"A alegria da vida vem dos nossos encontros com novas experiências, e, portanto, não há maior alegria do que um horizonte em constante mudança, para cada dia ter um sol novo e diferente. Se você quer mais da sua vida (...) você deve perder sua inclinação à segurança monótona e adotar um estilo de vida tobogã, que num primeiro momento vai parecer maluco. Mas tão logo você se acostumar a tal modo de vida, verá o seu significado por inteiro e sua magnífica beleza". (Christopher J. McCandless, em carta enviada para seu amigo Ron. Esta história virou o filme Into the Wild (Na Natureza Selvagem), o qual altamente recomendo).
Aquelas quarto horas de trem entre Bruges e Amsterdã foram as mais tristes da minha estada na Europa. Eu queria ter ficado mais tempo na Bélgica, mas já tinha arrumado lugar pra ficar em Amsterdã. Além do mais, eu não podia estacionar em um lugar e desviar do meu sonho. O mundo seguia girando e eu precisava me lembrar disso.
Cheguei em Amsterdã sob chuva. A estação, assim como a cidade, fervia de turistas por todos os lados. As placas da cidade, como era de se presumir, eram em holandês e isso não facilita nem um pouco a vida dos turistas. Pior: muitas palavras holandesas são absurdamente compridas e parecidas, fato que confunde ainda mais os visitantes. A seguir, com o auxílio da Nastasia, demonstro o que quero dizer com o exemplo mais extremo possível: a maior palavra do holandês.
33 letras e nenhum significado
NÃO ME SEGUE QUE EU TÔ PERDIDO
O meu roteiro por Amsterdã ia ser fácil, de acordo com o meu mapa. Logo achei as primeiras ruas que procurava e comecei minha saga. O problema é que o mapa do meu guia mostrava apenas as ruas principais da cidade, e Amsterdã é cheia de ruelas e becos. Não teve jeito, em dois toques eu estava perdido em algum lugar do Red Light District (o bairro onde as prostitutas posam nas vitrines e os maconheiros se reúnem). Um tanto quanto assustado, vaguei muito tempo por lá, em meio a muita gente chapada e ciclistas barbeiros.
Cada vez que eu parava pra pedir informação, os holandeses (que até falam um inglês bem legal) me indicavam um caminho diferente. Sem querer, fui parar no meio da China Town holandesa, a parte mais suja e fedida da cidade. Andei mais um pouco e, por acaso, me achei: estava no Nieuwmarktrellen – que o meu guia dava como um dos lugares mais legais da cidade, mas que nada mais era que um conjunto de barzinhos e coffee shops (lugares onde se vende maconha). Em todo caso, como era um ponto turístico, resolvi que iria bater minhas primeiras fotografias na cidade. Pra completar minha maré de azar, minha câmera estava sem bateria ¬¬.
MURPHY IN LOCO
Puto da cara, resolvi almoçar. Depois de ter visto aquelas coisas horrendas de China Town e botecos pra lá de suspeitos no Red Light District, achei que merecia um hambúrguer padronizado do Burger King. Ali, pra confirmar o meu dia errado, meu cartão de crédito não funcionou. O atendente era brasileiro, mas não falei português com ele. Eu estava muito azedo pra isso. Descobri que ele era do Brasil justo quando o meu cartão foi recusado:
- Cardi... O cardi no gudi. No gudi!
Haja saco! Estava chovendo, meu cartão de crédito era rejeitado, meu mapa era limitado e eu, ironicamente, me encontrava perdido. Gastei algumas parcas notas de euro e afundei minhas mágoas num hambúrguer delicioso e em algumas das melhores batatas-fritas da minha vida – na Holanda, Alemanha e Áustria fazem as melhores batatinhas do mundo! Acabado o almoço, fui no banheiro. Adivinha? Cobravam cinqüenta centavos pelo banheiro. Paguei.
