terça-feira, 25 de outubro de 2011

INDIADA COM UMA INDIANA

   Teve uma vez que uma indiana que trabalhava comigo veio pro Brasil. Como nos falávamos pouco, fui descobrir que ela estava por aqui na véspera do seu retorno à Índia. Ainda assim, fiz questão de conhecê-la pessoalmente e me dispôr a dar uma mão pra ela na cidade, caso fosse necessário.
   No final da nossa reunião, perguntei o que ela estava achando de Porto Alegre.
Indiana: Guerrrrmano, os brasileiros não me entendem. Quase não passei na imigração porque ninguém fala inglês direito por aqui.
Ger: Sério? (leia-se “Ah, vá! Nem tu.”) Como que ninguém compreende o teu inglês?
Indiana: Sim. Depois o pessoal da companhia aérea não conseguia me explicar pra onde eu tinha que ir pra pegar o vôo pra Porto Alegre. Isso sem contar a dificuldade que é pra pegar táxi...

   As lamentações seguiram e acabei me oferecendo pra ajudá-la no aeroporto no dia seguinte. Eu tinha a esperança de aprender algo legal sobre o país dela enquanto fazia um ato de caridade. O vôo sairia às 19:00 e ela tinha que estar duas horas antes no aeroporto. Assim, combinamos de sair direto do trabalho pra lá, às 16:30.


A PERIGRINAÇÃO
   Eram 15:30 quando ela me chamou no messenger dizendo que o táxi já estava nos esperando. Estranhei, mas fui encontrá-la.
Indiana: Vamos, Guerrrrmano?
Ger: OK, mas por que tão cedo?
Indiana: É que tenho medo de perder o avião.
Ger: (“Ao menos vou mais cedo pra casa”) Não tem problema. Essas duas malas grandes são tuas?!
Indiana: Sim, Guerrrrmano.
Ger: Tudo isso são compras?
Indiana: Não comprei nada. Ninguém fala inglês nessas lojas.
Ger: Então tudo isso veio contigo da Índia pra tu passar cinco dias aqui?!
Indiana: Não entendi... Venha! O táxi já está na rua nos esperando.
Ger: Aquilo não é um táxi. Aquilo é um carro prateado com um cara dentro. Os táxis daqui são de outra cor. De onde tu tirou esse taxista?
Indiana: Claro que ele é taxista. É de lá do meu hotel. Ele que me trouxe aqui todos os dias. O Gerente do hotel, que fala inglês, chama o “táxi” e eu negocio a corrida com o próprio “taxista”.
Ger: Hum... Deixa pra lá. Vamos nessa!

   Chegamos ao aeroporto. O “taxista” até que arranhava um inglês, porém, estranhamente, desta vez não quis cobrar a corrida. Apenas tirou as malas do carro e desapareceu.
Indiana: Ih, ele se esqueceu de nos cobrar a corrida!
Ger: Não é bem assim...

   Encarnei o sociólogo e expliquei pra ela a Lei de Gerson enquanto fazíamos o check-in. Demoramos muito mais que o normal pra fazer todo o ritual de embarque. Começou com a indiana não encontrando o seu código verificador, seguiu com o sistema da empresa aérea não encontrando o complicadíssimo nome dela no sistema e terminou quando fomos atendidos por seres humanos no balcão. Despachada a bagagem, ingenuamente pensei que era a hora de despachar sua dona.
Indiana: Guerrrrrrrmano, tenho fome; me ajuda a comprar alguma coisa?
Ger: Shit! Digo, claro. O que tu quer?
Indiana: Qualquer coisa... Mas lembre que eu sou vegana.

   Então não é “qualquer coisa”, droga! Ser vegana no Rio Grande do Sul já deve ser foda. Agora, encontrar comida pra uma vegana num aeroporto onde quase só há fast-food pra vender é muito mais complicado. Reviramos a praça de alimentação em busca de algo que não fosse contra a religião e filosofia de vida da criatura. Nada de frango, nada de queijo (imagina uma vida sem queijo!!), nada de sorvete. Até que depois de esgotarmos todas as possibilidades fiz a cabeça dela: batata-frita do McDonald's. Não era algo que se pudesse chamar de “refeição”, mas matava a fome sem agredir os princípios dela.
Atendente: E o que ela vai querer beber?
Ger: Pode ser Coca?
Indiana: Não. Eu não bebo refri.
Ger: Água?
Indiana: Água eu não quero.
Ger: Suco?
Indiana: Não sei...
Ger: Ela vai querer suco de laranja.


