domingo, 23 de janeiro de 2011

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 18: MADRI)


“A aventura é um caminho. A aventura real – auto-determinada, motivada e, por vezes, arriscada – lhe força a ter encontros diretos com o mundo. O mundo do jeito que é, e não do jeito que se imagina. Seu corpo vai colidir com a terra e você testemunhará. Desta forma você será obrigado a encarar a ilimitada gentileza e crueldade sem fim do ser humano – e talvez compreender que você é capaz de ambos. Isso mudará você. Nada será novamente preto e branco”. (Mark Jenkins)


   Fui de Barcelona pra Madri de AVE – que é, disparada, a melhor empresa de trem da Espanha. É tudo tri organizado, limpinho e confortável, tanto que tive que registrar.

 Vida mansa

   Eu havia combinado de ir pra casa da Inma, minha CS hostess na cidade, só no final do dia, portanto, após garantir minha passagem pra Bordeaux, larguei minha mochila na estação e fui dar uma banda nas redondezas da estação Atocha. A estação, aliás, é tri moderna e capaz de te conectar com qualquer canto da cidade e redondezas.


ARTE SINISTRA

   Ao sair da estação, descobri que ela era mais do que bem localizada. Há poucos minutos de caminhada dali ficam os principais museus da cidade – e nada mais convidativo que o ar-condicionado de um museu naquele calor de 35 graus. Optei pelo Museu do Prado, que tem pinturas e esculturas por todo o canto. Por um instante, pensei que já estaria de saco cheio de museus, porém, muito pelo contrário, aos pouquinhos, eu estava aprendendo a apreciá-los e, desta forma, nem vi o tempo passar. Destaco as obras O Triunfo da Morte, de Pieter Brueghel el Viejo, e todos os seus detalhes, e também a coleção Pinturas Negras , de Francisco Goya. Abaixo, separei as duas que curti mais: Velhos Tomando Sopa e Saturno Devorando um Filho.

O Triunfo da Morte (Fonte: Wikipédia; clique na foto para ampliá-la)
 
Saturno Devorando um Filho (Fonte: Wikipédia)

Dois Velhos Tomando Sopa (Fonte: Wikipédia)

   Sofri um pouquinho pra encontrar a casa da Inma, que era na periferia de Madri. Ela, desde o primeiro momento, mostrou ter um coração do tamanho do mundo. Pra começar, ela havia chegado de viagem naquele dia e, mesmo assim, se dispôs a dar teto pra mim. E foi além: também adotou uma americana por uns dias ao mesmo tempo. E fez mais ainda: se dispôs a ser minha guia, já que estava de férias.
   De acordo, fomos os três pra Rua Arenal, bem no coração de Madri. Ainda que fosse domingo, ela estava cheia – e não era de turistas. Paramos pra uma janta e experimentar sangría num barzinho local, bem antigo e tomado por torcedores fanáticos do Real Madri. Acho que esqueci de fotografar o lugar, mas era massa J. Ainda naquela noite, percorremos muitas ruas da cidade, alguns pontos turísticos e voltamos pra casa, já na madrugada, no último trem. Nunca como naquela noite um sofá de dois lugares me pareceu tão confortável.


GUIA DE LUXO
     
   Na manhã seguinte, a americana quis visitar umas amigas e eu acabei tendo uma guia particular e capaz de me contar a história de tudo o que visitamos. Nosso passeio começou pelo Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia  – que tem muita coisa contemporânea e experimental. E, pra minha alegria, várias obras do Salvador Dalí. A obra mais tri dele lá é O Homem Invisível. Também têm muita coisa de outros famosos da arte, contudo nada se compara a gigantesca e magnífica Guernica, do Pablo Picasso. Só que o Reina Sofia também recebe algumas exposições temporárias – e, para reforçar a teoria de que sou um cara de sorte, a daquela vez era uma coleção de escultras maneiras chamada Retrospectiva.

Retrospectiva

Guernica e seu sonolento segurança particular

O Homem Invisível

   Como ver artes também dá fome, fomos almoçar numas ruas pra trás do museu, onde vivem bastantes imigrantes e também algumas classes mais populares. Por 12 euros, comi até me fartar de carne, massa e papas bravas. Em seguida, testemunhei o que fizeram com toda a prata que levaram da América do Sul, pois fui ao Palácio Real de Madri. É proibido fotagrafar lá dentro, mas, resumindo, tudo de lá é em prata – e o que não é, foi feito de ouro ou porcelana. Simples assim. O que sobra é armadura.
   Naquele dia intenso, já com a americana entre nós, ainda tivemos tempo de ir à Plaza Mayor de dia, bem como ver a Catedral, o Parque do Bom Retiro e o anoitecer no Parque do Oeste . Desta vez, voltamos mais cedo, fizemos nossa janta e viramos a noite ouvindo da vida de cada um e discutindo caminhos para o mundo.
   Com o primeiro raio de sol da manhã seguinte, eu partia pra Bordeaux, na França. Era minha última parada antes de voltar pro Brasil. Aqueles trinta e poucos dias estavam passando voando.


