sábado, 21 de abril de 2012

APRENDENDO ECONOMIA EM ISLA DE MARGARITA

Para entender o que levou minha família e eu à Venezuela em 2011, mais especificamente à Isla de Margarita, é necessário saber um conceito básico de economia: o custo de oportunidade. Em suma, ele indica o que sacrificamos ao escolhermos algo em detrimento de outras opções. Por exemplo, com dois reais, posso comprar um sorvete e ser feliz pelos próximos dez minutos ou abrir mão dele pra jogar na Mega Sena e correr o risco de ser feliz pra sempre (ou, mais possivelmente, jogar dois reais fora). Outro exemplo seria escolher entre dedicar os próximos 15 minutos para ler um livro ou este post.
Enfim, de volta à viagem, este conceito nos acompanhou do início ao fim na jornada, pois não apenas foi levado em conta desde a hora da escolha do destino, mas, principalmente, porque é o mais puro retrato do país visitado.

A primeira vez que aplicamos a ideia de custo de oportunidade foi quando decidimos que íamos ao Caribe. Pesquisamos bastante e constatamos que há o Caribe famoso e caro (Bahamas, Porto Rico, Barbados, etc.) e o underground e barato (Colômbia, Venezuela, etc.). Como encontramos ótimas referências sobre o Caribe da Classe C e um pacote turístico com preço inacreditavelmente bom (incluindo passagem, hospedagem, todas as refeições, tours na ilha e até poder fazer um city-tour por Caracas enquanto esperávamos o voo pra ilha), optamos por ir à Margarita.

¡CARAY!
A primeira atração da viagem foi o tal do city-tour na capital do Chávez. O problema é que o passeio não foi exatamente pra Caracas turística, bonita aos olhos do visitante, mas pra periferia da mesma. Foram três horas rodando pelas favelas dentro de um ônibus e uma parada num boteco deserto. Mais ou menos como ir ao Rio de Janeiro e, ao invés de conhecer o Pão de Açúcar, o turista visitar o Morro do Alemão. 

Caracas

Ao escolher ficar num pseud0-resort à beira-mar do Caribe, também se faz alguns sacrifícios. O principal é estar há 20 km da cidade (e da farmácia, e do mercado, e do restaurante...) mais próxima. A praia se chama El Tirano e é linda, não fosse um detalhe: ela quase não tem mais faixa de areia. Talvez haja uns cinco metros. Talvez. Ao que parece, o governo do país teve que escolher: ou manter aquele lugar deserto e desinteressante ou receber um hotel e fazer vista grossa pra ocupação descontrolada e irresponsável. Puro custo de oportunidade.
O hotel é muito bonito e luxuoso (só que apenas por fora). As piscinas são de cair o queixo e os quartos também – mas não pelos mesmos motivos. A comida é farta, porém como os funcionários são humildes, muitas vezes acabam eles mesmos devorando os pratos preparados para os hóspedes. As varandas dos apartamentos são uma loteria: podem dar para o mar, para as piscinas ou, pasmem, para os barracos que cercam o hotel (e que são habitados pelos próprios funcionários).

Piscina impecável
(já tocava "Danza Kuduro" lá)

Reparem que a cama é de cimento

Acomodações de dar dó

Praia do hotel

Teve um dia que fizemos um passeio pelas principais cidades da ilha. Através de estradas absurdamente esburacas, fomos à capital La Asunción e também à cidade mais importante, Porlamar. A primeira é charmosinha, tem uma praça com comunistas de plantão e igrejas e fortes seculares. A segunda é mais urbana e com shoppings vendendo roupas de marca a preços fantásticos pra quem tem qualquer moeda que não seja a local. Apenas uma coisa é constante: a população pobre e que ama o seu ditador. O guia local contou que muita gente pobre tem a sua miséria minimamente sustentada pelo governo e, sem ver muita perspectiva de melhora, acaba por se contentar com sua situação atual e não busca algo além dela.

Catedral colonial em Asunción

Simples e linda.

A grana é curta, mas dá pra alimentar os Dodges. 
O litro da gasolina custa R$0,15.