O KARMA
   Pensei em sair correndo, mas achei mais correto esperar ela comer e despachar ela pra Índia. Logicamente, ela levou séculos pra comer aquela batatinha média. E o pior: todas as minhas esperanças de ouvir alguma coisa extremamente profunda e/ou exótica sobre a Índia, o hinduísmo, elefantes e vacas sagradas, Shiva, Tantra, Bollywood, whatever foram desaparecendo. A indiana nunca falava muito e, ainda por cima, era muito vingativa com seus questionamentos filosóficos.
Indiana: Guerrrrrrrrrrrrrrrmano, por que poucos brasileiros sabem falar inglês?
Ger: Hã?
Indiana: Por que vocês brasileiros não falam inglês entre si no trabalho, Guerrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrmano?
Ger: ?!
Indiana: Guerrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrmano, como que vocês preferem futebol e não críquete?

   Eu já estava ficando louco com aquele sotaque cheio de “rrrrrrrr” e minhas respostas foram novamente encarnando um sociólogo – só que desta vez meio Gilberto Freire meio Analista de Bagé. Afinal, os meus planos de fim de expediente antecipado estavam ruindo e aquilo tudo não estava nos meus planos.
Indiana: Acabei.
Ger: Gostou do suco?
Indiana: Muito bom, mas na Índia têm uns melhores.
Ger: Sem dúvida... Vamos embarcar?
Indiana: Daqui a pouquinho. Preciso que tu me ajude a comprar um presente pro meu filho com minhas últimas cédulas de Real?
Ger: Quê?!
Indiana: Meu filho tem oito anos e adora o Kaká. Ele joga aqui em Porto Alegre?
Ger: Não.
Indiana: Tem time de futebol aqui pelo menos?
Ger: Tem dois. Um vermelho e um azul.
Indiana: Qual time é o melhor?
Ger: O azul, com certeza.
Indiana: Vou comprar uma camiseta pra ele... Custa tudo isso?!
Ger: Preços de aeroporto, minha cara.
Indiana: Acho que vou comprar uma bola então... Acho que o preço tá errado. Olha só que caro.
Ger: O preço é esse mesmo.
Indiana: Ah, então não vou levar presente pro meu filho.
Ger: Vai embarcar então?
Indiana. Não. Vou nas outras lojas ver alguma coisa pra mim.

   Oh, God. A indiana e seu paciente e arrependido tradutor zanzaram um tempão pelo aeroporto em busca de alguma bugiganga que a interessasse. Numa das últimas lojas, ela encontrou:
Indiana: Vou levar isso aqui.
Ger: Tu sabe o que é isso aí?
Indiana: Uma escultura, eu acho.
Ger: Não. Isso é um kit de fazer caipirinha (como esse ao lado).
Indiana: O que é “caipirinha”?
Ger: Uma bebida alcoólica.
Indiana: Minha religião não me permite beber álcool.
Ger: E...
Indiana: Vou levar do mesmo jeito. Achei o kit bonito.


   Já tinha passado das 18:00 quando ela saiu da loja com apenas umas moedas de Real ainda. Notei que a movimentação no aeroporto enfim havia iniciado.
Ger: Acho que é melhor tu entrar na fila. Agora começa a trancar tudo e quem não está no portão de embarque perde o vôo.
Indiana: Será? É tão cedo...
Ger (já colocando ela na fila): Seríssimo! É melhor tu embarcar cedo do que correr o risco de perder teu vôo pra casa, né?
Indiana: Hmm... Verdade. Mas antes de embarcar eu queria te dar esse presente por tu ter me ajudado hoje, Guerrrrrmano.

   Na hora me veio aquele sentimento de culpa, por eu ter sido meio grosseiro e tudo mais. Era uma caixinha vermelha de papelão, bem simples, de onde tirei um chaveiro de tartaruga feito de madeira. Eu me senti o pior ser do planeta. Finalmente algo exótico havia partido daquela indiana.
Ger: Que legal! Obrigado.
Indiana: De nada.
Ger: O que significa esta tartaruga?
Indiana: Nada.

