domingo, 18 de outubro de 2009

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 6: HAMBURGO)

“Como a maioria dos viajantes, eu vi mais do que eu lembro, e lembro mais do que eu vi.” (Benjamin Disraeli)

   Cheguei à estação de trem de Hamburgo tarde da noite e com vinte minutos de atraso. De lá, enfrentei outros vinte minutos de metrô e, enfim, cheguei na estação onde minha hostess estaria me esperando. Firme, sob um vento frio e uma fina garoa, lá estava a Antje (pronuncia-se “Ântîe”).
   Hamburgo é uma cidade com mais de 1,7 milhões de habitantes (contando a região metropolitana são mais de 4 milhões) e é assustadoramente extensa. São mais de 100km de metrô, que vai do centro da cidade até qualquer canto dela. A Antje morava quase no fim de uma das linhas, num bairro residencial pra lá de tranqüilo. Faminto e podre de cansado de tanto andar por Duisburgo horas atrás, entrei no carro (que devia ter a minha idade) e fomos pra casa.


Ger e Antje


SHIT HAPPENS

   Toda gentil, a Antje deixou que eu assaltasse a geladeira dela e preparasse uma torrada de salame e cheddar. Até aí tudo bem, não fosse a minha imbecilidade misturada à minha exaustão. Os pães custaram a entrar na torradeira (que era daquelas que os pães saltam quando prontos). Acabei por socá-los torradeira adentro e esperei que eles saltassem de volta enquanto ficava de papo com a Antje. Passou um tempo e nada dos meus pães retornarem. Quando o cheiro de queimado começou, desliguei correndo a torradeira e tentei, sem sucesso, puxar a torrada de volta. Eu, boca-aberta, não suspeitei, em momento algum, que os pães deveriam ser torrados sem recheio algum, uma fatia do lado da outra – e não como um sanduíche, da mesma forma que costumo fazer no Brasil. Resultado: o pão ficou queimado e quebrado, o queijo se espalhou por toda parte interna da torradeira e tive de pescar pedaço por pedaço lá dentro com uma faca. É, merdas acontecem.
   Passado o fatídico acidente, entramos a madrugada nuns papos-cabeça. Como ela é terapeuta ocupacional, pude ouvir alguns casos de crianças e adolescentes hiperativos que já passaram por ela e entender um pouco mais alguns ex-alunos meus que sofriam desse mal, e algumas variações. Também adorei ouvir as aventuras do tempo que ela morou na Austrália e do mochilão que fez por lá antes de ir embora.
   Não sei exatamente que horas fui dormir, mas lembro que acordei às 9:00 do dia seguinte. Lá fora rolava água, a Antje tinha ido trabalhar de bicicleta e me deixado umas instruções pra eu conseguir chegar à estação de metrô mais próxima. Tentei me enrolar o máximo possível pra sair de casa, na esperança que a chuva passasse, mas não teve jeito, tive de encará-la.
   Depois de muito andar a pé e de metrô, cheguei à Rathaus (prefeitura). O lugar é tri imponente: são 647 aposentos e muita história naquele lugar. Dizem as más línguas que a prefeitura nunca foi destruída durante os bombardeios na Segunda Guerra Mundial porque até os inimigos a achavam maravilhosa – e que a única bomba que, “por acaso”, caiu lá milagrosamente não explodiu).


Hall da prefeitura


Chafariz no "quintal" da prefeitura
 
   Fiz uma visita guiada pelo local e, de fato, aquela prefeitura é de se tirar o chapéu. O luxo está por toda parte e não é difícil se perder lá dentro. Tanto andamos que uma hora resolvi sentar na única cadeira que tinha num aposento qualquer. Pensei: “Hum... Sou um cara de sorte: uma cadeira só pra mim. Ela tá velhinha, mas serve”. Larguei meu bundão naquela cadeira, me espreguicei e antes que eu terminasse meu doce bocejo, a guia, com os cabelos em pé, gritou:

- Não senta aí, guri!! Essa cadeira foi de Fulano de Tal e tem mais de 100 anos!

Mijado por uma mulher da idade da cadeira e morrendo de vergonha (mas ainda vivo), consegui acabar o meu passeio pela prefeitura sem ser expulso.


Um dos 647 aposentos da prefeitura
 


Guia (que quase me espancou) mostra outro aposento



Um dos primeiros vereadores de Hamburgo foi um poodle
 

   Ainda antes de sair da prefeitura, vi que havia umas fotos expostas num mural, no canto do salão principal da prefeitura. Fui averiguar. Os carinhas das fotos eram nada mais nada menos que terroristas procurados. Sim, igual nos filmes de faroeste, vejam vocês!


Wanted
 
   Almocei no Rathausmarkt (Mercado da Prefeitura), que, não por acaso, fica na frente da prefeitura. Ali só tem comida típica alemã para turistas bobos (ou famintos como eu) dispostos a torrar euros por comida quentinha. Foram (sangrentos) 7 euros por um típico cachorro-quente gigante e um copo de Coca-Cola. Mas tava bom!

7 euros!!
 


Rathausmarkt
 
   De lá, andei na beira do rio Elbe, que corta o centro da cidade, e vaguei por entre esquinas e igrejas que sobreviveram à guerra. Guerra que, aliás, ainda tem sutis marcas presentes no dia a dia dos hamburgers (sim, em alemão, quem nasce em Hamburgo é hamburger – não é o máximo?!). Vira e mexe, enquanto se está andando pelas ruas da cidade, aparece algum resquício da guerra, como meros monumentos em homenagem aos mortos ou estátuas semi-destruídas. Dentro das igrejas também o que mais se vê são imagens que remetem às barbáries de Hitler e seus massacres.


