quinta-feira, 1 de outubro de 2009

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 4: BRUGES E DAMME)

“It has long been an axiom of mine that the little things are infinitely the most important.” (Sir Arthur Conan Doyle, (Sherlock Holmes) A Case of Identity, 1892)

   Foi fácil aprender a pegar trem. Viajar de trem é melhor ainda e o difícil é abrir mão deles quando se está de volta ao Brasil. Trens te levam a qualquer canto na Europa e, na imensa maioria das vezes, são eficientes e te proporcionam uma experiência, não apenas uma viagem. Depois de um trem que viajava a 300km/h de Paris à Bruxelas e outro que parava a cada quinze minutos, cheguei à pequena e charmosa Bruges.
   Ainda no Brasil, quando fui procurar alguém que me hospedasse em Bruges, logo dei de cara com o perfil da Nastasia e torci que ela aceitasse meu pedido. Ela se apresentava assim: “I'm weird and I'm proud of it!” (“Sou esquisita e tenho orgulho disso!”). Isso já me era motivo suficiente pra querer ir pra lá.
   A Nastasia estava me esperando na estação, como combinado. Levamos cerca de oito segundos para passarmos de conhecidos virtuais a amigos de longa data. Ela se propôs passar o tempo todo comigo, já que estava de férias, e a partir daquele momento tive meus dias mais faceiros em território europeu.
   Bruges, a primeira vista, parece uma cidade européia normal. Porém tudo muda quando se adentra no centro histórico da cidade. Parece que o cara retorna séculos no tempo. Os carros dão lugar às carroças e as bicicletas, os prédios mais novos são do tempo do meu bisavô e aquela sensação gostosa de nostalgia de um tempo que tu não viveu toma conta do teu ser.


Prefeitura de Bruges


   A cidade, com origens no Império Romano, tem uma vida pacata, mas não monótona – bem do jeito que eu gosto. Quando passamos pela antiga vizinhança da Nastasia, ela gritou o nome de um velhinho e ele surgiu na janela pra conversar. Sim, também nas pequenas cidades da Europa ainda se pára pra conversar. Essas coisas simples me encantam!


SIMPLESMENTE

   Paramos em uma ponte sobre o reitjes (não é rio nem canal, é reitjes!) para conversar uns instantes. É totalmente estranha a sensação de tu, aleatoriamente, conhecer uma pessoa que compartilhe de forma tão similar várias filosofias de vida. Quase não acreditei quando ouvi da boca da Nastasia que ela também era adepta da idéia de ser possível embriagar-se de virtude e poesia, e não apenas de vinho. Idéias como aquela e a ingenuidade associada à espontaneidade com que ela agia eram algo fora do comum.
   Aliás, aquela ponte ali nos oportunizou vários outros momentos inesquecíveis. Certo momento, passou um barco cheio de turistas sob a ponte...

Ger: Quer ver como tu não tem maldade alguma? Qual é a primeira coisa que te vem na cabeça quando tu vê esse barco passando debaixo da gente?
Nastasia: Eu penso em abanar pros turistas.
Ger: Viu! Brasileiro pensa em cuspir neles!



Ger, Nastasia e o reitjes

   Por fim, naquela mesma ponte, quase virei celebridade na Bélgica: fui entrevistado pela televisão local (e em inglês!). A repórter esperou tirarem uma fotografia nossa (vejam como ela estava decidida a falar especificamente comigo) e, enfim, perguntou o que o glamour significava pra mim. Eu simplesmente respondi que não significava nada. Rimos, mas a repórter quis uma resposta mais elaborada, daí falei um blábláblá tão horrível que duvido que me colocaram no ar.


O SEGREDO

   Minha tarde continuou maravilhosa. A Nastasia me levou pra vários lugares simples que não atraem muitos turistas. Destaco a biblioteca municipal (onde, além de livros, há CDs e filmes pra alugar de graça), um mosteiro com umas esculturas de querubins, as ruelas onde artistas alternativos se apresentam.






E o som era massa!


  Por fim, fomos na melhor sorveteria do mundo, a Da Vinci. Eu esperava tomar o sorvete lá mesmo, mas ela teve uma idéia melhor:

- Vou te mostrar um lugar secreto daqui de Bruges. Eu vou lá desde pequena. Tu vai gostar.

  Em dois minutos não estávamos mais no meio dos turistas que se empurram pelas estreitas ruas da cidade, mas numa praça modesta, pequenina e deserta. Dava até pra ouvir os passarinhos cantando. Foi o melhor sorvete da minha vida.
   À tardinha, fomos pra casa dela, que fica num bairro residencial, longe do centro. A Nastasia vive com a mãe, dois irmãos mais novos (o mais velho deles detona no violão!), três gatos, dois ratos e o Kazam, o labrador obediente. Fui tri bem recebido por todos e, durante todo o tempo que estive por lá, me senti parte da família. Jantamos no quintal na casa, num entardecer delicioso.


ENCHARCADOS. E DAÍ?

   Começamos o dia seguinte pelos moinhos de vento que beiram o reitjes. Eles estão desativados, mas abertos para visitação. Depois andamos por ruas quase desertas até chegarmos às igrejas mais famosas da cidade (incluindo uma que tem o Sangue de Cristo, acredite se quiser).


Moinho de vento



Bruges é naturalmente bela


   Entre uma atração e outra, inevitavelmente tomávamos banho de chuva – as chuvas belgas são pra lá de traiçoeiras –, ao menos a Nastasia conhecia as melhores lojas de chocolate para nos abrigarmos. Ainda assim, tinham aqueles que não se importavam com a chuva.


Losers: turistas chegam a pagar 35 euros por hora pra andar nessas geringonças.