¡NO TE LANCES EN EL AGUA!
Noutro dia fomos passar o dia na Isla de Coche. Lugar lindo tanto para apreciar a natureza quanto o conceito econômico já apresentado aqui. Sempre há de se sacrificar algo pra conseguir o objetivo.
Exemplo 1: Quer ir até à ilha de barco (é a única opção, aliás)? OK, mas tu vai ter que ficar uma hora num portão de embarque improvisado com cachorros sarnentos, mosquitos, lixo e crianças chorando.

Terminal de Embarque

Embarque Terminal

Exemplo 2: Quer parar o barco no meio do trajeto pra nadar em alto mar até os recifes? Ok, vai lá. É fantástico! Ah, tu não sabe nadar e quer usar colete? Bom, colete não existe por lá. Porém tem um galão de gasolina vazio e já experiente nesta atividade. Pode ser?


Eu fui :)

Uma pausa nos exemplos. A ilha é absurdamente maravilhosa, preciso ressaltar. A praia é conservada e apenas um pedaço é habitado. O visitante pode andar por toda ela e facilmente encontrar pequenos répteis e aves coloridas. Uma galera vai lá praticar kite surf também. Deu gosto de passear naquele lugar, mas os custos de oportunidade sempre foram evidentes. Outro bom exemplo foi quando bateu a fome...


Isla de Coche

           Exemplo 3: Quer tirar a barriga da miséria? OK, mas tu vai ter que pegar um ônibus-tétano detonadaço que te levará pra almoçar numa pousada num lugar mais escondido que a Area 51 onde uma iguana gigante fica te vigiando enquanto tu come.


A porta não fechava


Imagina se não fosse "Servício Especial"




Nowhere

DE OTRA MANERA

Bom, se o hotel não conseguia oferecer a sua própria praia pros turistas se banharem, ao menos eles fretavam ônibus para a praia balneável mais próxima. Lá, sim, havia ondas, águas-vivas, faixa de areia, vendedores de cerveja-coca-e-água, algas, farofeiros e tudo mais. Na volta, me dei ao trabalho de caminhar pela praia do nosso hotel e, desviando do esgoto que deságua no mar, fui até os barcos dos pescadores locais. Bati umas fotos tão bonitas que nem parece que aquele lugar fedia.


O barco e o equilibrista

Detalhe no bolso do tio feliz: tem um peixe lá.
(Clique na foto pra ampliá-la.)

El Tirano


          No último dia de Margarita, cruzamos a ilha até a Playa de Punta Arenas (a mais limpa de todas, segundo o guia), dando uma paradinha no Parque Nacional Laguna de La Restinga. Atravessar a ilha deu trabalho. Durou quase três horas, mas deu pra ver que ainda há muita coisa inexplorada e intacta (e que assim permaneça). A natureza da ilha é impressionante. Depois uma curva acentuada, perdemos o mar de vista e nos deparamos com um arvoredo e uma lagoa esverdeada. Era a tal da Restinga. Então tomamos uns barquinhos e nos embrenhamos no meio das árvores e dos manguezais.
La Restinga

           Depois de meia hora pra lá e pra cá, voltamos ao local de partida. Enquanto o resto do povo da excursão fazia compras, caminhamos uns 500 metros pro lado de onde o nosso ônibus estava estacionado e, pasmem, estávamos num mini-deserto. Na volta, até encontramos um cachorro que pensava ser um canguru. 



Cachorro-canguru (caoguru venezuelanis)

A praia de Punta Arenas é, de fato, a mais conservada. Até as estradas são boas. A meu ver, isso acontece porque quase ninguém (nem mesmo o governo) vai muito pra lá. Há apenas um bar na praia com um único banheiro – e tudo que é feito naquela latrina vai pra um buraco na areia. Em todo caso, entrei no mar com gosto e bati umas fotos bacanas antes de me despedir da ilha.



