terça-feira, 1 de setembro de 2009

MOCHILÃO PELA EUROPA (PARTE 1: COMO TUDO COMEÇOU)

   Seria muito errado e vazio se eu começasse o relato do mochilão pela própria viagem. O meu mochilão, que aconteceu entre os dias 28 de junho e 6 de agosto deste ano, iniciou muito antes, mais precisamente em 2005.
   Tudo começou quando eu tinha 17 anos e havia recém chegado à Pittsburgh, nos Estados Unidos, para cursar Administração e morar com os tios e primo. Tudo aquilo era novidade e eu achava o máximo estar no meio dos gringos e falar inglês. Nada podia ser melhor. Eu jurava que era livre dentro daquela alegre rotina que se resumia no seguinte: casa, minha faculdade, faculdade da tia Sara e casa de novo. Eu podia até escolher quando comer fast-food!
   Veio o segundo semestre, as aulas de Filosofia do Mr. Eskridge (o melhor professor do mundo!) e eis que tive minha primeira crise psicológica – e eu achava que esse negócio só dava em velhos. Aquele professor questionava tudo, e quanto mais eu o enchia de perguntas, mais indagações palpitavam na minha cabeça diante das respostas que eu recebia. Comecei a pensar se a liberdade que eu realmente almejava pra mim era aquela que eu tinha no momento e com o passar do tempo percebi que aquilo era muito pouco.
   A partir de lá, a minha cabeça começou a girar em outra freqüência. Eu chegava a ser chato com meus tios às vezes de tanto assunto semi-filosófico que eu levantava durante a janta, no carro e onde mais pudesse. Contudo, num belo dia de nevasca, a tia Sara, por algum motivo que não me recordo, começou a contar das aventuras dela pela Europa, quando ela estava na casa dos 20 e poucos anos. Ela e duas amigas vagaram pelo continente por vários meses, intercalando trabalho e férias, apenas com mochilas nas costas. Minha tia garantiu que aquilo foi a experiência da vida dela (logo depois de ser mãe, lógico) e que nunca tinha aprendido tanto em tão pouco tempo – e pelas histórias que ela contava dava pra botar fé na história.
   Aquilo tudo pareceu legal! Se através daquilo eu ia ser mais livre eu não sabia, mas eu precisava tentar! No fim daquele ano, voltei pro Brasil com um objetivo muito claro: eu também ia fazer meu mochilão pela Europa – e isso ia ser antes de eu me formar administrador.


DISCIPLINA É LIBERDADE

   Para que meu plano de mochilar desse certo, da forma mais independente possível – como um mochilão deve ser –, eu precisava de grana. Meus pais até poderiam bancar minha viagem, mas aquilo era um mochilão e não uma viagem de 15 anos pra Disney. Eu até tinha um dinheiro acumulado das mesadas simbólicas que eu recebia na adolescência, mas aquilo não dava nem pras passagens. Era tempo de começar a trabalhar – e com o pai não valia.
   Simultaneamente às minhas aventuras no mercado de trabalho, tentei convencer meio mundo de que um mochilão era algo fantástico a ser feito – de amigos à ex-quase-namoradas. Cerca de 90% das pessoas achavam a idéia ótima, mas quando o assunto dinheiro surgia, as companhias desapareciam. A maioria não enxergava a viagem como um investimento neles mesmos, mas como uma despesa qualquer – só que em maiores proporções e indigna de tamanho sacrifício. Os outros 10%? Eles preferiam uma viagem de excursão, pra não ter de se preocupar com nada. Eu gosto de responsabilidades!
   Para a surpresa geral, e talvez até minha naquela época, arrumei um emprego como professor de inglês. Foi tri bom! Depois de três anos lecionando algumas horas por dia, abrindo mão das festas fúteis, das compras desnecessárias e de prazeres efêmeros, eu consegui grana suficiente pra viajar pela Europa por mais de mês sem precisar trabalhar nesse meio-tempo e com certo conforto.


OS PREPARATIVOS

   No final do ano passado decidi que viajaria nas minhas férias de inverno seguintes, assim pegaria o melhor do verão europeu e teria menos roupas pra carregar na mochila. Em seguida, comecei a comprar meus apetrechos para a viagem (sim, os gastos com um mochilão vão muito além da viagem em si).
   O primeiro investimento foi o meu guia. Optei pelo Let’s Go, embora os Lonely Planet também sejam bons. Até existem alguns guias pra viajantes independentes em português, mas eles ainda são muito, mas muito, limitados em relação ao estrangeiros pelo simples fato de nós, brasileiros, não termos essa cultura (ou possibilidade) de viajar.

Minha bíblia.
   
   Os meses seguintes à essa minha compra foram puxados. Eu tinha cerca de cinco meses pra ler o máximo que eu podia do meu guia de 1074 páginas e, assim, elaborar um cronograma flexível e que me oportunizasse conhecer o máximo da Europa em 39 dias. Um desafio e tanto, levando em conta que a minha vida continuou acontecendo ao mesmo tempo. Eu ainda tinha a faculdade, o trabalho e todos os outros detalhes da viagem pra resolver (como definir passagens de trem, ônibus e avião, estadia, apetrechos para levar e a própria mochila).

  Crampon 68, da Trilhas e Rumos. Recomendo!
 
