quinta-feira, 10 de setembro de 2009

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 3: LONDRES)*

“O verdadeiro artista não é aquele que está inspirado, mas aquele que inspira as outras pessoas.” (Salvador Dalí)

   A rodoviária de Paris fica num canto da cidade e é deserta. Afinal, andar de ônibus na Europa é coisa de pobre ou mochileiro. Todos que têm um mínimo de renda têm condições de andar de trem ou avião. No meu caso, o ônibus foi a melhor opção pra chegar à Londres, já que a Inglaterra não é coberta 100% pelo meu passe de trem.
   A viagem dura longas oito horas em um ônibus menos confortável que os daqui do Brasil. Vai-se até Calais, na França, e, de lá, cruza-se o Canal da Mancha até Dover, na Inglaterra – às vezes de barco, às vezes de trem, pelo Euro Tunnel. Todavia, só se entra na Inglaterra depois de passar pela temida Imigração. E como os caras complicam! Eles queriam ter certeza de que eu ia embora da Inglaterra: além do meu passaporte, pediram minha carteirinha de estudante, comprovante de reserva do albergue e passagem de volta pro Brasil. Depois disso, me deram um visto de permanência por seis meses lá – que é o mínimo. A paisagem rural da França fica pra trás tão logo se chega na Inglaterra. Lá as casas circundam as autopistas – que, por sua vez, têm como atração principal os carros onde o motorista senta do lado direito do carro.
   Lógico que havia um outro brasileiro no ônibus! E que mala ele era! Infelizmente, por conta daquela confusão na Imigração, ele descobriu que eu também era do Brasil e, a partir dali, ele me adotou como melhor amigo dele. Sem que eu perguntasse, ouvi todos os relatos da vida dele. Desde a infância em Brasília até os planos de morar clandestinamente na Inglaterra e virar DJ do dia pra noite. Por fim, quando deixei escapar meus planos de ir pra Amsterdã, ele disparou: “É, tu tem cara de quem fuma uns”. Não precisei de mais nada.
   Cheguei à tardinha em Londres e fui direito pro albergue. Os quartos eram apertados: haviam nove camas num espaço minúsculo, mas existia certa privacidade já que cada cama tinha uma cortininha. Meu bairro, Pentonville, era cheio de imigrantes. Eles se apresentavam nesta ordem: indianos, indianos, indianos, palestinos, indianos, latinos e, depois, mas só depois, chineses – além de alguns indianos.

O quarto era tão pequeno que eu nem consegui enquadrar as nove camas na foto.
A mochila ficava o tempo inteiro lá e ninguém mexia. Detalhe nas meias secando no meu “varal”.
 
 
FLEXIBILIDADE LONDRINA
 
    O dia seguinte veio com uma garoa fininha que se estendeu até a metade da tarde. Um típico dia londrino, como eu queria ter visto! Comecei pela famosa Tower Bridge. Ela é tri bonita mesmo, cheia de badulaques. Quando fui cruzá-la, um transatlântico estava passando, daí acabei mudando meus planos e fui dar uma volta pelo bairro – e essa foi a escolha certa!
   Diferentemente do outro lado da ponte, que tem um castelo de muitos séculos de idade, o lado de cá é de vanguarda. Nele estão alguns prédios alternativos, restaurantes cool e gente diferente. Tudo isso faz com que o Museu do Design esteja no lugar certo. Ele é pequeno, mas dá pra ficar horas lá dentro. As exposições são temporárias e abordam vários temas diferentes, como música, arquitetura e quadrinhos. Quase tudo muito colorido, para a alegria da criança infantil que vos escreve.

Enquanto tu tenta descobrir quais câmeras são verdadeiras, os demais visitantes do museu se divertem com a tua cara de bobo que vai sendo registrada.


Museu do Design


   Do outro lado da ponte, as coisas mudam. Parece que se volta no tempo. O Tower of London é um castelo que te transporta para a Idade Média e tu pode caminhar por entre ruas e dependências daquela cidadela que outrora foi lar de reis e rainhas. Tudo é indicado e tem uma breve explicação, desde a cama do rei até os instrumentos de tortura – bem interessantes, diga-se passagem.
  Agora, se tu tem paciência (e tempo de sobra), vale a pena fazer a visita guiada. Os carinhas se vestem com as roupas da época e vão contando toooooda a história do castelo, dos reis, das guerras e tudo mais. Eu fiquei uns quinze minutos na tal visita guiada, mas, nesse tempo todo, nós nem saímos do lugar e eu tinha muito pra conhecer ainda.
E pensar que isso tem lá seus 600, 700 anos.
Corvos criados a Toddy.