Indignado, segui meu caminho para os outros lugares que queria conhecer. Novamente surgiram muitas ruas que não apareciam no mapa, recebi umas informações confusas e, quando dei por mim, estava perdido. Entrei numa igreja pra olhar meu mapa com mais calma e pedir uma luz divina (igrejas são os melhores lugares pra se mexer na carteira ou não dar tão na cara que tu é mochileiro, pois ninguém entra nelas!). A igreja Krijtberg era toda colorida por seus vitrais do século XVII. Um achado!
Logo consegui me encontrar e, um pouco adiante, cheguei no Begijnhof, o lugar que eu tanto procurava. Befijnhof é um conjunto de casas tri antigas, bem bonitinhas, mas de acesso limitado depois das 17:00. Eram 17:15.
Estava na hora de ir pra casa do casal que tinha ficado de me hospedar. Eles tinham parecido meio frios nos e-mails que trocamos. Sempre respondiam o necessário e nada além. Tentei ligar pra eles antes de ir até a casa deles, mas ninguém atendia meus telefonemas. Como achei que o problema era eu, peguei minha mochila na estação e fui até a casa deles, no meio do Red Light District. Eles moravam numa quadra residencial, à exceção do bordel que ficava na esquina. Toquei a campainha e nada. Bati na porta, falei com vizinhos e ninguém sabia dizer onde estava o casal. Esperei 40 minutos, até começar anoitecer. Daí a coisa começou a ficar sinistra... O bairro, reza a lenda, é controlado pela máfia e é cheio de batedores de carteira. Eu tinha comigo algumas centenas de euros, minha máquina fotográfica e a mochila. Nas ruas, seres suspeitos passavam a toda hora e eu não estava confortável com aquilo. Ainda me prestei a deixar um bilhete debaixo da porta da casa do casal e fui procurar um abrigo decente.
Acabei ficando num hotel de um indiano (sempre eles!). Era o mesmo preço que os albergues, mas lá eu teria um quarto e um banheiro só pra mim. Ao checar meu e-mail, recebi uma mensagem do casal, dizendo que recém haviam lido meu bilhete e que não abriram a porta pra mim pois “estavam no banho”. Desiludido, enviei um e-mail revoltado pro Brasil, outro pra eles e fui dormir cedo.
AMANHÃ SERÁ UM LINDO DIA
A princípio, eu só iria embora de Amsterdã para Hamburgo, na Alemanha, no meio da tarde. Porém, devido a minha maré de azar e revolta, resolvi antecipar a minha partida. Acordei às 8:30, tomei um café da manhã reforçado e antes das 10:00 peguei um trem pra Duisburgo, também na Alemanha. Foi a melhor decisão que eu poderia ter tomado.
Pra não acharem que eu não bati foto em Amsterdã
Duisburgo fica na metade do caminho de trem pra Hamburgo. Eu nem sabia que a cidade existia, pra ser sincero. Ela não é turística, mas é muito bem preparada pra receber os turistas; logo do outro lado da rua da estação de trem existe um centro de informações turísticas muito moderno e com belas atendentes. A cidade, embora tenha quase meio milhão de habitantes, é pequena. Dá pra fazer tudo a pé. Grande parte da população trabalha em Düsseldorf ou Essen (que ficam a menos de uma hora de lá) e voltam pra casa no fim do dia.
Como cheguei faminto, fui direto num dos dois imensos shoppings da cidade tirar a barriga da miséria. Comi um tal de Dönner-Teller muito bom! O prato se resume em alface, tomate, molho, batata frita hiper gostosa e carne – e foi o mesmo preço do Burger King do dia anterior. Todo mundo no restaurante achava o máximo eu não ser da Alemanha e queria conversar comigo. Virei atração entre os locais por alguns instantes.
Dönner-Teller
Ainda antes de sair do shopping, fui no banheiro. Lá era “recomendado” que fosse “doado” 30 centavos de euro para quem limpava o lugar. Eu resolvi fazer um ato de caridade (pelo menos pra mim): livrei-me de todas as moedas quase sem valor que carregava. Dei 0,30 reais. 0,10 libras e 0,06 euros. Quando aquele monte de moedas tilintou, as mulheres da limpeza quase beijaram meus pés. Foi “Danke schön” pra tudo que era lado.