Punta Arenas

Ao analisar a imagem que construí da Venezuela que consegui ver, fico com a sensação de que tudo lá poderia ser melhor, mas sempre bate na trave, fica faltando algo (alguma semelhança com algum outro país que tu conheça?). Embora a população consiga sobreviver, poucos têm o suficiente pra viver confortavelmente. A natureza é exuberante, porém não é explorada de forma sustentável. E estes exemplos poderiam seguir sendo listados infinitamente, só que acho que já listei o suficiente ao longo do texto.
Eu sei, eu poderia ter tentado olhar apenas pras coisas belas do país e não ter feito crítica alguma – como a maioria das revistas, programas de tevê até blogs fazem. Como não o fiz, talvez agora tu, raro leitor, esteja a repensar aquelas férias na tão falada Isla de Margarita. Pois bem, repense. Pesquise um pouco mais e analise o que tu espera de umas férias no Caribe. 
           Ao menos uma coisa é certa sobre o tempo que tu passou aqui: ou tu achou que valeu a pena saber que Isla de Margarita não é exatamente tudo aquilo que dizem ou tu está indignado por ter jogado uns minutos da tua vida fora lendo este post. Bom, independentemente da tua opinião, tudo isso é reflexo do custo de oportunidade.

sábado, 24 de março de 2012

HOUVE DUAS VEZES, DOIS VERÕES

Viagens familiares de verão ao litoral são tão tradicionais quanto às minhas promessas de aprender a surfar na próxima ida à praia. Todavia, apenas as viagens se cumprem. Abaixo seguem dois breves relatos das minhas mais recentes tentativas de pelo menos tomar umas aulas pra me inserir no mundo do surfe. 

DERROTADO PELO BOM TEMPO
Em 2009, fomos nos aventurar por Governador Celso Ramos, em Santa Catarina. Depois de uns 600km de estrada, encontramos nosso hotel há uns 200m da praia e muitas refeições gostosas no cardápio. E sol, muito sol. Tanto sol que o primeiro dia foi dedicado apenas à praia. A barraquinha de aulas de surfe estava lá, mas eu tinha muita saudade do mar pra fazer aula logo de cara. Passei o dia inteiro jogando bola e pegando jacarés. Nem fotos houve tempo pra tirar. Ainda bem que havia passado um protetor fator 8 pela manhã... Apenas pela manhã.
Enfim, os golfinhos
O resultado foi que ao fim do dia eu estava absurdamente rosado. Passei hidratante e no dia seguinte fomos fazer um passeio de um dia inteiro de barco. Embora agendado no próprio hotel, não era caro e o capitão-do-barco-guia-turístico-garçom-e-com-pinta-de-pirata era bem divertido. Embora a primeira parte do passeio fosse meio demorada, pois se resume a uma looonga busca por golfinhos, a paisagem fez tudo ficar bem agradável e foi capaz de gerar dentro de mim certa inveja dos donos de algumas ilhas particulares no litoral catarinense.


Casa totalmente autossustentável e bem localizada numa ilha qualquer

Porém maneira mesmo é a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim. De meados do século XVIII, carrega histórias desde tempo das Capitanias Hereditárias até a Revolução Federalista (dezenas prisioneiros políticos foram mortos lá e as marcas de tiro e sangue permanecem. Hoje serve apenas pra visitação e se mostra muito bem administrada. As visitas são guiadas e a História muito bem relatada. A vista de lá também é linda. Recomendo altamente o passeio.



Convenhamos, os caras souberam escolher o local pra construir o Forte

"Fogo!"
          
             Na volta do passeio ainda tomamos banho em alto-mar – o que serviu pra eu acabar de me assar, pois não havíamos levado protetor solar. Eu acabei aquele dia bordô. No dia seguinte a família toda foi pro mar e eu mal conseguia andar tamanha a ardência do meu corpo. Fritar um ovo sobre a minha pele não seria tão difícil assim. O quarto e último dia foi bastante semelhante; e o tempo passou e eu não consegui aprender a surfar porque eu estava assado, cozido e frito. Fim da temporada de verão 2009. Merda!