   Todo mundo falava na London Eye – aquela roda-gigante gigante –, mas eu não me entusiasmava em visitá-la. Porém, quando eu cheguei nos arredores de Londres os meus planos mudaram mais uma vez. Ela não é só gigante. Ela é absurdamente gigante e eu a vi muito antes de ver alguns dos maiores prédios da cidade. Eu precisava ter o gostinho de estar lá em cima. Assim, naquela tarde, de ingresso (doído de caro) em mãos, fui no passeio – afinal, esse é o tipo de coisa que se faz uma vez na vida.
   A sensação é totalmente diferente daquela que tu tem ao andar numa roda-gigante tradicional. Ali, além de ser tudo novidade, tu tem uma mobilidade muito maior lá dentro e os aviões parecem voar pertinho de ti. O mais impressionante é que Londres se estende até onde os olhos alcançam e além. Tudo é bonito também de cima.

Casas do Parlamento e Big Ben
 
   Depois veio a melhor parte do meu dia! Vagando pela beira do rio Tamisa – que é bem legal, cheia de bares, museus, artistas de rua e outras atrações – encontrei uma exposição do Salvador Dalí. Eu confesso que não sei quase nada de arte, mas aquele cara era foda! Ele não só pintou o quadro que eu tenho uma cópia na sala do meu apartamento, como chocou o mundo com sua arte surrealista. O cara fez de tudo um pouco: quadros, esculturas, desenhos e até móveis e vestidos! Além disso, a mostra também contava com um ala contando a vida do artista e outra interativa, para crianças. Ali eu descobri que o Dalí também teve algumas máximas sensacionais, como aquela que eu selecionei pra abrir meu post de hoje. Nela, eu vi o retrato da minha tia-mãe Sara que me inspirou pra essa viagem inesquecível :)
   No fim do dia, ainda consegui visitar a Westminster Abbey, uma igreja anglicana de mais de mil anos. A visitação tinha sido encerrada já fazia um certo tempo, mas havia uma missa acontecendo – e, naquelas circunstâncias, eu era um anglicano fervoroso. Não pude fotografar nada lá dentro, mas curti muito o lugar. A igreja é enorme, cheia de estátuas ricas em detalhes e o ouro está por toda parte.
   Doze horas depois e com três bolhas apenas no minguinho do pé esquerdo, voltei podre por albergue. Fiz amizade com um pessoal da Austrália e da França e observei que o metrô passava literalmente debaixo da minha cama – não que isso tenha atrapalhado o meu justo sono.


ELEMENTAR, MEU CARO WATSON

   No sábado, fui realizar meu sonho de adolescência: conhecer o Museu do Sherlock Holmes. Tá, pode rir, mas eu li todos os livros dele. O Sherlock Holmes era muito mais fodão que o Harry Potter e eu não abro mão disso! Enfim, nada disso vem ao caso agora porque antes de visitar o Holmes, eu fui no Museu de Cera Madame Tussaud’s.
   O tal museu é (muito) caro, mas, de novo, é o tipo da coisa que se faz uma vez na vida. Ainda assim, os turistas não parecem se importar muito com o preço e se aglomeram pra bater foto com as celebridades que talvez nunca vão conhecer pessoalmente – e essa é a essência do museu! As réplicas são muito reais, confesso, e me permitiram, ao menos, umas fotos divertidas.

Samuel L. Jackson e John Travolta
Foi melhor ir ver o Pelé.
Beatles e figurantes
Jimi Hendrix
"Toca aqui, Bush. Oops, peitinho!"
 
   O Museu do Sherlock Holmes fica, obviamente, no famoso endereço 221b Baker Street. Eu estava tão faceiro como uma criança na Disney ao conhecer o Mickey Mouse. O lugar é exatamente da forma que eu imaginava e só fãs no meu estado ou mais doentes vão lá. E o mais legal: tem um carinha fantasiado de Dr. Watson pra te receber e contar várias aventuras. Eu estava pra lá de pimpão!
Muito gente boa o suposto guarda da Scotland Yard.
Sentado na poltrona do Sherlock Holmes e trocando uma idéia com o Dr. Watson.
 