O centro da cidade tem um calçadão onde carros são proibidos. Ali fica o único mendigo da cidade (que tem celular e sabe esmolar em inglês), as lojas populares, os shoppings e alguns dos monumentos mais recentes – pois quase todos os antigos foram destruídos na Segunda Guerra Mundial. Praticamente tudo foi reconstruído depois da guerra e tem brilho e cheirinho de novo.
Chafariz Oiseau Amoureux, no centro de Duisburgo
City Palais, um dos shoppings fodões da cidade
O mapa que me forneceram da cidade era muito bom. Foi tri fácil me achar lá. Eu estava tão feliz que fui até conhecer a prefeitura. E valeu muito a pena! Descobri, ao acaso, o elevador mais esquisito e divertido do mundo! Ele é bastante rudimentar e, por isso, tem seu charme. Ele é de madeira, individual e contínuo, ou seja, tu tem de entrar e saltar fora na hora certa. Fiz um vídeo meia-boca que mostra como ele funciona.
Mais tarde fui conhecer a Salvatorkirche (igreja enorme que sobreviveu à guerra) e a Karmelkirche (uma igreja toda moderninha com vitrais que parecem bolhas). Todo mundo me olhava com estranheza, como quem diz “O quê que esse mochileiro veio fazer aqui?!”. Eu tava adorando a cidade!
Salvatorkirche
Karmelkirche
Andando na beira do rio Innenhafan, pode-se ver os modernos prédios comerciais e, contrastando com os mesmos, as ruínas de uma sinagoga que foi destruída na Segunda Guerra Mundial. A sensação de andar no meio dos destroços da sinagoga é esquisita e nada agradável. Felizmente, logo ao lado da sinagoga, construíram uma bela praça em homenagem aos judeus, dando vida ao local.
Ruínas da Sinagoga de Duisburgo
A inocência da criança e as paredes bombardeadas da sinagoga
Antes de chegar ao Museu de Arte Moderna Küppersmühle, passei pela Legoland – parque de diversões da Lego. Ele não é muito grande, é frequentado por crianças e nerds e custa caro pra entrar. O museu, por sua vez, foi adaptado à uma antiga fábrica, na beira do rio. São três andares de quadros e esculturas muito interessantes. Por quatro euros, tu pode passar muitas horas naquele museu. Separei os quadros que mais me chamaram a atenção. Como eu não sabia o nome de nenhum deles, resolvi batizar alguns e comentar outros.
Sim, a girafa era de Lego e o meu sorriso foi forçado
Puro sangue
Tem quem se inspire com arte abstrata
Museu de Arte Moderna sem um quadro assim (leia-se um espelho) é incompleto
Peladões
Perto das 18:00, peguei meu trem pra Hamburgo. Fiquei tri feliz de ter largado Amsterdã e ido pra Duisburgo. A cidade é encantadora, limpa e tem ares de cidade pequena. Dá gosto de andar por lá. Tudo funciona! As pessoas são tri receptivas e por mais que mal falem inglês tentam se comunicar contigo de alguma forma e te ajudar.
Trem pinga-pinga até Hamburgo. Entre um pingo e outro, viajávamos a 200km por hora
É BOM TU SABER (1)
A Holanda não é um país ruim. Eu é que dei azar – muito azar! As ruas não são apenas dos maconheiros, mas também dos holandeses – inclusive, dizem que mais de 90% dos maconheiros de Amsterdã são turistas. Acho que se eu não tivesse tido experiências tão legais na Bélgica, não estivesse chovendo, meu mapa fosse melhor e eu não tivesse esquecido de carregar a bateria minha máquina fotográfica, eu teria amado Amsterdã.
Também passei de trem por Roterdã e De Hague e ambas cidades me pareceram pra lá de interessantes. Enquanto Amsterdã é a capital do turismo, Roterdã, com seu gigantesco porto, é a capital financeira da Holanda , enquanto De Hague é a capital política do país – quem manda, está lá. Preciso voltar pra Holanda um dia desses.
É BOM TU SABER (2)
Einstein não morreu, só foi pra Duisburgo
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