   Pertinho do meio dia, subimos o campanário de Bruges, o Belfort, para termos uma vista panorâmica da cidade, apesar da chuva. Valeu a pena escalar os 366 degraus! Não só pude ter uma noção da dimensão da cidade, como pude (e ainda posso) ouvir o sonoro badalar do meio-dia dos 47 sinos que lá existem.


Belfort



Vista panorâmica de Bruges


   Pegamos nosso almoço (já na hora do lanche da tarde) na, dita, famosa Barraquinha da Mulher Louca dos Waffles, mas fomos comer no “lugar secreto” de novo. Mais tarde fomos ao parque principal da cidade, onde quase apanhei da Nastasia por chamar os cisnes de patos. Não só quase apanhei por minha ignorância, porém também porque Gante, a cidade rival de Bruges, é famosa por seus patos, enquanto Bruges se orgulha por seus cisnes. Vai entender...



UNFORGETTABLE

   Depois do jantar, que é sempre servido cedinho, a mãe da Nastasia fez questão de nos levar à Damme, um distrito há seis quilômetros de Bruges. O lugar se resume a umas dez quadras, onde só vive gente rica. Como chegamos lá perto das oito da noite, não tinha quase ninguém na rua, éramos donos do lugar.
   Começamos o passeio visitando as ruínas de uma igreja e o seu cemitério, mas subitamente tivemos de mudar de planos devido a um enxame de abelhas. Acabamos então dando uma volta num bosque, cheio de coelhos e aves diferentes, que ficava ali perto. O lugar era muito lindo e tive que pedir que a Nastasia tirasse umas fotos minhas. Ali ela me ensinou sua técnica nada ortodoxa de fotos espontâneas. O resultado foi bem tri.


Espontâneo


   Voltamos a pé para casa, em meio a uma das paisagens mais bonitas que já estive. Cerca da metade do caminho que fizemos era uma estrada em linha reta, com alguns desenhos pitorescos, coberta por árvores entortadas pelo vento, fazendo com que um túnel se formasse. Além de nós, apenas as vacas na beira do caminho – vacas com as quais a Nastasia se comunicava com invejável fluência. Aliás, outra vaca muito legal que encontramos no caminho tinha um smile “estampado” no seu lombo.



Damme



Detalhe na atenção das vacas.
 


Smile naturalmente "estampado" no lombo da vaca.


   Levamos um tempão pra fazer os seis quilômetros. O lugar era muito lindo e merecia ser degustado com vagar. Ainda antes de chegarmos em casa, depois de mais um banho de chuva, consegui mais uma fita de isolamento pra minha coleção - para quem não sabe, coleciono fitas de isolamento e já tenho de vários países :). Acabei motivando a Nastasia a começar uma coleção alternativa também. 


Fora-da-lei


EVERY TIME I SAY GOOD-BYE


   A despedida no dia seguinte foi a mais difícil de todas. Eu tinha sido muito bem acolhido pela família. Eu nem queria ir embora, na verdade. Eles até insistiram que eu ficasse mais uns dias, mas a viagem tinha de prosseguir e Amsterdã me aguardava. Na estação de trem, meu abraço na Nastasia foi demorado e melancólico, embora tenha sido um definitivo "até breve".
   Uma das coisas mais maravilhosas de uma viagem é essa possibilidade de tu conhecer pessoas tão fantásticas como as que conheci. Jamais poderia imaginar que dentre todas as pessoas que poderiam ter me hospedado, eu acabaria por escolher uma que tivesse tanto a ver comigo. Na verdade, a Nastasia não era esquisita; ela era estranhamente autêntica – como todo mundo deveria ser. Se a minha viagem acabasse ali, já teria valido a pena.


É BOM TU SABER

   A Bélgica parece um país perfeito! Embora não seja muito famoso, é um dos que mais me identifiquei. A população é muito amistosa, prestativa e inteligente. Todos falam holandês ou francês (dependendo se moram no norte ou do sul do país, respectivamente) e têm ótimo conhecimento de inglês. Os mais jovens são fluentes no idioma. Os impostos são altíssimos, mas o retorno é na mesma proporção. Quase não existem diferenças sociais e eu não vi nenhum andarilho por lá. O crime mais freqüente em Bruges, por exemplo, é roubo de bicicleta – isso porque as pessoas as deixam do lado de fora de casa, e muitas vezes sem cadeado. Sustentabilidade e interdependência são conceitos banais entre os jovens e o governo dá incentivos fiscais a todas as pessoas que adotam meios alternativos de geração de energia (como colocar painéis solares nos tetos das casas). E aí, vamos de mudança pra Bélgica?
 

Bruges é tão tri que tem até van do Pink Floyd lá!

2 comentários:

  1. Não li os anteriores, mas posso dizer que me idetifiquei com este post.
    Os estrangeiros ganhando nossos corações, como pessoas tão distantes podem ser tão parecidas?!
    Só vivendo para acreditar.
    E a respeito dos longos 6kms Einteins explica.

    " Quando voce esta com a garota dos teus sonhos 1 hora passa como se fosse um segundo, mas quando voce esta em cima de braseiro, 1 segundo é como se fosse 1 hora.isso é relatividade".

    obs: eu não cuspiria em ninguém, seu sem noção hahahahahahahahah
    Beijo. Ger
    hahahahahahhahahhahahahahaha.

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  2. Ger,
    Pelo que pudemos perseber do teu texto, tu curtistes denais esta etapa da viagem. O pessoal aí que te hospedou foi super gente fina, mas mesmo gente super fina só age assim quando está diante de alguém semelhante. Tenho certeza que tiveram uma exelente impressão de ti também. O teu texto é muito envolvente e nos sentimos transportados aos lugares que visitastes, com uma ajudinha de fotos muito representativas. Parabéns!

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