SEGUNDO ROUND
Dois anos mais tarde, o destino era Imbituba, também em Santa Catarina. A cidade é pequena, ainda recebe poucos turistas, tem belas praias e excelentes ondas. Seria a oportunidade ideal pra, enfim, eu aprender a surfar.
Três Plets
               Cruzando a bela Serra do Rio do Rastro, sob chuva e 11°C em pleno Dezembro, não chegamos ao nosso destino de modo tão fácil: ficamos cinco horas a mais na estrada, por conta de um congestionamento infernal (e que já está virando tradicional) entre Tubarão e Laguna. Por outro lado, se a intenção era estar com toda família reunida, lá estávamos todos nós juntinhos compartilhando o mesmo tédio – que só foi quebrado quando o meu irmão encontrou um pacotinho de Plets com três chicles. A viagem só acabou perto das 23h. Parecia um prenúncio dos dias seguintes em SC.

Serra do Rio do Rastro

A manhã seguinte estava linda e, apesar da ventania, convidativa para um banho de mar. Desta vez, bem protegido do sol, aproveitei o mar e deixei pra buscar uma escola de surfe pela tarde. Mas a vida é uma caixinha de surpresas. Tão logo o relógio marcou meio-dia, o tempo virou, a chuva veio e adiou os meus planos. Restou-me aproveitar a semi-exclusividade dos serviços do hotel, que ainda não tinha muito movimento.

Não sou eu

Aquele tempo murrinha acabou estacionando em Imbituba. O dia posterior estava feio e o máximo que deu pra fazer foi jogar futebol da praia, me entupir de camarão (que tem preços razoáveis lá) em todas as refeições e me permitir sonecas a qualquer hora. Nada mal, porém nada de surfe.
Já que o tempo permaneceu daquela forma no outro dia também, resolvemos subir o morro que leva ao farol da cidade. Embora a trilha tenha uns trechos meio inclinados e lisos, é totalmente encarável e a vista durante todo o percurso compensa o esforço. O crepe que é vendido ao pé do morro também é merece uns instantes de atenção.

 


Vale a pena

O penúltimo dia na cidade teve alguns instantes de sol também, mas nada que fizesse surgir alguma barraquinha de aulas de surfe. Restou-me pegar jacaré de novo. À tarde, o tempo ficou feio pra variar e só permitiu uma breve caminhada a beira-mar.


O mais próximo que chegamos de surfar

E como foi o último dia de praia? Com muita chuva, óbvio. Numa tentativa desesperada, pegamos o carro e fomos ver as praias das redondezas, em busca de um resquício de sol. Fomos das dunas Ibiraquera (que eu queria ter visitado em alguma tarde ensolarada que não veio) até Itapirubá. Nada. O máximo que encontramos foi um grande hotel abandonado. Nós havíamos nos hospedado lá em 2002 e ele era o máximo. Hoje é só um monte de concreto no meio do paraíso.
 Não deu de novo. Desta vez a culpa não foi minha, mas do tempo. A viagem passou longe de ser frustrante, pois pude relaxar, comer feito um rei e ainda dar uns mergulhos. No entanto, meu sonho de aprender a surfar, sem muitas vacas e anexando este esporte ao meu DNA, persiste e segue sendo mais uma boa desculpa pra eu cair na estrada rumo ao mar.

sábado, 28 de janeiro de 2012

ROCKING RIO

   
   Ir a um festival de música como o Rock in Rio foi um sonho que alimentei desde pequeno. Esperei muitos anos pra que a oportunidade pintasse e, quando ela surgiu, não perdi a chance. De cara, comprei ingressos pra dois dias: o do metal, com Metallica e Motörhead, entre outros, e pro dia do rock alternativo, com Coldplay fechando a noite pro Júpiter Maçã.
   Como cada dia do Rock in Rio que resolvi ir era num final de semana diferente (e os gastos com passagem aérea seriam em dobro), resolvi fazer dois bate-e-volta. Em outras palavras, ir do aeroporto pro evento e do evento pro aeroporto – economizando, assim, uma grana legal que seria gasta com hospedagem. Eu pegaria ônibus de linha, que segundo o site do evento, estariam disponíveis 24 horas por dia, e não me incomodaria com muitas coisas mais. Ao menos na teoria. A prática foi bem diferente.