 
   Com a câmera fotográfica sem bateria, fui conhecer o Museu de História Natural. Bá, aquilo é muito massa (e de graça!). Fiquei mais de hora na ala dos dinossauros. O museu não só tem ossadas completas dos monstrengos, como também tem algumas réplicas em tamanho real e robotizadas. Eu já me impressionava com o tamanho dos bichos nos filmes, mas, ao vivo, é algo absurdamente chocante. Eu não alcanço sequer no joelho de um Tiranossauro Rex e alguns dentes de outros dinossauros são maiores que a minha mão. Somado a isso, tem toda uma ala interativa onde tu pode tocar em alguns ossos e peles de animais pré-históricos.
   As outras seções do museu também são interessantes, porém mais interessantes são os eventos. Eu assisti a uma palestra sobre lulas gigantes (e todas essas palestras são transmitidas de graça pela web). Cada dia, um dos 350 cientistas que lá trabalham interage diretamente com o público, levando amostras dos bichos, explicando quaisquer curiosidades e dando ênfase em conceitos importantes como sustentabilidade e interdependência. Dá pra passar o dia inteiro lá dentro do museu.
  Por fim, fui no Museu de Tecnologia – que é bem meia-boca – e na famosa loja de departamentos Harrod’s. A loja é tão grande que dá pra se perder lá dentro, só que é tudo caro.


GOD SAVE THE QUEEN (BECAUSE I WON’T)

   Meu último dia em Londres começou pelo Palácio de Buckingham, que fica dentro do Green Park. Infelizmente, a rainha não quis me receber. As visitas internas ao palácio começavam só no mês seguinte, então me limitei a fotografar do lado de fora. De qualquer forma, o lugar chama a atenção. Os guardinhas imóveis são tri engraçados e os portões com ouro impõem respeito. O parque tem uma tranqüilidade contagiante – que só é quebrada na hora da troca da Guarda Real. Neste momento, turistas e suas câmeras fotográficas atropelam quem estiver na frente para conseguir o melhor flash de uns carinhas sem emoção marchando de forma esquisita.


Palácio de Buckingham
Green Park
 
   Mais tarde, vaguei por Piccadilly Circus por um tempo, mas lá também existem poucas coisas compráveis. Depois fui pro Tate Modern Museum – que também é de graça e vale a pena a visita! A arte moderna é o tipo da coisa que me impressiona por permitir que qualquer coisa seja chamada arte. O melhor exemplo foi um vídeo que assisti. Ele durava uns quatro minutos e era assim: havia, numa sala, um sofá branco e uma mulher pelada sentada nele. Daí chegava um cara, também pelado, com um balão branco na mão e ficava pulando no sofá. A mulher não se mexia. Quatro minutos disso. Fim.
   Podre de cansado, no fim do dia, me arrastei com a mochila pra rodoviária e apenas dormi no ônibus de volta pra Paris. Mal me lembro de quando saí de Londres. Lembro de ser acordado por um agente federal francês quando cruzei o Canal da Mancha e depois só lembro de estar sendo acordado, dessa vez, pelo motorista do ônibus, já em Paris.  Agora o meu objetivo era aprender a pegar trem e, assim, chegar à romântica Bruges, na Bélgica.


É BOM TU SABER
 
   Metrôs são o máximo! O de Paris era mais ou menos, mas o de Londres é de alto padrão – só perde, na minha opinião, pro de Berlim e o de Barcelona. Metrôs são, de uma forma geral, eficientes e aconchegantes. Fazer um metrô nas cidades de médio e grande porte tinha que ser prioridade de qualquer governo. A qualidade de vida aumenta na mesma proporção dos pesados investimentos, uma vez que o cidadão economiza muito tempo andando de metrô, além de ser um meio de transporte coletivo “amigo do meio ambiente”, pois quase não polui. Pensa nisso!