É BOM TU SABER

   Fiquei menos de 48 horas em Madri. Entretanto, posso me dar ao luxo de dizer que consegui ver e sentir a cidade melhor que muito turista que passa muitos dias lá. O diferencial: o CouchSurfing, e por conseguinte a Inma. Só estando com alguém que mora na cidade, conhece os atalhos, os lugares interessantes, os menos e os mais movimentados, que tem interesses parecidos e boa-vontade para compartilhar o que sabe é que se pode ter uma experiência verdadeira de um lugar. Por essas e outras – já relatadas nos posts anteriores – que eu altamente recomendo viagens independentes e verdadeiras, como a que um mochilão proporciona.

sábado, 15 de janeiro de 2011

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 17: BARCELONA)

“Um barco num porto é seguro, mas não é pra isso que os barcos foram feitos”. (William Shedd)

   Na estação de Lyon, me disseram que se eu pegasse um trem até Montpellier, eu conseguiria depois chegar até Barcelona, pois lá tinha vários trens diretos pra cidade no verão. Mentira! O problema é que só descobri isso quando cheguei lá. O único trem que ia direto pra Barcelona estava lotado e tudo que eles conseguiriam fazer por mim, era me mandar pra Port Bou (hã?!) num trem regional (leia-se: pinga-pinga detonadaço). Depois, eu teria de torcer pra ainda haver um trem pra Barcelona naquele dia. Eu não tinha muito a perder, então topei. E como eu tinha um tempinho, tratei de reservar um albergue em Barcelona já praquela noite.
   No trem pra Port Bou, os bancos eram de madeira com o estofamento estourado. As janelas abriam, mas o calor permanecia incessante. Não havia fiscalização de passagens, ou seja, quem quisesse, embarcava – e o trem estava superlotado. No meu vagão, tinham três hippies franceses. Eles começaram comportados, mas ao longo das inúmeras paradas do trem (que tiveram como ápice uma parada numa estação em meio a um milharal) foram se soltando. Quando viram que o risco de um fiscal subir no trem na próxima estação era nulo, começaram a agitar. Desde cantar e dançar no meio do trem até tomar o rádio interno pra falar sabe-se lá o quê. Em dado momento, já no litoral francês, mas ainda longe de Port Bou, restavam apenas nós quatro no vagão. Fui forçado a virar amigo deles. E eles eram gente boa. Num inglês bem mais ou menos, me contaram alguns podres do governo francês e da aventura deles que começava ali: viajar dois meses pela Espanha com nenhum dinheiro no bolso e apenas uma mochila cada um. Eles iam assim, clandestinos e faceiros. Perto das 20:00, chegamos à Port Bou, território espanhol e nos despedimos. Eu tinha mais um trem pra pegar, eles iam dormir na praia.
   Cara de sorte que sou, cheguei 30 minutos antes do último trem pra Barcelona naquele dia. Era outro pinga-pinga, mas ia pra onde eu queria. Acabei chegando no albergue pouco depois das 23:00 no meu albergue, podre de cansado – mas não o suficiente pra não notar como eu já estava mudado, se comparado ao Germano que do início da viagem. Ao chegar no quarto, o italiano que dividiria o espaço comigo preparava calmamente seu baseado. Em outros tempos, eu iria me mudar de quarto na hora e nem olhar mais pro cara. Desta vez, sentei na minha e conversei uma meia hora com ele sobre qualquer coisa e nem liguei pro fato de ele se drogar. O problema era dele, afinal - e, apesar dos pesares, o Luigi era muito gente boa.




   Meu amigo maconheiro já tinha voltado da fiesta quando acordei, perto das 9:00. Comecei meu dia pela Sagrada Família – que é mais que uma igreja, é uma obra de arte gigantesca e ainda inacabada. Impossível não passar muitas horas catando cada pequeno detalhe desta maravilhosa criação de Gaudí – que seria, proporcionalmente, um Oscar Niemeyer catalão. Tem fila pra tudo, mas nada tão interminável que não valha a pena. Mesmo a longa espera pra pegar o elevador que leva ao ponto mais alto da igreja neogótica é válida. Acho que as fotos que seguem apenas reafirmam isso.


