueles lados na opinião deles, mas eu estava curtindo.
   Pra acabar o passeio, dei umas bandas na famosa ponte de madeira, na igreja principal da cidade e, por fim, fui bater uma foto com o Löwendenkmal. Ele nada mais é que uma estátua de leão colossal esculpida numa montanha, em homenagem aos soldados suíços massacrados durante a Revolução Francesa.

Mais morto que o leão
   Ao entardecer, voltei pra Zurique. Jantei alguma coisa que eu não lembro, calcei minhas Havaianas (que na Europa chegam a custar cerca de 70 reais) e esperei a hora e pegar meu trem noturno pra Florença. Dormi feito um anjo naquele balançar dos trilhos.

Feliz da vida no topo do de um dos treliches da minha cabine


É BOM TU SABER

   Fiquei apenas cerca de 24 horas em Zurique e, dessas, apenas umas três com o David, meu anfitrião na cidade. Porém, o tempo inteiro que interagi com ele, desde quando combinei que ia me hospedar na casa dele, ainda aqui no Brasil, tudo foi uma lição de vida pra mim.
   Nunca ninguém demonstrou tamanha confiança em mim sem jamais ter me conhecido. Primeiramente, ele aceitou meu auto-convite sem titubear. Depois, faltando uns três dias pra eu ir pra Zurique, recebi um email dele, com mil desculpas, dizendo que não ia mais poder me mostrar a cidade, pois teria uma série de reuniões naquele dia, – mas nem por isso iria abrir mão do compromisso que já havia assumido.
   Assim, (repito: sem nunca ter me visto na vida) o carinha aí ao lado deixou a chave de casa dele pra mim separada na caixinha do correio. Dentro do apartamento dele havia muitas coisas de valor, como dois computadores, seu passaporte israelense, lembranças do seu país e etc. E ele, nem por isso, hesitou em abrir o apartamento (e tudo o que isso simbolizava) pra mim. Ele simplesmente se permitiu, como ainda se permite, confiar nas pessoas – assim como ele também espera isso delas. Quem dera houvesse mais Davids por aí.