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

CASA NOVA

   Com um atraso considerável, coloco meu blog, enfim, na era da Internet 2.0. A partir de agora, vocês leitores, não vão ter mais que interagir com um blog mantido de forma quase artesanal, mas com o quê há de melhor na web. Para que tal interação fosse feita da melhor forma possível, várias alterações aconteceram.
   A primeira mudança foi nome. The Wave Two era um nome difícil de compreender, por isso criei o Surfando Vacas & DNA. Ok, o nome é comprido, mas o endereço de acesso é simples. Basta digitar svdna.blogspot.com. Pronto! Se quiser escrever o nome inteiro, surfandovacasedna.blogspot.com, também funciona.
   E por que esse nome estranho? Eu juro que tentei várias coisas mais simples, e que ainda assim tivessem relação com o logotipo clássico do blog. O problema é que muitos domínios já são cadastrados por outros usuários do Google, assim só restaram os nomes grandes. Desta forma, fiquei num dilema pra boi dormir: Surfe Bovino ou SV&DNA? Acabei optando por essa licença poética da música Surfando Karmas & DNA, do Huberto Gessinger, pois além de ela ter tudo a ver com o logotipo do blog, eu, de uma forma ou outra, sempre explicitei tudo aquilo que faz parte de mim no blog, ou seja, o meu DNA – e um pouco mais.
   O Google oferece vantagens sensacionais para se hospedar um blog. Por exemplo, tu não precisa saber tanto de programação pra operar tudo de forma rápida. As fotos podem ser adaptadas ao texto e ampliadas com um simples clique do leitor. Os comentários podem ser feitos diretamente no fim de cada post e todos os posts antigos ficam organizadinhos na coluna ao lado – com os links funcionando! Outra ferramenta fodona é a barra de pesquisas. Através dela, o leitor pode encontrar algum tópico específico no blog em instantes.
   Além de tudo isso, os leitores podem assinar o blog – e de graça! Basta clicar no link ao lado de Assinar, no fim da página, e seguir as instruções que o navegador vai dar. E outra: o leitor pode ser um seguidor meu. Para isso, basta ser cadastrado no Google (inclui-se aí o Gmail e o Orkut, por exemplo). Lá, o leitor pode escolher se quer que o fato de ele ser seguidor do blog seja algo público ou não e, a partir daí, conhecer os outros leitores do blog.
   Tudo que foi postado no blog antigo permanecerá lá (a não ser que a Globo exclua sem o meu consentimento). Para cá, apenas transferi os relatos do meu primeiro, inesquecível e perfeito mochilão.
   A propósito, o próximo post sobre a minha aventura, que é sobre Londres, sai até quarta-feira, dia 9 de Setembro. Até lá e bem-vindos ao meu novo blog!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 2: PARIS)

Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como imaginamos e não simplesmente como ele é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver. (Amyr Klink)



   Eu já tinha lugar certo pra ficar em Paris. Meio que por acaso, conheci a Anne pelo Couchsurfing. Na verdade, a irmã dela foi quem nos colocou em contato. Como a Anne vinha pro Brasil em breve e estava afim de praticar o português dela um pouco mais, me aceitou de cara no apartamento de18m² dela. Difícil foi chegar lá.
   O avião atrasou meia hora e levei outra meia hora pra pegar minha bagagem. Pra piorar, eu só tinha andado de metrô uma vez na vida e, embora eu tivesse todas as direções pra chegar à Anne, até comprar a passagem foi complicado. Peguei um trem, depois um metrô. Quando saí da estação, a ficha começou a cair: Rue de Rennes, Paris! Aquilo tudo era de verdade: pessoas de bicicleta, prédios triangulares, cafés... Meu sonho tinha virado realidade!
   Essa história de se hospedar na casa de pessoas que tu nunca viu na vida, no início, causa estranheza. Contudo quando venci o sexto andar de escadas e vi que ela existia fiquei tranqüilo. Ela estava me esperando sorridente e me tratou de uma forma tão natural como se já me conhecesse há tempos. Na verdade, ela estava só me esperando pra sair e tratar da papelada dela pra vir pro Brasil. Como ela não ia dormir em casa naquela noite, ela me explicou como as coisas funcionavam no prédio, me mostrou rapidamente a vizinhança e se foi. Eu, podre de cansado, fui ao mercado comprar minha janta. Aquele resto do dia foi dedicado à recarregar as energias pro dia seguinte.

Com a Anne em algum dos 18m²
 
 
APRENDENDO A MOCHILAR

   Embora eu tivesse muita vontade em me chamar de mochileiro, até então eu era um mero turista querendo evoluir pra esse outro nível. Tanto que no primeiro dia eu fui pra rua cheio de tranqueiras na mochila, além de estar carregando comigo muito mais dinheiro que o necessário e, mérito de ser brasileiro, ainda andava desconfiado de tudo mundo. Eu tinha muito que aprender ainda...
   O apartamento da Anne era tri bem localizado. Dava pra visitar tudo sem pegar metrô, bastava ter pernas treinadas e muita água pra suportar os 36 graus do verão francês. Comecei o meu dia pela Catedral Notre Dame. O lugar foi construído entre os séculos XXII e XIV e atrai multidões por conta da história do Corcunda de Notre Dame, escrito por Victor Hugo. Todavia, sinto informar, a Catedral é muito mais bonita por fora do que por dentro. Não que o lugar não seja digno de uma visita, mas não é o tipo de lugar que te arranca suspiros – ainda que as filas que se formam pra entrar no lugar às vezes consigam.

