sexta-feira, 26 de março de 2010

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 11: PRAGA)

"Algumas pessoas sentem a chuva; outras apenas se molham" (Bob Dylan)


   Cheguei à Praga no fim da tarde do dia 17 de Julho de 2009, num trem lotado de brasileiros. Praga agora é pop e cult - fato que leva muito turista pra lá, muito embora poucos saibam o quê vão encontrar por aquelas bandas. Com prazer e rebeldia, ignorei todos os turistas tupiniquins. Aliás, os tchecos, assim como a maioria de nós brasileiros, não dominam um segundo idioma, portanto qualquer estrangeiro sofre um pouco lá. Desta forma, por mais que eu falasse inglês com fluência e um espanhol razoável, me fazer entender lá não foi a coisa mais fácil do mundo.
   Em todo caso, com um pouco de esforço, peguei o bonde (sim, um bonde daqueles clássicos mesmo) e logo estava no meu albergue de luxo. Meu albergue era, na verdade, meio hotel, meio albergue. Assim, eu tinha um quarto exclusivo e apenas divida o banheiro – e com apenas dois outros quartos e nada além. O café da manhã era gostoso, o pessoal da portaria arranhava um inglês decente e a única coisa ruim de tudo isso é que eu estava há cerca de meia hora dos lugares que eu tinha selecionado para conhecer. A única "atração" ali perto era a zona da cidade, mas preferi deixar esse passeio pra outro momento mais oportuno.

Tudo meu!


COMO NO EUROTRIP

   Diferentemente do centro da cidade, onde as coisas têm mais cara de União Européia, o bairro onde eu estava lembrava muito mais a União Soviética decadente, com prédios caindo as pedaços e carros sucateados. Além das funcionárias da recém citada zona, apenas pessoas velhas e humildes vivem lá. Os mercadinhos ficam, na maioria das vezes, fechados no fim-de-semana e as ruas sujas ficam com um ar sinistro o tempo inteiro. Como eu estava longe de tudo, lá fora chovia e eu estava cansado, resolvi passar noite no albergue mesmo.

Vista da janela do meu hotel/albergue

   Por outro lado, há algo fantástico na República Tcheca: os bancos funcionam até às 18:00 - e, graças a isso, consegui trocar uns resquícios de coras suecas (moeda da Suécia) e mais 50 euros pela moeda local, a coroa tcheca. A mulher que me atendeu nem acreditou quando me viu tirando "toda" aquela grana da carteira. Digo "toda" porque em outros países europeus 50 euros não são lá muita coisa, mas na República Tcheca a coisa é diferente (igualzinho ao filme Eurotrip). Vocês verão isso em mais detalhes ao longo do meu relato.
   Depois de um breve cochilo, fui jantar no próprio hotel. Jantas em hotel tendem a ser caras, mas não num hotel que fica num canto qualquer de Praga. Por menos de 11 euros (cerca de 30 reais na época), comi um banquete que incluía filé mignon, bife de frango, costela de porco, batatas-fritas, arroz, salada e 750ml de água - e, sim, eu era um faminto. Se eu comesse algo parecido em Paris, não gastaria menos que o triplo ou quádruplo deste valor.


CHUVA KAFKANIANA

   O dia seguinte continuava com uma leve garoa, mas eu não podia deixar de conhecer a cidade por causa de intempéries. Peguei um mapinha da cidade (meu albergue nem aparecia no mapa) e umas dicas sobre quais bondes usar e tomei meu rumo em busca do Castelo de Praga, o maior castelo do mundo. Só que Praga ainda não é uma cidade de primeiro mundo. Conseqüência disso, o mapa que me deram não estava tão atualizado assim e as paradas que eu precisava descer para trocar de bonde não existiam mais. Felizmente, sempre que me perco, sei, ao menos, voltar pro meu lugar de origem. Desta forma, voltei algumas paradas e resolvi fazer o resto do meu trajeto de metrô. Abri mão de ver parte da cidade, mas consegui chegar onde queria.
   O castelo fica pertinho do centro histórico, dá pra fazer tudo a pé. Porém, mesmo nesta parte mais turística da cidade, falta um pouco de sinalização. A entrada principal do castelo estava em reformas e não havia nada indicando como se entrava no castelo. Com um pouco de esforço, descobri que a entrada agora se dava pelos fundos de uma pousada (isso mesmo: pelos fundos uma pousada). Depois deste último obstáculo, até a chuva deu uma breve trégua. Para chegar aos portões do castelo passa-se por uns parreirais, uns restaurantes chiques e logo se tem uma bela visão panorâmica da cidade por entre os jardins que circundam aquela magnífica construção do século IX.

Praga vista de cima do morro onde fica o castelo

   Diferentemente do que a maioria das pessoas pensa, o castelo não é apenas uma construção, mas, sim, uma cidadela cercada por fortes muros, com ruas, igrejas, restaurantes e tudo mais que a vida medieval tinha direito. Para visitar o interior do lugar, paga-se uma quantia simbólica (que se torna ainda mais irrisória para estudantes). O visitante tem acesso à quase todos os lugares, mas poucos podem ser fotografados e raros são os que valem uma fotografia. A maioria deles estava, na época ao menos, ou vazios ou em reforma. Muitos diziam assim "Aqui havia uma mesa com 20 lugares. O rei se sentava na ponta e blábláblá... Mais ali no canto, ficava a lareira e, ao lado, a estante de livros real", só que na prática não havia nada mais. O turista tinha de imaginar quase tudo.

