quarta-feira, 2 de setembro de 2009

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 2: PARIS)

Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como imaginamos e não simplesmente como ele é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver. (Amyr Klink)



   Eu já tinha lugar certo pra ficar em Paris. Meio que por acaso, conheci a Anne pelo Couchsurfing. Na verdade, a irmã dela foi quem nos colocou em contato. Como a Anne vinha pro Brasil em breve e estava afim de praticar o português dela um pouco mais, me aceitou de cara no apartamento de18m² dela. Difícil foi chegar lá.
   O avião atrasou meia hora e levei outra meia hora pra pegar minha bagagem. Pra piorar, eu só tinha andado de metrô uma vez na vida e, embora eu tivesse todas as direções pra chegar à Anne, até comprar a passagem foi complicado. Peguei um trem, depois um metrô. Quando saí da estação, a ficha começou a cair: Rue de Rennes, Paris! Aquilo tudo era de verdade: pessoas de bicicleta, prédios triangulares, cafés... Meu sonho tinha virado realidade!
   Essa história de se hospedar na casa de pessoas que tu nunca viu na vida, no início, causa estranheza. Contudo quando venci o sexto andar de escadas e vi que ela existia fiquei tranqüilo. Ela estava me esperando sorridente e me tratou de uma forma tão natural como se já me conhecesse há tempos. Na verdade, ela estava só me esperando pra sair e tratar da papelada dela pra vir pro Brasil. Como ela não ia dormir em casa naquela noite, ela me explicou como as coisas funcionavam no prédio, me mostrou rapidamente a vizinhança e se foi. Eu, podre de cansado, fui ao mercado comprar minha janta. Aquele resto do dia foi dedicado à recarregar as energias pro dia seguinte.

Com a Anne em algum dos 18m²
 
 
APRENDENDO A MOCHILAR

   Embora eu tivesse muita vontade em me chamar de mochileiro, até então eu era um mero turista querendo evoluir pra esse outro nível. Tanto que no primeiro dia eu fui pra rua cheio de tranqueiras na mochila, além de estar carregando comigo muito mais dinheiro que o necessário e, mérito de ser brasileiro, ainda andava desconfiado de tudo mundo. Eu tinha muito que aprender ainda...
   O apartamento da Anne era tri bem localizado. Dava pra visitar tudo sem pegar metrô, bastava ter pernas treinadas e muita água pra suportar os 36 graus do verão francês. Comecei o meu dia pela Catedral Notre Dame. O lugar foi construído entre os séculos XXII e XIV e atrai multidões por conta da história do Corcunda de Notre Dame, escrito por Victor Hugo. Todavia, sinto informar, a Catedral é muito mais bonita por fora do que por dentro. Não que o lugar não seja digno de uma visita, mas não é o tipo de lugar que te arranca suspiros – ainda que as filas que se formam pra entrar no lugar às vezes consigam.

Catedral Notre Dame
 
   Ali nos arredores, na beira do rio Sena, fica a Conciergerie (uma antiga prisão), o Palácio da Justiça e a Igreja Gótica Sainte-Chapelle, e essa é fodona! Paga-se uns quatro euros pra entrar, mas vale o investimento. Construída entre 1242 e 1248, a Sainte-Chapelle tem dois andares. No primeiro fica uma capelinha, algumas pinturas na parede e as barraquinhas de suvenires (como não poderia faltar!). Em cima, quinze vitrais coloridos e monumentais contam, através de 1.113 cenas, a história do homem, desde o livro de Gênesis até a Ressurreição de Cristo.


Sainte-Chapelle
 
Primeiro andar. E, sim, é ouro.
 
Os vitrais ficam no segundo andar.
 
Ainda que as duas fotos não sejam correspondentes, quero enfatizar a riqueza dos detalhes.
  
   Saindo da Sainte-Chapelle, tu pode entrar no Palácio da Justiça. Como tu é turista, a tua visita é limitada ao saguão principal. Mas não tem nada que te impeça de ir adiante; então, com a câmera guardada, fui indo. Passei por uns salões pomposos e com esculturas bem legais, entrei num tribunal vazio e só fui barrado ao tentar entrar no gabinete do juiz principal. Daí fui educadamente convidado a me retirar.
Conciergerie, que é juntinha ao Palácio da Justiça
  
   Ainda nas redondezas, fiquei simplesmente vagando pelas ruas – e como isso é maravilhoso! Passei por uns cafés charmosos dentro de ruas estreitas, feiras de quinquilharias e artesanato e uma livraria meio alternativa, a Shakespeare and Co.– que depois, já de volta no Brasil, fui descobrir que ela é símbolo do movimento beat na Europa !!
Típico café francês.
 
Quer saber porque eu achei a livraria o máximo? Clica aqui.

     Almocei os famosos baguetes franceses! São tri bons, baratos e tem pra todos os gostos. Encontrei a Anne em casa, ela me ajudou a marcar minha passagem de trem pra dali uns dias e fui conhecer o Jardim de Luxemburgo. O lugar equivaleria a um Parque da Redenção, em Porto Alegre, mas é muito maior, bonito e seguro – além de ter um “palácio” dentro dele. Lá o pessoal vai jogar tênis, ler um livro, tomar sorvete, dormir na grama ou fazer piquenique. Eu dei a sorte de ter uma orquestra de adolescentes tocando Beatles e James Brown sob um coreto no meio do Jardim.