Catedral Notre Dame
 
   Ali nos arredores, na beira do rio Sena, fica a Conciergerie (uma antiga prisão), o Palácio da Justiça e a Igreja Gótica Sainte-Chapelle, e essa é fodona! Paga-se uns quatro euros pra entrar, mas vale o investimento. Construída entre 1242 e 1248, a Sainte-Chapelle tem dois andares. No primeiro fica uma capelinha, algumas pinturas na parede e as barraquinhas de suvenires (como não poderia faltar!). Em cima, quinze vitrais coloridos e monumentais contam, através de 1.113 cenas, a história do homem, desde o livro de Gênesis até a Ressurreição de Cristo.


Sainte-Chapelle
 
Primeiro andar. E, sim, é ouro.
 
Os vitrais ficam no segundo andar.
 
Ainda que as duas fotos não sejam correspondentes, quero enfatizar a riqueza dos detalhes.
  
   Saindo da Sainte-Chapelle, tu pode entrar no Palácio da Justiça. Como tu é turista, a tua visita é limitada ao saguão principal. Mas não tem nada que te impeça de ir adiante; então, com a câmera guardada, fui indo. Passei por uns salões pomposos e com esculturas bem legais, entrei num tribunal vazio e só fui barrado ao tentar entrar no gabinete do juiz principal. Daí fui educadamente convidado a me retirar.
Conciergerie, que é juntinha ao Palácio da Justiça
  
   Ainda nas redondezas, fiquei simplesmente vagando pelas ruas – e como isso é maravilhoso! Passei por uns cafés charmosos dentro de ruas estreitas, feiras de quinquilharias e artesanato e uma livraria meio alternativa, a Shakespeare and Co.– que depois, já de volta no Brasil, fui descobrir que ela é símbolo do movimento beat na Europa !!
Típico café francês.
 
Quer saber porque eu achei a livraria o máximo? Clica aqui.

     Almocei os famosos baguetes franceses! São tri bons, baratos e tem pra todos os gostos. Encontrei a Anne em casa, ela me ajudou a marcar minha passagem de trem pra dali uns dias e fui conhecer o Jardim de Luxemburgo. O lugar equivaleria a um Parque da Redenção, em Porto Alegre, mas é muito maior, bonito e seguro – além de ter um “palácio” dentro dele. Lá o pessoal vai jogar tênis, ler um livro, tomar sorvete, dormir na grama ou fazer piquenique. Eu dei a sorte de ter uma orquestra de adolescentes tocando Beatles e James Brown sob um coreto no meio do Jardim.

E olha que era terça-feira!
 
Palácio de Luxemburgo
 
 
CANSADO, MAS DISPOSTO

   Nessas alturas, umas 16:00, eu já estava cansado. Eu não estava acostumado caminhar tanto e nem estava esperando tamanho calor. Porém eu não podia parar pra descansar! Segui andando, passei pelo Pantheon (que é um memorial dos grandes pensadores) e fui barrado na Sorbonne (uma das universidades mais tradicionais da Europa).
   À tardinha, fui a pé com a Anne na Torre Eiffel. Enfim, tivemos a oportunidade de conversar direito. Conversamos sobre quando ela se mudou da Polônia pra França, das aventuras dela no México, além de política, comida, música e ócio. Enquanto isso, ela ia me apresentando Paris e suas peculiaridades. Andamos debaixo das pontes na beira do Sena sem problema algum, flagramos francesas tomando banho de sol e tanto curti aqueles momentos que mal lembrei de bater fotos. Ao chegar na Torre Eiffel, deitamos na grama e ficamos a toa por um bom tempo. A sensação foi ótima!

Já pensou o povo fazendo isso na beira do Arroio Dilúvio em Porto Alegre?
 
Torre Eiffel.
  
   Agora eu já estava podre de cansado e semi-desidratado – inclusive com os lábios queimados do sol. Nem jantei direito. Poucas vezes fiquei tão cansado na vida. Chegamos em casa pelas 22:00, anoitecia lá fora, e desabei na cama. Mal lembro o que conversamos dali em diante.


O LOUVRE

   O dia seguinte ia ser dedicado apenas ao Museu do Louvre. A Anne tinha me alertado que cinco horas eram mais que o suficiente lá dentro, mas eu achava que não. Novamente não tive que encarar muita fila e às 10:00 já estava andando por lá. O museu é assustadoramente gigante! E o lugar tem de tudo um pouco, desde relíquias egípcias, pinturas, tapetes persas, esculturas gregas e romanas e muito mais!
   Eu comecei pela ala da Mona Lisa, daí eu me livrava dos tumultos nos corredores de uma vez por todas. É impressionante como esse quadro move as multidões e arranca flashes de todo mundo. Chegar perto do quadro é uma missão quase impossível e arriscada. O mais frustrante no meio de tudo isso é que o quadro é pequeno e o lamentável é que o povo ignora todos os outros quadros daquele salão.
Povo troca tapas pra chegar perto da Mona Lisa.
 