Restaram os lustres

   Outras coisas, por outro lado, estavam intactas, como as armaduras, os instrumentos de tortura e algumas ossadas que foram encontradas em escavações diversas. Só que daí não podia fotografar. Em todo caso, dava gosto simplesmente caminhar naquelas ruas com calçamento de séculos atrás e respirar história - e aquele tempo chuvoso só ajudava a entrar mais naquele clima melancólico ainda. Coisa mais gostosa.

Instrumentos de tortura para todos os gostos

Calabouço

Feliz em cena melancólica

  Porém nada naquele castelo se compara à Catedral de São Vito. Com uma arquitetura gótica e detalhes únicos em cada canto, seus vitrais enormes e coloridos e estátuas de santos e gárgulas monumentais, ganhou o prêmio de Igreja Tcheca Favorita do Ger. Tudo nela é maravilhoso e acredito que as fotos abaixo falem isso melhor que minhas palavras.

Frente da catedral

Fundos da catedral


Água da chuva é "vomitada" por gárgula da catedral

Vitral


   No meio da tarde, fui pro centro histórico com a idéia de conhecer o museu do Kafka (sou fã declarado dele há anos). Só que, mais uma vez, havia um problema: existiam três museus do Kafka no centrão - e os três diziam que ali havia sido o único lugar onde ele havia morado. Resumo da história, deixei o Kafka pra lá e fui tomar um banho de chuva vendo o resto do centro (leia-se igrejas, prédios antigos e algumas outras poucas coisas mais). Todavia, não tenho o que reclamar. Praga tem igrejas fenomenais a cada 500 metros e todas valem a pena ser vistas e, quando autorizado, fotografadas. Tudo que brilha lá é ouro mesmo e os turistas, geralmente, respeitam.

Ger e Charles Bridge, ao fundo


Centro histórico de Praga

   No fim da tarde, faltava uma igreja em especial: a Igreja do Menino Jesus de Praga. Eu havia prometido pros meus pais que iria até lá. Eles haviam visitado o lugar há alguns anos e juraram que não existia igreja mais maravilhosa. E valeu a pena a visita mesmo! A igreja é miudinha, e não tem tanta grife quanto outras igrejas, então os turistas lá eram minoria. Havia mesmo era uma grande quantidade de devotos. Peguei o fim de uma missa em italiano e depois fiquei liberado pra fotografar tudo.

Imagem de Menino Jesus entre Maria e José (e muito ouro)

Close no Menino Jesus

Estátua maneira

   Ensopado por conta do temporal que caía incessantemente nas últimas horas, voltei pro albergue antes de anoitecer. Aproveitei pra lavar roupas, descansar e jantar outro banquete por módicos 8 euros. Ao ir embora, troquei de moeda de novo, e recebi uns 15 euros de volta.


A SAGA

   Quando tracei meus planos do mochilão, tinha duas escolhas: ou eu conhecia Viena, na Áustria, e Veneza, na Itália ou eu ia pra Innsbruck, na Áustria, e Zurique, na Suíça. Acabei por escolher a segunda opção pra poder brincar na neve e andar em meio aos Alpes em Innsbruck e conhecer a Suíça. Por outro lado, pra fazer isso, eu ia ter de encarar quase que um dia inteiro de trem. Minha aventura começou na manhã do dia 19 em Praga.
   Peguei um trem bala sensacional de Praga à Viena e tudo parecia se encaminhar bem, mas eu sabia que qualquer atraso na minha primeira viagem poderia comprometer a segunda - pois eu pegaria um segundo trem de Viena até Innsbruck, e este trem partiria de outra estação. Quer dizer, pra eu trocar de trem, eu ia ter de cruzar Viena também - e em 30 minutos. Segundo as informações que eu havia catado na internet, o metrô de Viena levava 12 minutos pra me levar de uma estação à outra, mas esses 18 minutos que eu teria de "folga" eram muito relativos...
   Aos pouquinhos o trem que partiu no horário correto em Praga foi se atrasando e eu me angustiando. Chegamos à Viena 20 minutos atrasados e eu tinha 10 minutos pra estar do outro lado da cidade. Corri feito um louco pela estação e fui comprar uma passagem de metrô, mas não tinha ninguém no guichê. Era hora do almoço e não vi nenhuma maquininha de comprar passagens. Na cara dura (mas morrendo de vergonha e medo), embarquei no metrô sem pagar. Se um fiscal me pegasse, eram 80 euros de multa. Rezei pra não ser pego e chegar em tempo na outra estação. Não fui pego, mas perdi o trem ¬¬.
   O próximo trem pra Innsbruck era em duas horas. Aproveitei esse tempo pra avisar a guria que ia me hospedar em Innsbruck sobre meu atraso, comer uma pizza deliciosa, comprar um kit de canetas Bic pro meu diário de viagem e conversar com alguns torcedores do Liverpool, que estava na cidade pra um amistoso. Os torcedores eram fanáticos, mas muita gente boa - e vários conheciam o Grêmio. A partir dali, tudo voltou a dar certo e o resto da minha viagem foi tranqüila.


É BOM TU SABER

   A República Tcheca ainda não é país de primeiro mundo, contudo seu governo tem agido de forma objetiva e arrojada para se tornar um em breve. Embora ainda haja muito a ser melhorado, o governo viu que o caminho para uma evolução mais rápida da infra-estrutura e economia do país passa pela privatização de muitos serviços que até então eram entregues em péssima qualidade, como bancos e empresas de telecomunicações. Paralelo à isso, o investimento em educação sempre se manteve alto. Conseqüentemente, hoje o país já é considerado como “em desenvolvimento”, tem um Índice de Desenvolvimento Humano bem à frente do brasileiro – enquanto estamos na posição 75, eles estão na 36 – e já pleiteia uma vaga na União Européia.