 
GOING WITH THE FLOW, IT’S ALL A GAME TO ME
Dia 25 de Setembro de 2011, metaleiros de todo o país se dirigem ao mesmo lugar. Estávamos todos eufóricos e nem as duas horas que levamos com a sugestiva linha Frescão do Aeroporto do Galeão até o tal do Terminal Alvorada para pegar mais 45 minutos num outro ônibus até o evento incomodou. Na verdade, serviu pra eu ver, ainda que da janela, vários pontos turísticos da cidade: Pão de Açúcar, Cristo Redentor, toda a orla, Centro de Tradições Nordestinas, o campinho onde o Ronaldo começou a jogar bola, a rodoviária, o Aeroporto Santos Dumont, o centro histórico e muita coisa que eu nem sei o que era. Enfim, segundo o Google, mais ou menos 60 quilômetros de passeio.

Roteiro aproximado da aventura
  
   O evento em si foi beeeem legal, apesar de alguns pesares. Todos os shows mataram a pau e a Rock Street foi definitivamente a parte mais legal do festival. Por outro lado, a fila pra comprar comida (ou o que restou dela) foi lastimável, os ambulantes intimidadores do lado de fora assustavam, mas não mordiam, o número de pessoas poderia ter sido mais limitado e os banheiros mais limpinhos. Ainda assim, valeu muito a pena.

Rock Street
 
Artistas de rua destruindo



Com o Alemão Vitor Hugo, da Ipanema FM



THAT’S THE WAY I LIKE IT BABE, I DON’T WANNA LIVE FOREVER
   Porém o mais memorável do Rock in Rio foi o pós-festival. E não é que eu não tenha curtido, mas é que os fatos posteriores ao evento foram inimagináveis e ao mesmo divertidíssimos. Tudo começou depois de Enter Sandman. O show do Metallica se encaminhava pro seu final e eu resolvi me antecipar à multidão que disputaria a tapas os ônibus pra sair da Cidade do Rock. Deu certo. Caminhei em meio à escuridão, quase fui atropelado por ambulantes fugindo da polícia e consegui pegar um busão até o Terminal Alvorada. Lá eu deveria pegar um Frescão até o Galeão. Deveria.
Ger: Amigo, onde que fica o ônibus pro Galeão?
Agente de Trânsito: Porra... Tu quer ir pro Galeão?
Ger: Sim.
Agente de Trânsito1: Não tem não.
Ger: Como assim?! No site dizia que ia ter.
Agente de Trânsito1: Fala com aquele cidadão lá. Ele pode te informar.
Ger: Amigo,  onde fica o ônibus pro Galeão?
Agente de Trânsito2: Ishhh, essa hora não tem. Tu quer ir pra onde?
Ger: Pro Galeão.
Agente de Trânsito2: Não tem agora. Só a partir das 7:00.

   Bem, era umas 2:30 da manhã. Ficar ali até o primeiro bus chegar não me pareceu muito recomendável. Lembrei que eu havia passado pelo aeroporto Santos Dumont quando havia ido pro festival, ou seja, ele ficava no caminho pro outro aeroporto. Assim, eu dormiria lá e depois que amanhecesse eu iria pro Galeão. Meu vôo era só às 13:00 mesmo...
Ger: E pro Santos Dumont tem algum?
Agente de Trânsito2: Tem aquele ali. Ele não vai pro Santos Dumont, mas passa perto.
Ger: Perto quanto?
Agente de Trânsito2: Perto.

   Larguei o carinha de mão e fui falar com cobrador do ônibus.
Ger: Esse ônibus passa perto do Santos Dumont?
Cobrador: Passa.
Ger: Perto quanto?
Cobrador: Pertinho.
(Será que os cariocas não conhecem metros, quilômetros ou quarteirões pra transmitir alguma noção de distância?!)
Ger: Dá pra caminhar da parada até o aeroporto?
Cobrador: Olha...
   
   Nisso, um casal de estranhos se intrometeu.
Mulher: A gente tá hospedado num [hotel] Ibis ali perto. Tu pode ir com a gente e pegar um táxi do hotel até o aeroporto.

