sexta-feira, 18 de março de 2011

SANGUE MELADO NUMA QUINTA-FEIRA DOZE


   Fazia exatamente um mês que eu tinha começado a trabalhar. Era uma bela véspera de sexta-feira treze, no longínquo Novembro de 2009. O relógio marcava 23:30 e eu falava com minha mãe ao telefone enquanto passava mel em algumas fatias de pão. Mais uma noite na vida de alguém que morava sozinho e não tinha saco pra preparar algo decente pra comer naquele horário.
   Era chegada a hora de tampar o pote de mel sem para de falar no telefone. Tarefa aparentemente fácil, mas que exigia uma concentração muito acima daquela que dediquei. Resultado: meus dedos melados escorregaram no pote, que por sua vez rodou sobre si mesmo por uns dez centímetros em direção à parede, chocou-se contra a mesma e estourou. O que se sucedeu nos segundos que seguiram o crash! foi:

Ger: PQP! Quebrei o pote de mel, mãe.
Mãe: Te cortou?
Ger: Não. Peraí... Putz, tô vendo sangue. Me cortei sim. Já te ligo, tchau.

   Uma quantidade de sangue que eu nunca tinha visto antes jorrava dos meus dedos. Shit!




E AGORA, JOSÉ?
    
   Tenho pavor de sangue. Por isso, pensei: Germano, não te desespera. Se tu desmaiar, ninguém vai te acudir. Tu mora sozinho. Te vira!
   Corri por lavabo e no que me virei pra molhar minha mão na pia, chuá!! Sangue voando na parede. Uma delícia.
   A água em contato com os dedos cortados ardia horrores. Entretando, eu precisava ver o que tinha acontecido. Só que eu não parava de sangrar. Resolvi então tentar estancar o sangue com uma toalha. Doía, mas era o jeito. Sentei no sofá e liguei pra casa:

Ger: Oi, mãe, tá tudo bem. Só cortei um pouquinho o dedo.
Mãe: Tá tudo bem mesmo?
Ger: Sim, pode dormir. Até amanhã.

   Na frente da tevê, segurando a toalha de rosto do lavabo firmemente contra meus dedos cortados, sentia minha pulsação a mil por hora. Tentei me acalmar vendo o Jornal da Globo (pode?!). Passados uns quinze minutos, meus dedos seguiam latejando. Tirei a toalha pra espiar o machucado (até porque eu podia ainda ter vidro nos dedos). O porém: a droga da toalha tinha grudado na carne viva. Aaaaaaaahhhh! Nem olhei direito. Botei a toalha de volta e assisti a mais uns dois blocos do noticiário.
   Acabou o jornal. Eu já estava mais calmo e começando a raciocinar, ainda que devagar. Refleti rapidamente sobre o quão ridículo foi o meu acidente e fui pro meu banheiro decidido a tirar (ou desgrudar) a toalha dos dedos, colocar uns band-aids no machucado que eu ainda não tinha visto direito e ir dormir. Arranquei a toalha. Aaaaaaaahhhhh! Sangue. Coloquei o dedo debaixo da torneira. Aaaaaaaaahhhhh! Pelo menos vi o que tanto ardia: tava me faltando um pedaço do dedo anelar direito, do lado da unha.




RUN FOR YOUR LIFE!

    Ainda tentei colocar uns band-aids, mas não consegui. A sangueira não parava – mas eu já estava me conformando com isso. Decidi que já tinha passado da hora de eu ir pro HPS (Hospital de Pronto Socorro) de Porto Alegre. Chamei um táxi e desci com o dedo novamente enrolado na toalha, uns band-aids e um algodão. Mutilado de primeira viagem, pedi pro porteiro do prédio me ajudar a fazer um curativo improvisado pra eu poder abandonar a toalha. Não funcionou. Pra piorar, o táxi ainda demorou longos dez minutos. E quando chegou foi assim:

Taxista (gritando): Meu Deus! Tu tá sangrando, cara!
Ger: Tõ, mas tá tudo bem.
Taxista (com os olhos arregalados): Caiu um dedo teu?!
Ger: Quase, hehe. Foi só um pedacinho, mas tá sangrando bastante.
Taxista (acelerando): Vamos pro HPS!!

   Fomos (à 80 km/h na Av. Osvaldo Aranha). Cheguei lá em tempo recorde.

Taxista: Nem precisa me pagar, meu. Só vai lá!
Ger: Capaz, só espera um pouco porque só tenho uma mão pra pegar o dinheiro.
Taxista: Vai lá! Vai lá!

   Fui. E, pra minha surpresa, o atendimento foi rápido e eficaz. Em menos de dois minutos eu já estava sentado numa maca recebendo meu atendimento. Ao meu lado, um bêbado fedido esticado numa maca dormindo. Do outro, um cara com um corte monstro na cabeça e um braço enfaixado também dormindo. Diante de mim, um médico bem-humorado:

Médico: Mas tu tirou uma "napa" do dedo!
Ger: Pois é.
Médico: Foi com faca?
Ger: Pior. Foi com mel...

   Explicada a história, o médico limpou o local e optou por não suturar meus dois dedos cortados por não haver pele disponível pra isso. Por outro lado, fez um curativo monstro, que deveria ser trocado diariamente até os machucados cicatrizarem e me mandou tomar Tylenol pra dar uma reduzida na dor. Com a promessa que meus dedos um dia voltariam ao normal, agradeci, não precisei pagar nada e fui pra casa.
   Era 1:20 do dia seguinte, uma sexta-feira treze, é bom lembrar quando cheguei em casa. Minha adrenalina ainda estava nas alturas e eu não tinha sono algum. As marcas do acidente doméstico estavam por tudo que é canto. O que fazer? Registrar tudo e um dia publicar no blog, ora bolas! Tcharam!!


