“Um barco num porto é seguro, mas não é pra isso que os barcos foram feitos”. (William Shedd)
Na estação de Lyon, me disseram que se eu pegasse um trem até Montpellier, eu conseguiria depois chegar até Barcelona, pois lá tinha vários trens diretos pra cidade no verão. Mentira! O problema é que só descobri isso quando cheguei lá. O único trem que ia direto pra Barcelona estava lotado e tudo que eles conseguiriam fazer por mim, era me mandar pra Port Bou (hã?!) num trem regional (leia-se: pinga-pinga detonadaço). Depois, eu teria de torcer pra ainda haver um trem pra Barcelona naquele dia. Eu não tinha muito a perder, então topei. E como eu tinha um tempinho, tratei de reservar um albergue em Barcelona já praquela noite.
No trem pra Port Bou, os bancos eram de madeira com o estofamento estourado. As janelas abriam, mas o calor permanecia incessante. Não havia fiscalização de passagens, ou seja, quem quisesse, embarcava – e o trem estava superlotado. No meu vagão, tinham três hippies franceses. Eles começaram comportados, mas ao longo das inúmeras paradas do trem (que tiveram como ápice uma parada numa estação em meio a um milharal) foram se soltando. Quando viram que o risco de um fiscal subir no trem na próxima estação era nulo, começaram a agitar. Desde cantar e dançar no meio do trem até tomar o rádio interno pra falar sabe-se lá o quê. Em dado momento, já no litoral francês, mas ainda longe de Port Bou, restavam apenas nós quatro no vagão. Fui forçado a virar amigo deles. E eles eram gente boa. Num inglês bem mais ou menos, me contaram alguns podres do governo francês e da aventura deles que começava ali: viajar dois meses pela Espanha com nenhum dinheiro no bolso e apenas uma mochila cada um. Eles iam assim, clandestinos e faceiros. Perto das 20:00, chegamos à Port Bou, território espanhol e nos despedimos. Eu tinha mais um trem pra pegar, eles iam dormir na praia.
Cara de sorte que sou, cheguei 30 minutos antes do último trem pra Barcelona naquele dia. Era outro pinga-pinga, mas ia pra onde eu queria. Acabei chegando no albergue pouco depois das 23:00 no meu albergue, podre de cansado – mas não o suficiente pra não notar como eu já estava mudado, se comparado ao Germano que do início da viagem. Ao chegar no quarto, o italiano que dividiria o espaço comigo preparava calmamente seu baseado. Em outros tempos, eu iria me mudar de quarto na hora e nem olhar mais pro cara. Desta vez, sentei na minha e conversei uma meia hora com ele sobre qualquer coisa e nem liguei pro fato de ele se drogar. O problema era dele, afinal - e, apesar dos pesares, o Luigi era muito gente boa.
Meu amigo maconheiro já tinha voltado da fiesta quando acordei, perto das 9:00. Comecei meu dia pela Sagrada Família – que é mais que uma igreja, é uma obra de arte gigantesca e ainda inacabada. Impossível não passar muitas horas catando cada pequeno detalhe desta maravilhosa criação de Gaudí – que seria, proporcionalmente, um Oscar Niemeyer catalão. Tem fila pra tudo, mas nada tão interminável que não valha a pena. Mesmo a longa espera pra pegar o elevador que leva ao ponto mais alto da igreja neogótica é válida. Acho que as fotos que seguem apenas reafirmam isso.
De longe, parece um castelo de areia molhada
De perto, tudo se revela
Via Sacra
Seduzido, dei uma olhada nas lojas de muambas que cercam a igreja depois do meu almoço – mas voltei pra realidade e achei tudo caro. Em seguida, outra passeio de metrô (que é limpo, organizado e seguro), e eu já estava em La Rambla, o centro da cidade. Ali, turistas, artistas de rua (uma mais tri que o outro) e ambulantes se aglomeram. Com a carteira num bolso confiável, pode-se passar um bom tempo admirando os artistas locais. Porém, eu queria praia. Desci até o mar e fui dar uma volta na marina local e depois me atirei na areia por uns instantes. Pra encerrar o dia, fui conhecer o Museu da História da Catalunha (leia mais na sessão É BOM TU SABER deste post).
Marina e Ger
No cair da noite, peguei uma tortilla – que é uma espécie de panqueca recheada com batatas, presunto, queijo e muito ovo – e me mandei pro albergue. Pra minha grata surpresa, pela primeira vez, toda galera do albergue era amistosa e interagia uns com os outros. Adentrei a madrugada em meio a belas croatas e gente de todo o resto do mundo. Já tarde da madrugada, muitos separavam uns 200 euros e iam pras badaladas festas da cidade (onde apenas a entrada chega a custar 80, 100 euros).
FUTEBOL (E) ARTE
Eu estava quase indo embora da Europa e ainda não tinha visitado nenhum estádio de futebol. Aquilo estava errado, portanto, juntamente com meus novos amigos do albergue, o Robert (australiano) e o Caique (paulista), fomos ao Camp Nou, do Barcelona. Custou 14 euros pra entrar e ter uma visita guiada, mas valeu! O estádio é de primeira e se visita ele todinho.
Mas o melhor do passeio ao estádio foi a volta: paramos num boteco qualquer pra almoçar e com 11 euros cada um comemos um prato de fritas com bife de chorizo, uma mega paella (meio nojenta, mas deliciosa), salada, sorvete e refri. Sim, viajantes têm fome.
Juro que tava bom
Depois cada um de nós tomou seu rumo. O meu foi subir as ladeiras íngremes que levam ao Parque Güell. As lombas são tão inclinadas que há escadas rolantes no lado das calçadas pra auxiliar o pessoal. Lá em cima, existem outras dezenas de obras do genial Gaudí e a vista mais linda da cidade. Passei breves horas por lá, curtindo a vista e o vento.
Lagarto clássico e concorrido
Ir embora pra quê?
Com as bolhas do pés me destruindo novamente, me dei ao luxo de andar mais uma vez por La Rambla e jantar antes de voltar pro albergue. A noite, mais uma vez, foi pra lá de divertida, com inclusive, o staff do hotel se juntado a nós. Foram ótimos os meus dias por lá, mas eu devia seguir meu caminho. O próximo destino era Madri.
É BOM TU SABER
Catalão parece gaúcho, acho que é por isso que me senti tão em casa lá. Eles são amistosos, pero no mucho. E o principal: são loucos de orgulhosos por serem catalães. Aliás, eles querem muito mais. Eles querem ser um país, assim como os gaúchos mais extremistas.
Tudo isso não é por acaso. Eles têm uma forte influência história dos países do norte da África, dos árabes e, principalmente, da França em tudo. Eles não são simplesmente espanhóis e, portanto, não se sentem exatamente parte da Espanha.
É muito fácil de identificar a identificação do povo com a sua história. Muitos dos moradores de Barcelona falam tanto o catalão quanto o espanhol – e vários ainda falam francês também. Pudera, os idiomas são parecidos. A palavra saída, por exemplo, em espanhol é salida, em francês é sortie e em catalão é sortida.
Muito da história deste “país” dentro da Espanha pode-se ver e aprender indo ao Museu da História da Catalunha – que é muito interessante e moderno. Em três ou quatro andares, se remonta toda a história deste povo tão peculiar e diferenciado. Foi uma pena as fotos que bati lá terem ficado tão escuras. Em todo caso, ainda destaco que estudante não paga nada pra entrar, recomendo muito a visitação e suplico a quem for lár: visitem o restaurante do último andar. A vista de lá é incrível.
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