 De longe, parece um castelo de areia molhada

De perto, tudo se revela


Via Sacra

   Seduzido, dei uma olhada nas lojas de muambas que cercam a igreja depois do meu almoço – mas voltei pra realidade e achei tudo caro. Em seguida, outra passeio de metrô (que é limpo, organizado e seguro), e eu já estava em La Rambla, o centro da cidade. Ali, turistas, artistas de rua (uma mais tri que o outro) e ambulantes se aglomeram. Com a carteira num bolso confiável, pode-se passar um bom tempo admirando os artistas locais. Porém, eu queria praia. Desci até o mar e fui dar uma volta na marina local e depois me atirei na areia por uns instantes. Pra encerrar o dia, fui conhecer o Museu da História da Catalunha (leia mais na sessão É BOM TU SABER deste post).

Marina e Ger

   No cair da noite, peguei uma tortilla – que é uma espécie de panqueca recheada com batatas, presunto, queijo e muito ovo – e me mandei pro albergue. Pra minha grata surpresa, pela primeira vez, toda galera do albergue era amistosa e interagia uns com os outros. Adentrei a madrugada em meio a belas croatas e gente de todo o resto do mundo. Já tarde da madrugada, muitos separavam uns 200 euros e iam pras badaladas festas da cidade (onde apenas a entrada chega a custar 80, 100 euros).


FUTEBOL (E) ARTE

   Eu estava quase indo embora da Europa e ainda não tinha visitado nenhum estádio de futebol. Aquilo estava errado, portanto, juntamente com meus novos amigos do albergue, o Robert (australiano) e o Caique (paulista), fomos ao Camp Nou, do Barcelona. Custou 14 euros pra entrar e ter uma visita guiada, mas valeu! O estádio é de primeira e se visita ele todinho.

 
  
   Mas o melhor do passeio ao estádio foi a volta: paramos num boteco qualquer pra almoçar e com 11 euros cada um comemos um prato de fritas com bife de chorizo, uma mega paella (meio nojenta, mas deliciosa), salada, sorvete e refri. Sim, viajantes têm fome.

Juro que tava bom


   Depois cada um de nós tomou seu rumo. O meu foi subir as ladeiras íngremes que levam ao Parque Güell. As lombas são tão inclinadas que há escadas rolantes no lado das calçadas pra auxiliar o pessoal. Lá em cima, existem outras dezenas de obras do genial Gaudí e a vista mais linda da cidade. Passei breves horas por lá, curtindo a vista e o vento.

Lagarto clássico e concorrido

  
Ir embora pra quê?

   Com as bolhas do pés me destruindo novamente, me dei ao luxo de andar mais uma vez por La Rambla e jantar antes de voltar pro albergue. A noite, mais uma vez, foi pra lá de divertida, com inclusive, o staff do hotel se juntado a nós. Foram ótimos os meus dias por lá, mas eu devia seguir meu caminho. O próximo destino era Madri.


É BOM TU SABER

   Catalão parece gaúcho, acho que é por isso que me senti tão em casa lá. Eles são amistosos, pero no mucho. E o principal: são loucos de orgulhosos por serem catalães. Aliás, eles querem muito mais. Eles querem ser um país, assim como os gaúchos mais extremistas.
   Tudo isso não é por acaso. Eles têm uma forte influência história dos países do norte da África, dos árabes e, principalmente, da França em tudo. Eles não são simplesmente espanhóis e, portanto, não se sentem exatamente parte da Espanha.
   É muito fácil de identificar a identificação do povo com a sua história. Muitos dos moradores de Barcelona falam tanto o catalão quanto o espanhol – e vários ainda falam francês também. Pudera, os idiomas são parecidos. A palavra saída, por exemplo, em espanhol é salida, em francês é sortie e em catalão é sortida.
   Muito da história deste “país” dentro da Espanha pode-se ver e aprender indo ao Museu da História da Catalunha – que é muito interessante e moderno. Em três ou quatro andares, se remonta toda a história deste povo tão peculiar e diferenciado. Foi uma pena as fotos que bati lá terem ficado tão escuras. Em todo caso, ainda destaco que estudante não paga nada pra entrar, recomendo muito a visitação e suplico a quem for lár: visitem o restaurante do último andar. A vista de lá é incrível.