Este quadro fica de frente à Mona Lisa, do outro lado do salão. Quase ninguém repara nele, muito embora ele ocupe a parede inteira. Detalhe na guria me encarando :P
   
   Depois de feita a minha obrigação como turista, fui curtir o resto do museu. Fotografei dezenas de coisas, mas só selecionei algumas. No fim de tudo, fui obrigado a concordar com a Anne: cinco horas é demais no Louvre. Não é que o museu não tem atrações que chega, muito pelo contrário, ele tem muita coisa! Chega a ser “poluído” e, a partir de certo momento, repetitivo pra olhos pouco treinados como os meus.
"Tá brabo aí, hein?"
  
 
Vênus de Milo
 
Esfinge egípcia.
 
Salão de jantar do Napoleão.
    
Vasos chineses.
 
Tapete persa gigante.
 
      Já em casa, a Anne insistiu pra que eu fosse em Montmartre, mas eu estava meio assustado com a minha semi-desidratação do dia anterior. Resolvi fazer um passeio mais leve e fui dar umas bandas pela Avenida Champs-Elyseés. Hoje me arrependo. A Champs-Elyseés até que é legal. É pertinho da Torre Eiffel e termina no Arco do Triunfo, mas não é algo inesquecível. Ela tem turistas sedentos por torrar seus euros em todos os cantos, lojas de grife e nenhuma lixeira – e mesmo assim ninguém atira lixo no chão! É basicamente isso. Andei até não ter mais pernas pra isso e depois fui pra casa. Ali, começavam a se desenvolver as minhas primeiras bolhas nos pés.
   No dia seguinte, pela manhã, tive de me despedir da Anne. O mochilão seguia e eu não podia ficar mais tempo em Paris. Na verdade, nossa despedida não passou de um “até logo”, já que ela ficou de vir pra Porto Alegre em breve. Minha primeira hostess no Couchsurfing foi tri legal!
   O meu destino agora era Londres, a terra do meu herói na adolescência: Sherlock Holmes. Tomei meu rumo pra rodoviária já bem menos assustado em dividir o metrô com seres suspeitos. Eu estava começando a pegar o espírito mochileiro...
 
  
É BOM TU SABER!!

   Sabe aquela história de que os parisienses se acham e que se recusam a falar inglês? É tudo lenda!
   Durante toda a minha estada em Paris, fui muito bem tratado por todos os locais. Eles, de uma forma geral, falam pouco inglês – e pior ainda os imigrantes –, mas dá pra se comunicar com eles. É tudo uma questão de jeito. Porém, sugiro que tu aprenda coisas do tipo oui (sim) e non (não), pois eles não notam que estão respondendo as tuas perguntas em francês.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 1: COMO TUDO COMEÇOU)

   Seria muito errado e vazio se eu começasse o relato do mochilão pela própria viagem. O meu mochilão, que aconteceu entre os dias 28 de junho e 6 de agosto deste ano, iniciou muito antes, mais precisamente em 2005.
   Tudo começou quando eu tinha 17 anos e havia recém chegado à Pittsburgh, nos Estados Unidos, para cursar Administração e morar com os tios e primo. Tudo aquilo era novidade e eu achava o máximo estar no meio dos gringos e falar inglês. Nada podia ser melhor. Eu jurava que era livre dentro daquela alegre rotina que se resumia no seguinte: casa, minha faculdade, faculdade da tia Sara e casa de novo. Eu podia até escolher quando comer fast-food!
   Veio o segundo semestre, as aulas de Filosofia do Mr. Eskridge (o melhor professor do mundo!) e eis que tive minha primeira crise psicológica – e eu achava que esse negócio só dava em velhos. Aquele professor questionava tudo, e quanto mais eu o enchia de perguntas, mais indagações palpitavam na minha cabeça diante das respostas que eu recebia. Comecei a pensar se a liberdade que eu realmente almejava pra mim era aquela que eu tinha no momento e com o passar do tempo percebi que aquilo era muito pouco.
   A partir de lá, a minha cabeça começou a girar em outra freqüência. Eu chegava a ser chato com meus tios às vezes de tanto assunto semi-filosófico que eu levantava durante a janta, no carro e onde mais pudesse. Contudo, num belo dia de nevasca, a tia Sara, por algum motivo que não me recordo, começou a contar das aventuras dela pela Europa, quando ela estava na casa dos 20 e poucos anos. Ela e duas amigas vagaram pelo continente por vários meses, intercalando trabalho e férias, apenas com mochilas nas costas. Minha tia garantiu que aquilo foi a experiência da vida dela (logo depois de ser mãe, lógico) e que nunca tinha aprendido tanto em tão pouco tempo – e pelas histórias que ela contava dava pra botar fé na história.
   Aquilo tudo pareceu legal! Se através daquilo eu ia ser mais livre eu não sabia, mas eu precisava tentar! No fim daquele ano, voltei pro Brasil com um objetivo muito claro: eu também ia fazer meu mochilão pela Europa – e isso ia ser antes de eu me formar administrador.