   Eis o dilema: esperar amanhecer num terminal de ônibus sinistro ou aceitar a proposta de um casal de estranhos? Resolvi dar um voto de confiança ao casal metaleiro e subi no busão.
   
  Tenho apenas flashes da viagem de ônibus até o hotel. Cochilei bastante a partir do momento que consegui um lugar pra sentar. Apenas lembro que o motorista chegava a colocar 120 km/h nas avenidas desertas da cidade. De qualquer forma, o importante é que quando chegou a hora de descer, o casal me acordou e descemos os três.
   A rua estava vazia, mas bem iluminada. Conversei com o casal e pressenti que eles eram gente-boa. Umas duas quadras depois, avistei o hotel e vi que tudo era verdade. Como não havia nenhum táxi ali, entrei no hotel pra pedir que chamassem um pra mim. Contudo, não havia ninguém na recepção. Fui no barzinho do hotel e encontrei o recepcionista literalmente dormindo em pé. Eram 4:00 e uma idéia me veio à cabeça.
Ger: Amigo, eu tenho que ir até o Santos Dumont, mas tenho medo de andar sozinho pela rua nessa hora. Tem como eu ficar por aqui até amanhecer?
Recepcionista: Zzzzz... Hã? Claro!
Ger: Beleza!
    Não deu outra. Encontrei um sofá confortável, um pufe pros pés, ajeitei o capuz do meu moletom como travesseiro e dormi no barzinho até às 6:30. Coisa mais medonha linda.
   Eu estava cansado demais pra me importar com o que os outros iam pensar. Quer dizer, na hora não tinha ninguém pra ver aquela cena. A única outra pessoa que estava por lá também estava dormindo. Por outro lado, quando eu acordei, comecei a lembrar do que eu ouvi durante aquelas duas horas e meia de cochilo.

Diálogo I
Estranho1: Quem é esse aí?
Estranho2: Não sei. Quem é ele, Fulano?
Estranho3: Também não sei. Já tava aí quando eu cheguei.

Diálogo II
Estranho4: Pelo jeito o Rock in Rio foi forte. Aquele ali nem subiu pro quarto.
Estranho5: E olha como baba! Com certeza bebeu todas.

Diálogo III
Estranho6: Psss, Sicrano. Não fala alto, vai acordar o defunto.
Estranho7: Ele tá pior que a gente.

   Passado esse instante de flashbacks vergonhosos, retomei a minha cara de pau, e fui no banheiro do hotel. Escovei meus dentes e troquei de roupa – o que serviu pra amenizar a minha cara de zumbi. Depois disso, me despedi do carinha da recepção (que já não era o mesmo de quando eu havia chegado) e fui caminhando até o Santos Dumont, que, como vim a descobrir, ficava a uma (gigantesca) quadra dali. Economizei R$300,00 – diária mais barata daquele Ibis – e não corri riscos maiores. De lá peguei o Frescão até o Galeão, consegui antecipar minha passagem de volta pra Porto Alegre e, enfim, descansei.
  
DOUBLE UP OR QUIT, DOUBLE STRAKE OR SPLIT
   E no outro fim de semana?, vocês devem estar pensando. Simples. Fiz tudo igual, hehe. Acabou o show do Coldplay, peguei os mesmos ônibus, desci perto do Ibis, contei a mesma história (pra um recepcionista diferente), dormi lá e no raiar do dia fui embora. As diferenças foram sutis: desta vez dormi no hall de entrada do hotel, ouvi comentários diferentes, mas na mesma linha, e na volta ainda rachei um táxi com três nordestinos que encontrei na parada do ônibus até o aeroporto.
   Economizei outros R$300,00, não fiz mal a ninguém, descansei e, no máximo, tenho agora alguma foto minha espalhada pelos hotéis Ibis com um Procura-se embaixo.
 
Até o Burp ganhou lembrancinha do RIR

 
 
* Os três subtítulos deste post são trechos de Ace of Spades, do Motörhead. A banda do cara mais foda do rock n’roll, o Lemmy.
** Quer saber por que o Lemmy é foda? Clica aqui e assiste.
*** Tá afim de saber sobre os shows do Rock in Rio? Vem aqui.