   Foi o “nada” com o maior desdém que alguém pode dar. Como assim “nada”? Foi uma tartaruga de madeira dada por uma indiana. Será que ela não notou o que aquilo poderia simbolizar? O que eu mais queria naquele momento era ouvir uma mentira. Queria escutar que aquilo significava a busca pelo nirvana, a paz mundial, o eu-lírico de uma tartaruga mística ou o fim da greve de fome de Gandhi. Tudo menos “nada”! Frustração pura.

   Depois disso, só me restou despachar a indiana – ainda com alguma educação – e tomar meu busão pra casa. Eu estava azedo, porém na medida em que voltei a respirar normalmente, um sentimento de dever cumprido foi brotando, pois, querendo ou não, eu havia feito a minha boa-ação do dia, talvez do mês. A raiva estava quase passando. Só que daí eu tirei o meu presente do bolso, olhei praquela caixinha vermelha de papelão uma última vez e li as letrinhas miúdas: Made in China



sábado, 15 de outubro de 2011

BUENOS AIRES, LA CIUDAD DE LA FURIA*

   Minha experiência em Buenos Aires no ano de 2009 não havia sido muito legal, mas depoimentos de diversas pessoas me fizeram acreditar que a cidade ia além do que eu já tinha visto. Somado a isso, eu estava estudando espanhol já há um bom tempo e, naturalmente, estava muito mais interado e interessado pela cultura deste povo. Portanto, fiquei bem feliz quando meu pai comprou um pacote de quatro dias na capital argentina pra família. O pacote era simples: passagem, hospedagem e um city tour. O resto do tempo era livre. Quer dizer, mesclava o conforto que meus pais não abrem mão com a liberdade que eu gosto de ter quando viajo. Tudo ia ser diferente! Assim, numa bela quarta-feira de 2010, pegamos um vôo noturno lotado de turistas gaúchos rumo à Buenos Aires.
   Chegamos no meio da madrugada na cidade e nem por isso a cidade deixou de já parecer interessante. Havia muitas pessoas pelas ruas durante todo o percurso até o hotel. Fosse trabalhando, indo ou voltando de uma festa ou simplesmente reunidos com sua galera numa praça qualquer. Entretanto não pude refletir muito mais que isso, estava podre de sono.
    O city tour já era no primeiro dia, no início da tarde. Como não podíamos ir pra muito longe, pois logo deveríamos estar de volta pra pegar o busão do passeio, ficamos nas redondezas do hotel adiantado as compras tradicionais: alfajores de todos os tipos e tamanhos e Gilletes Mach 3 (custam uns 60% menos). Depois demos um bom passeio pelo Shopping Abasto – que fica um pouco mais longe dos pontos turísticos e talvez por isso tenha preços bem mais razoáveis.

Flagrado devorando um Mostaza

Toda cidade do mundo deveria ter um Freddo

   Pronto! Já estava na hora do city tour. Não para minha surpresa, foi exatamente da mesma forma que da outra vez: olha-se quase tudo de dentro do ônibus, os colegas de excursão ficam fazendo câmbio com o guia, que por sua vez não conta nada dos lugares que estamos passando e só paramos no Caminito (que é um lugar para bater fotos, comprar lembrancinhas e jurar que aquilo é a cara da Argentina). Enfim, bati a minha foto também.

Cachorro elegante

   Obviamente, o passeio acabou num outro destino tradicional e de compras: a Calle Florida, que é uma rua de comércio popular – e que cada vez mais é habitada por turistas brasileiros.. Andamos por lá também, mas já com a consciência de que o bairro do nosso hotel oferecia preços melhores. Acabamos a noite em um dos tantos deliciosos restaurantes de Puerto Madero, o bairro mais recente e moderno da capital argentina.


LO QUE ME UNE CON LA CIUDAD DE LA FURIA
   Agora a viagem ia começar!! Sem turistas, sem roteiros padronizados, sem tempo cronometrado pra cara atividade. Apenas nossa vontade de tentar sentir a Buenos Aires dos argentinos e um Lonely Planet com as melhores dicas em mãos. Nosso primeiro destino foi onde o busão do dia anterior não quis parar: a Casa Rosada e seus arredores, como a Catedral e o Cabildo. Na verdade, a morada da senhora Kirchner não chama tanto a atenção como a constante movimentação das Madres de La Plaza de Mayo. De resto, a Catedral era o único lugar “visitável” naquele momento e confesso que gostei mais que da outra vez que estive por lá. É, de fato, uma escultura gigantesca.
 Família faz pose diante do lar dos Kirchner

Pena que não dava pra fotografar lá dentro

   De lá fomos a pé até o Congresso, que não é muito longe. E é agradável caminhar por Buenos Aires. A cada pouco há um café, as ruas são, de uma forma geral, limpas e com placas indicando seus nomes e os motoristas não buzinam sem razão. E apenas caminhando pela cidade é que se pode parar e observar como vivem os locais, encontrar um graffiti, analisar a arquitetura de um prédio antigo ou mesmo encontrar uma feirinha alternativa.