DISCIPLINA É LIBERDADE

   Para que meu plano de mochilar desse certo, da forma mais independente possível – como um mochilão deve ser –, eu precisava de grana. Meus pais até poderiam bancar minha viagem, mas aquilo era um mochilão e não uma viagem de 15 anos pra Disney. Eu até tinha um dinheiro acumulado das mesadas simbólicas que eu recebia na adolescência, mas aquilo não dava nem pras passagens. Era tempo de começar a trabalhar – e com o pai não valia.
   Simultaneamente às minhas aventuras no mercado de trabalho, tentei convencer meio mundo de que um mochilão era algo fantástico a ser feito – de amigos à ex-quase-namoradas. Cerca de 90% das pessoas achavam a idéia ótima, mas quando o assunto dinheiro surgia, as companhias desapareciam. A maioria não enxergava a viagem como um investimento neles mesmos, mas como uma despesa qualquer – só que em maiores proporções e indigna de tamanho sacrifício. Os outros 10%? Eles preferiam uma viagem de excursão, pra não ter de se preocupar com nada. Eu gosto de responsabilidades!
   Para a surpresa geral, e talvez até minha naquela época, arrumei um emprego como professor de inglês. Foi tri bom! Depois de três anos lecionando algumas horas por dia, abrindo mão das festas fúteis, das compras desnecessárias e de prazeres efêmeros, eu consegui grana suficiente pra viajar pela Europa por mais de mês sem precisar trabalhar nesse meio-tempo e com certo conforto.


OS PREPARATIVOS

   No final do ano passado decidi que viajaria nas minhas férias de inverno seguintes, assim pegaria o melhor do verão europeu e teria menos roupas pra carregar na mochila. Em seguida, comecei a comprar meus apetrechos para a viagem (sim, os gastos com um mochilão vão muito além da viagem em si).
   O primeiro investimento foi o meu guia. Optei pelo Let’s Go, embora os Lonely Planet também sejam bons. Até existem alguns guias pra viajantes independentes em português, mas eles ainda são muito, mas muito, limitados em relação ao estrangeiros pelo simples fato de nós, brasileiros, não termos essa cultura (ou possibilidade) de viajar.

Minha bíblia.
   
   Os meses seguintes à essa minha compra foram puxados. Eu tinha cerca de cinco meses pra ler o máximo que eu podia do meu guia de 1074 páginas e, assim, elaborar um cronograma flexível e que me oportunizasse conhecer o máximo da Europa em 39 dias. Um desafio e tanto, levando em conta que a minha vida continuou acontecendo ao mesmo tempo. Eu ainda tinha a faculdade, o trabalho e todos os outros detalhes da viagem pra resolver (como definir passagens de trem, ônibus e avião, estadia, apetrechos para levar e a própria mochila).

  Crampon 68, da Trilhas e Rumos. Recomendo!
 
Ótimo investimento: toalha superabsorvente. Tem apenas 33x 42cm e te seca por inteiro.  
   Com a proximidade da viagem, sem outra saída, comecei a deixar de lado algumas coisas e focar na viagem. A primeira coisa de que abri mão pra ter mais tempo para me organizar foi a natação. A segunda foi a freqüência que eu ia de Porto Alegre pra Carazinho visitar parentes e amigos. E essa lista foi crescendo. Tudo para que meu sonho se tornasse realizável no prazo que eu me havia preestabelecido e que ele acontecesse da forma que eu o havia idealizado. Valeu a pena!
 
  
SOLIDÃO QUE NADA
 
   A idéia de viajar sozinho durante 39 dias não soava bem pra quase ninguém, mas eu não me incomodava com isso. Muitos diziam que era muito arriscado, perigoso ou, até mesmo, deprimente. Contudo, eu não podia abrir mão de um sonho por ninguém compartilhar dele.
   Também encontrei certa resistência quando contei que ficaria, na maioria das vezes, hospedado na casa de estranhos. Aquilo, pra muitos, pareceu loucura. Pra mim, foi uma excelente oportunidade de me integrar, de fato, aos locais que visitaria e curtir tudo ao máximo – até porque ninguém conhece melhor uma cidade do que um próprio cidadão da mesma.
   Como que eu conseguia lugar pra ficar na casa de estranhos? Simples. Existe um site fantástico chamado CouchSurfing.org e lá várias pessoas engajadas em fazer um mundo melhor e menos chato e complicado se oferecem pra hospedar viajantes em suas próprias casas de graça. Em troca elas exigem que tu dedique um tempo a elas, compartilhando tuas experiências de vida e nada além. Isso soa utópico, mas existe e funciona! Fiz couchsurfing por vinte e uma noites na Europa e curti muito!