Lavabo. Destaque o sangue jorrado na parede. Chuá!
 
Cenas do Crime
 
Servidos?
 
   Resumindo o fim desta história semi-dramática, trabalhei normalmente no dia seguinte (por opção), fiz curativos em ambulatórios por uns dias, depois pude, finalmente, usar meus band-aids e, por fim, meu dedo voltou ao normal. Hoje em dia, somente armazeno mel em potes de plástico.

sábado, 12 de março de 2011

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 20: FINAL)


“Nossas malas detonadas estavam empilhadas na calçada novamente; nós tínhamos longos caminhos a seguir. Mas sem problemas, a estrada é a vida.” (Jack Kerouac, meu guru)

   Liberdade e ter histórias pra contar. Eis dois objetivos com os quais a grande maioria dos jovens (independentemente de sua idade) simpatiza. Ainda que poucos reflitam sobre estes objetivos e outros raros os busquem, cada qual da sua maneira, pouca coisa ainda consegue inquietar a nós, os jovens, como perguntas do tipo Tu é livre? e Qual é o teu legado?
   Juro que pouco pensava nisso até 2005, mas, conforme relatado no primeiro capítulo desta série de relatos sobre meu mochilão pela Europa, as coisas começaram a mudar justamente quando saí de casa e peguei a estrada da vida. Depois de várias experiências de mundo real, uns livros, algumas viagens mais profundas, músicas mais (ou menos) sensatas, pessoas com idéias diferentes e alguns surtos existenciais de pequeno porte, comecei a ter estas questões me martelando numa freqüência crescente. Não sei se isso tudo deveria ter vindo tão cedo na minha cabeça, mas, se não, acredito que tive sorte em ter sido precoce. E, sendo assim, na busca por seguir na construção das minhas respostas e na elaboração de novos questionamentos, decidi ir pra Europa de mochila nas costas ver se na volta tudo ficaria um pouco mais claro.
Ficou.

AIN´T NOTHING LIKE THE REAL THING, BABE
   Nunca tive dúvida sobre o valor de uma viagem e o quanto uma viagem pode mudar uma pessoa. Saindo do ambiente rotineiro, qualquer acontecimento tem outra conotação e impacto. A Martha Medeiros diz que isso acontece porque a gente deixa de ser chato quando viaja. Concordo. Contudo, depois de pensar um pouco sobre isso ao longo dos 39 dias em solo europeu e uns 390 depois daqueles 39, faço questão de completar: o desafio é continuar assim ao voltar pra casa. E como fazer isso? A viagem não pode acabar.
   Esse talvez tenha sido o meu maior aprendizado ao mochilar. Quando se viaja, especialmente quando se mochila só e com objetivos claros, nosso olhar tende a ficar mais aguçado e a mente mais disposta a questionar, comparar e criar. E quando a viagem acaba isso pode (e deve!) continuar. Não há nada que te obrigue a ser novamente complicado. Na minha situação, um viajante solitário, estas análises, pensamentos e questionamentos iam e voltavam na minha cabeça intensamente até que uma hora eu me via obrigado a externá-los para pessoas desconhecidas, sem ter a mínima noção de como uma idéia será rebatida. Fiz isso via CouchSurfing, conversas aleatórias em trens, restaurantes, filas... E (pasme!) foi daí que surgiu a segunda grande descoberta da minha viagem: pessoas totalmente fora da minha realidade são tão (ou mais) legais que aquelas que têm muito em comum comigo. Construí boas teorias para meus questionamentos com a ajuda de desconhecidos que hoje são bons amigos.

ENVELHECI 10 ANOS OU MAIS NESTE ÚLTIMO MÊS
   O grande diferencial do meu mochilão europeu foi exatamente conhecer os desconhecidos dos lugares que eu também desconhecia. Além de ter aprendido horrores sobre tudo que visitei, amadureci, levei ensinamentos muito mais profundos e maravilhosos pra minha vida inteira e compreendi que seria egoísmo puro se os mantivesse apenas para mim.
   Ainda que eu quisesse listar ou discorrer sobre tudo o que aprendi com estas pessoas que caíram de pára-quedas na minha vida ao longo da viagem, não haveria espaço e nem possibilidade ou mesmo razão para traduzir isso em palavras. Porém, apenas pra ficar em alguns exemplos, eu poderia citar a gratidão que sinto pela Anne por ela ter me recebido no seu apartamento de 18m² e também pela Nastasia e sua família por terem me tratado como um Stein de sangue em Bruges, bem como o quanto pude refletir e aprender sobre as barbáries que a indiferença pode causar ao conhecer Berlim inteira sobre duas rodas com o Thomas e da Katja, sem contar as lições de desprendimento que tomei com o David em Zurique ou explicitar de forma digna a forte pulsação de sentimentos que a Federica que me fez sentir em cerca de duas horas no interior da Itália. Deste modo, aprendi também que muitas respostas e novas perguntas podem começar através de uma simples ação, como um corajoso ato de gentileza para com um desconhecido ou dando a cara à tapa na vida, buscando alcançar um sonho, pois o pior que pode acontecer é não dar certo de primeira. Daí é só tentar de novo.

O INÍCIO DEPOIS DO FIM
   OK, Germano, mas tu não ficou deprimido depois de voltar pra casa e encarar tua rotina novamente e ver que todas estas experiências fantásticas agora ficaram pra trás? Sim – e às vezes ainda fico. Mas daí eu me lembro dos meus questionamentos do início deste post e do quão mais próximo eu cheguei das suas respostas até agora. E quando isso ainda não basta, faço um pouco mais de força e me recordo que uma viagem nunca termina, afinal “a estrada é a vida”.

Última foto em solo europeu - Bordeaux, 04/08/2009