Ruas enfeitadas para a Copa do Mundo

 Paseo de la Resistencia

Ya!

Dog walkers

¿Lindo, no?

Isso é Argentina.

   O Congresso argentino está localizado num prédio imponente, tal qual o americano. Pra nossa sorte, chegamos na hora de uma visita grátis e guiada. As dependências do prédio são tão velhas quanto seu exterior, porém conservam um certo charme e transbordam história.

O Pensador, de Rodin, e o  Congresso

Plenário no breu

   O almoço já foi na hora do lanche e foi uma delícia. Pra variar, carne e batata-frita. Os argentinos não variam muito sua dieta, porém sabem o que é bom. O resto da tarde foi dedicado às compras na Avenida Corrientes, que, nas quadras longe da Avenida 9 de Julio (a principal da cidade), tem preços para argentinos. Recomendo muito a Bross Boarding e a Soho.

 Uns três ou nove pombos habitam a Corrientes


NADIE SABE DE MI Y YO SOY PARTE DE TODO
   O sábado foi focado no bairro Palermo. A região é muito simpática e tem bastante áreas verdes. Começamos pelo Jardim Botânico, que é pequeno, mas vale a visita. Contudo, o mais legal foi passear no Zoológico. Por mais infantil que isso possa soar, zôos sempre são divertidos – sem contar que lá havia bichos diferentes. Ver um urso polar e um tigre branco de pertinho é o máximo!

Escultura por mim batizada: Pegadinha do Malandro!

 Eu abraçaria ele

Esse não

   Almoçamos uma pizza deliciosa num barzinho nas redondezas e seguimos ao Parque Tres de Febrero e ao Jardín Japonés, que é anexo ao primeiro. Mais legal que os parques, só constatar a plena sensação de segurança e tranqüilidade que os hermanos sentem ao andar por lá mesmo quando anoiteceu e o senso de comunidade que têm e demonstram. Eles pertencem àquele lugar. Não havia nada depredado – nem nos parques e nem no resto da cidade.

Corda bamba

Ninjas

Jardín Japonés


ME VERÁS VOLVER
   O último dia em Buenos Aires foi tri legal. Pela manhã, fomos na famosa Feria de San Telmo, onde artesãos locais e ambulantes fazem a festa vendendo suas bugigangas a preços módicos. O almoço já foi no elegante bairro Recoleta, onde comi uma inesquecível panqueca de maçãs com chocolate e sorvete e depois visitei o cemitério local. Juro que pensava que era sem-graça passear por cemitérios. Talvez em outros sejam, mas aquele não. Não há aquele clima pesado de outros cemitérios e as lápides são puras obras de arte. 



Apenas uma amostra da beleza deste lugar

   Ainda deu tempo pra passarmos numa outra feirinha dominical de artesanato, olhar de relance um show de uma banda punk que do nada começou a tocar no meio da galera que fazia piquenique e ver o entardecer na Plaza de las Naciones Unidas, que tem como maior monumento a Floralis Genérica.

 "Não pisca desta vez, Germano!"

"Por la luz del sol se derriten mis alas"

   Com tanta coisa bacana que fizemos, vimos e sentimos, encarar o vôo de volta às quatro da manhã não foi tão sofrido assim. Voltei de Buenos Aires encantado e louco pra retornar à capital argentina. A cidade é gigantesca, mas funciona. As pessoas, embora um pouco mais orgulhosas que o pessoal do interior argentino, são, sim, gentis. Elas não têm muita paciência com quem espera ser compreendido em português e não se esforça pra falar o idioma deles, no país deles. Aí eu até concordo com eles. E por tudo isso declaro, Buenos Aires: me verás volver!



* Os títulos e subtítulos deste post são citações de En la Ciudad de la Furia, música daquela que é a minha banda argentina favorita, a Soda Stereo. Ainda que esta fúria não tenha a mesma intensidade dos tempos desta composição, é inegável que ela persiste.