TENSO

   Os dias que antecederam minha viagem foram de puro nervosismo. As provas na faculdade se acumulavam, eu tinha que deixar meus alunos com o conteúdo bem encaminhado pro professor que ia assumir o meu lugar e eu não tinha lugar certo pra ficar em algumas cidades ainda – até porque parte do meu itinerário ia ser definido apenas durante a viagem. No fim, quando eu já estava até sonhando em inglês com as minhas futuras aventuras na Europa, deu tudo certo.
   No dia anterior ao meu vôo fui fazer minha Carteira Internacional de Vacinação no aeroporto. Coisa rápida, imaginei, já que eu tinha a minha carteirinha e o passaporte em mãos – pelo menos tinha sido assim com os meus pais e irmão. Ledo engano! Cheguei na ANVISA, bati na porta e nada! Pedi pros caras da Polícia Federal, que fica do lado da ANVISA, ligarem pra lá, mas eles disseram que não podiam. Insisti até quase implorar, daí eles se deram ao trabalho de discar o ramal do lugar e alguém atendeu! Tinha alguém lá dentro o tempo todo! E na verdade eram duas.
   Expliquei minha situação e eles foram fazer a tal da carteirinha. O primeiro problema surgiu logo de cara: a mulher não entendia o que a enfermeira que me fez a vacina pra febre-amarela, em 2005, tinha escrito. Ela tinha dúvida se a seqüência de números do lote da vacina acabava com um número cinco ou oito – e ela não podia escrever o número errado de jeito nenhum. Insisti tanto até que a convenci que aquilo era um oito e ela aceitou fazer a carteirinha.
   O segundo problema veio logo depois. O colega de trabalho dela, ao acessar a internet, constatou que não tinha internet! Exatamente, não havia sinal na ANVISA – muito embora tivesse na Polícia Federal, no escritório ao lado. Perguntei se eles não podiam acessar a internet ali na Polícia Federal e eles disseram que não tinham essa autorização. Contudo, naquela altura do campeonato, eu já estava amigo dos carinhas da ANVISA. Então, como eu era, no mínimo, 40 anos mais jovem que eles e manjava muito mais de computadores, eles me pediram pra tentar solucionar o problema da rede. Sim! Eu pude mexer nos computadores da ANVISA e, de fato, o problema era em algum equipamento deles. Acho que era o roteador.
   No meio dessa confusão, a mulher ficou olhando a minha carteirinha e ressuscitou a dúvida do lote da vacina, ou seja, voltamos à estaca zero. Enquanto ela e seu colega se debruçavam sobre a carteirinha, eu comecei a olhar a papelada que estava sobre a mesa do lugar que eles me mandaram ficar esperando. Ali estavam nada mais nada menos que o Manual de Instruções do Ministério da Saúde sobre a Gripe Suína – muito didático, aliás. E o mais massa: ali havia a lista de todos as pessoas que haviam chegado à Porto Alegre de avião com suspeita da gripe – até o momento eram quatro pessoas somente, e três delas vindas da Argentina.
   Refém da burocracia demasiada que atola quase todos os serviços do Estado Brasileiro, mais de hora depois, me despedi dos meus "miguxos" da ANVISA sem ter conseguido minha carteirinha. Eu teria de voltar lá no dia seguinte, algumas horas antes do meu vôo, para fazê-la. No dia seguinte deu tudo certo. Os plantonistas eram menos complicados, a internet estava funcionando (e eu não lembrei de perguntar qual tinha sido o problema!) e também fiquei amigo deles. Um dos carinhas até me contou que um filho dele também queria ter feito mochilão, mas ele não deixou. Na despedida, a mulher até sugeriu que na volta eu passasse lá pra contar da viagem (agentes da ANVISA parecem ser solitários e tristes, mas são amistosos)!
   Depois daquela novela na ANVISA, despachar a mochila numa fila quilométrica e me despedir da minha mãe foi trabalho fácil. Meu sonho estava prestes a se realizar!
   Até o próximo post, divirta-se com o roteiro do meu mochilão.
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