E olha que era terça-feira!
 
Palácio de Luxemburgo
 
 
CANSADO, MAS DISPOSTO

   Nessas alturas, umas 16:00, eu já estava cansado. Eu não estava acostumado caminhar tanto e nem estava esperando tamanho calor. Porém eu não podia parar pra descansar! Segui andando, passei pelo Pantheon (que é um memorial dos grandes pensadores) e fui barrado na Sorbonne (uma das universidades mais tradicionais da Europa).
   À tardinha, fui a pé com a Anne na Torre Eiffel. Enfim, tivemos a oportunidade de conversar direito. Conversamos sobre quando ela se mudou da Polônia pra França, das aventuras dela no México, além de política, comida, música e ócio. Enquanto isso, ela ia me apresentando Paris e suas peculiaridades. Andamos debaixo das pontes na beira do Sena sem problema algum, flagramos francesas tomando banho de sol e tanto curti aqueles momentos que mal lembrei de bater fotos. Ao chegar na Torre Eiffel, deitamos na grama e ficamos a toa por um bom tempo. A sensação foi ótima!

Já pensou o povo fazendo isso na beira do Arroio Dilúvio em Porto Alegre?
 
Torre Eiffel.
  
   Agora eu já estava podre de cansado e semi-desidratado – inclusive com os lábios queimados do sol. Nem jantei direito. Poucas vezes fiquei tão cansado na vida. Chegamos em casa pelas 22:00, anoitecia lá fora, e desabei na cama. Mal lembro o que conversamos dali em diante.


O LOUVRE

   O dia seguinte ia ser dedicado apenas ao Museu do Louvre. A Anne tinha me alertado que cinco horas eram mais que o suficiente lá dentro, mas eu achava que não. Novamente não tive que encarar muita fila e às 10:00 já estava andando por lá. O museu é assustadoramente gigante! E o lugar tem de tudo um pouco, desde relíquias egípcias, pinturas, tapetes persas, esculturas gregas e romanas e muito mais!
   Eu comecei pela ala da Mona Lisa, daí eu me livrava dos tumultos nos corredores de uma vez por todas. É impressionante como esse quadro move as multidões e arranca flashes de todo mundo. Chegar perto do quadro é uma missão quase impossível e arriscada. O mais frustrante no meio de tudo isso é que o quadro é pequeno e o lamentável é que o povo ignora todos os outros quadros daquele salão.
Povo troca tapas pra chegar perto da Mona Lisa.
 
Este quadro fica de frente à Mona Lisa, do outro lado do salão. Quase ninguém repara nele, muito embora ele ocupe a parede inteira. Detalhe na guria me encarando :P
   
   Depois de feita a minha obrigação como turista, fui curtir o resto do museu. Fotografei dezenas de coisas, mas só selecionei algumas. No fim de tudo, fui obrigado a concordar com a Anne: cinco horas é demais no Louvre. Não é que o museu não tem atrações que chega, muito pelo contrário, ele tem muita coisa! Chega a ser “poluído” e, a partir de certo momento, repetitivo pra olhos pouco treinados como os meus.
"Tá brabo aí, hein?"
  
 
Vênus de Milo
 
Esfinge egípcia.
 
Salão de jantar do Napoleão.
    
Vasos chineses.
 
Tapete persa gigante.
 
      Já em casa, a Anne insistiu pra que eu fosse em Montmartre, mas eu estava meio assustado com a minha semi-desidratação do dia anterior. Resolvi fazer um passeio mais leve e fui dar umas bandas pela Avenida Champs-Elyseés. Hoje me arrependo. A Champs-Elyseés até que é legal. É pertinho da Torre Eiffel e termina no Arco do Triunfo, mas não é algo inesquecível. Ela tem turistas sedentos por torrar seus euros em todos os cantos, lojas de grife e nenhuma lixeira – e mesmo assim ninguém atira lixo no chão! É basicamente isso. Andei até não ter mais pernas pra isso e depois fui pra casa. Ali, começavam a se desenvolver as minhas primeiras bolhas nos pés.
   No dia seguinte, pela manhã, tive de me despedir da Anne. O mochilão seguia e eu não podia ficar mais tempo em Paris. Na verdade, nossa despedida não passou de um “até logo”, já que ela ficou de vir pra Porto Alegre em breve. Minha primeira hostess no Couchsurfing foi tri legal!
   O meu destino agora era Londres, a terra do meu herói na adolescência: Sherlock Holmes. Tomei meu rumo pra rodoviária já bem menos assustado em dividir o metrô com seres suspeitos. Eu estava começando a pegar o espírito mochileiro...
 
  
É BOM TU SABER!!

   Sabe aquela história de que os parisienses se acham e que se recusam a falar inglês? É tudo lenda!
   Durante toda a minha estada em Paris, fui muito bem tratado por todos os locais. Eles, de uma forma geral, falam pouco inglês – e pior ainda os imigrantes –, mas dá pra se comunicar com eles. É tudo uma questão de jeito. Porém, sugiro que tu aprenda coisas do tipo oui (sim) e non (não), pois eles não notam que estão respondendo as tuas perguntas em francês.

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