 
 
Marcas da Segunda Guerra
 



Centro de Hamburgo


LONG JOHN SILVER ALEMÃO


   Mais pro meio da tarde, fui conhecer o famoso Porto de Hamburgo, em St. Pauli (o bairro dos piratas). O porto é terceiro maior da Europa em tamanho e o segundo em movimentação de containeres. E o que impressiona lá, muito mais que o fluxo de barcos e as dimensões do lugar, são as pessoas com cara de mau e jeitão de pirata. Coisa mais massa! De meter medo mesmo!
   Eu tentei me segurar o máximo possível pra fotografar essas pessoas bêbadas, mal vestidas e de voz rouca. Consegui me controlar até passar por um boteco onde estava um sujeito com camisa rasgada e listrada em branco e vermelho, barba negra, boina e uma cara sinistra bebendo uma daquelas garrafinhas de uísque que vem com uma dose só. Pra ele ser um pirata completo só faltava o olho de vidro, a perna de pau e o papagaio no ombro. Eu tinha que fotografar aquilo. No que apontei a câmera pro meu pirata, ele agarrou aquela garrafinha e a arremessou na minha direção. A garrafa quebrou a uns dois metros antes dos meus pés e achei que era melhor não fotografar o infeliz que praguejava contra mim em alemão.


Seria um barco pirata?


Porto de Hamburgo

   Pra encerrar aquele dia, fui ao bairro Rotherbaum, pertinho do centro, onde fica o maior parque da cidade, as embaixadas e os ricaços. Por conta da chuva, ninguém estava lá. Eu era o dono do parque. Comigo, apenas os patos.


Dono do parque



Patos alinhados
 

NA BA-LA-DA

   À tardinha, a Antje me pegou na estação de metrô e fomos direto pra uma festa. Era aniversário de uma colega de trabalho dela e a festança, com comida e bebida liberada, começaria cedo, às 19:30.
   O que eu achei legal da festa é que todo mundo ajuda com alguma coisa. Além daquilo que a aniversariante ofereceu de comida e bebida, cada um levou um pouquinho de casa também. Outra coisa interessante é que quase todos, inclusive a Antje e eu, chegaram antes do horário oficial da festa pra ajudar com os preparativos.
   A festa em si foi mais ou menos. A comida era boa e típica (lingüiça, pão, salada de batata, salada normal e um pouco de massa). Pra beber, tinha desde cerveja até chá e café. Pra “animar”, tinha um protótipo de DJ que não agradou nem a aniversariante. O cara falou sozinho a festa inteira e colocava reggaeton pra tocar.
   Conversei com várias pessoas lá, mas foi difícil. Muitos tinham uma noção de inglês, mas aos poucos começavam a falar alemão e logo estavam simplesmente falando alemão – jurando estar falando inglês. Ainda assim, não pude deixar de tirar sarro de vários torcedores do Hamburgo, uma vez que o Grêmio foi campeão do mundo vencendo eles, em 1983. Acho que a minha conversa mais engraçada foi com o avô da aniversariante, que era meio gagá, deduzo.

Ger: Depois de Hamburgo eu vou pra Dinamarca. O senhor já foi pra lá?
Velhinho: A Dinamarca é legalzinha, mas linda é a Noruega. Já fui lá três vezes. A última viagem, há 12 anos, durou 2 meses e levei toda a família.
Ger: Bá, que tri! Dizem que a natureza de lá é fantástica mesmo...
Velhinho: Já fui três vezes pra lá.
Ger: Que lugares tu me indicaria?
Velhinho: Da última vez que fui pra lá, fiquei dois meses. Três vezes. Já fui três vezes pra Noruega.
Ger: ...
Velhinho: A Noruega é muito bonita.
Ger: ...
Velhinho: Já fui três pra Noruega. É muito bonito lá!

   A festa, pros padrões alemães, foi longe. Saímos à 1:00 e mais da metade dos convidados ainda estavam por lá. Ficamos um tempo considerável ainda acordados em casa. Dormi umas poucas horas e, na manhã seguinte, tomei meu rumo pra Dinamarca – e não pra Noruega.


É BOM TU SABER


   Os alemães são, de uma forma geral, muito respeitosos e reservados. Quando etilicamente alterados, parecem brasileiros sóbrios ou, no máximo, semi-despudorados. Mas, independentemente do seu nível de álcool no sangue, tem comportamento invejável. Durante todo o tempo em que andei no metrô em Hamburgo, por exemplo, nunca vi alguém sem passagem – muito embora não haja catraca para andar no mesmo – e os fiscais são raríssimos! Outra coisa, ainda sobre beber: nenhum dos que beberam na festa ia voltar dirigindo. As punições pra quem bebe e dirige lá não só são pesadas, como também funcionam.

Um comentário:

  1. Ger, eu juro que as vezes fico me perguntando será que o Ger realmente viveu isso ou essas coisas são frutos de uma imaginação fértil??haahahahahahah.
    Algo do tipo:"...lembro mais do que eu vi.”
    Até eu que sou mais lenta que uma tartaruga, sei que as torradas são feitas sem recheios, e fiquei rindo na frente do pc imaginando vc todo folgado sentado na cadeira, esse é o tipo de fora que Eu daria hahahahahahahaahaha.
    As fotos ficaram ótimas e o parque é só perfeito.

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