Ótimo investimento: toalha superabsorvente. Tem apenas 33x 42cm e te seca por inteiro.  
   Com a proximidade da viagem, sem outra saída, comecei a deixar de lado algumas coisas e focar na viagem. A primeira coisa de que abri mão pra ter mais tempo para me organizar foi a natação. A segunda foi a freqüência que eu ia de Porto Alegre pra Carazinho visitar parentes e amigos. E essa lista foi crescendo. Tudo para que meu sonho se tornasse realizável no prazo que eu me havia preestabelecido e que ele acontecesse da forma que eu o havia idealizado. Valeu a pena!
 
  
SOLIDÃO QUE NADA
 
   A idéia de viajar sozinho durante 39 dias não soava bem pra quase ninguém, mas eu não me incomodava com isso. Muitos diziam que era muito arriscado, perigoso ou, até mesmo, deprimente. Contudo, eu não podia abrir mão de um sonho por ninguém compartilhar dele.
   Também encontrei certa resistência quando contei que ficaria, na maioria das vezes, hospedado na casa de estranhos. Aquilo, pra muitos, pareceu loucura. Pra mim, foi uma excelente oportunidade de me integrar, de fato, aos locais que visitaria e curtir tudo ao máximo – até porque ninguém conhece melhor uma cidade do que um próprio cidadão da mesma.
   Como que eu conseguia lugar pra ficar na casa de estranhos? Simples. Existe um site fantástico chamado CouchSurfing.org e lá várias pessoas engajadas em fazer um mundo melhor e menos chato e complicado se oferecem pra hospedar viajantes em suas próprias casas de graça. Em troca elas exigem que tu dedique um tempo a elas, compartilhando tuas experiências de vida e nada além. Isso soa utópico, mas existe e funciona! Fiz couchsurfing por vinte e uma noites na Europa e curti muito!


TENSO

   Os dias que antecederam minha viagem foram de puro nervosismo. As provas na faculdade se acumulavam, eu tinha que deixar meus alunos com o conteúdo bem encaminhado pro professor que ia assumir o meu lugar e eu não tinha lugar certo pra ficar em algumas cidades ainda – até porque parte do meu itinerário ia ser definido apenas durante a viagem. No fim, quando eu já estava até sonhando em inglês com as minhas futuras aventuras na Europa, deu tudo certo.
   No dia anterior ao meu vôo fui fazer minha Carteira Internacional de Vacinação no aeroporto. Coisa rápida, imaginei, já que eu tinha a minha carteirinha e o passaporte em mãos – pelo menos tinha sido assim com os meus pais e irmão. Ledo engano! Cheguei na ANVISA, bati na porta e nada! Pedi pros caras da Polícia Federal, que fica do lado da ANVISA, ligarem pra lá, mas eles disseram que não podiam. Insisti até quase implorar, daí eles se deram ao trabalho de discar o ramal do lugar e alguém atendeu! Tinha alguém lá dentro o tempo todo! E na verdade eram duas.
   Expliquei minha situação e eles foram fazer a tal da carteirinha. O primeiro problema surgiu logo de cara: a mulher não entendia o que a enfermeira que me fez a vacina pra febre-amarela, em 2005, tinha escrito. Ela tinha dúvida se a seqüência de números do lote da vacina acabava com um número cinco ou oito – e ela não podia escrever o número errado de jeito nenhum. Insisti tanto até que a convenci que aquilo era um oito e ela aceitou fazer a carteirinha.
   O segundo problema veio logo depois. O colega de trabalho dela, ao acessar a internet, constatou que não tinha internet! Exatamente, não havia sinal na ANVISA – muito embora tivesse na Polícia Federal, no escritório ao lado. Perguntei se eles não podiam acessar a internet ali na Polícia Federal e eles disseram que não tinham essa autorização. Contudo, naquela altura do campeonato, eu já estava amigo dos carinhas da ANVISA. Então, como eu era, no mínimo, 40 anos mais jovem que eles e manjava muito mais de computadores, eles me pediram pra tentar solucionar o problema da rede. Sim! Eu pude mexer nos computadores da ANVISA e, de fato, o problema era em algum equipamento deles. Acho que era o roteador.
   No meio dessa confusão, a mulher ficou olhando a minha carteirinha e ressuscitou a dúvida do lote da vacina, ou seja, voltamos à estaca zero. Enquanto ela e seu colega se debruçavam sobre a carteirinha, eu comecei a olhar a papelada que estava sobre a mesa do lugar que eles me mandaram ficar esperando. Ali estavam nada mais nada menos que o Manual de Instruções do Ministério da Saúde sobre a Gripe Suína – muito didático, aliás. E o mais massa: ali havia a lista de todos as pessoas que haviam chegado à Porto Alegre de avião com suspeita da gripe – até o momento eram quatro pessoas somente, e três delas vindas da Argentina.
   Refém da burocracia demasiada que atola quase todos os serviços do Estado Brasileiro, mais de hora depois, me despedi dos meus "miguxos" da ANVISA sem ter conseguido minha carteirinha. Eu teria de voltar lá no dia seguinte, algumas horas antes do meu vôo, para fazê-la. No dia seguinte deu tudo certo. Os plantonistas eram menos complicados, a internet estava funcionando (e eu não lembrei de perguntar qual tinha sido o problema!) e também fiquei amigo deles. Um dos carinhas até me contou que um filho dele também queria ter feito mochilão, mas ele não deixou. Na despedida, a mulher até sugeriu que na volta eu passasse lá pra contar da viagem (agentes da ANVISA parecem ser solitários e tristes, mas são amistosos)!
   Depois daquela novela na ANVISA, despachar a mochila numa fila quilométrica e me despedir da minha mãe foi trabalho fácil. Meu sonho estava prestes a se realizar!
   Até o próximo post, divirta-se com o roteiro do meu mochilão.
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